05
Dec12
A guerra não declarada no Paquistão
No décimo episódio da série O Mundo Amanhã, Julian Assange encontra Imran Khan, candidato à presidência do Paquistão, para discutir o futuro de um dos países mais afetados pela Guerra ao Terror
Ao longo de 25 minutos, Julian Assange recebe Imran Khan, que nos anos 70 e 80 foi capitão do vitorioso time de críquete do Paquistão, para conversar sobre corrupção, Osama Bin Laden, soberania e bombas atômicas. Isso porque hoje Khan está na corrida para se tornar o próximo presidente do país nas eleições de 2013, liderando a oposição com o partido que criou, o Movimento para Justiça, que combate a corrupção no país.
O Paquistão tem uma dívida acumulada de 12 trilhões. “Metade do nosso PIB vai para o pagamento de dívidas, 600 bilhões vão para o exército e assim 180 milhões de pessoas têm 200 bilhões de rúpias para sobreviver. Então, claramente, o país está inviabilizado”, pndera o político. A crise é sentida na pele pela população: em áreas urbanas, não há eletricidade por até 15 horas durante o dia, e os apagões chegam a durar 18 horas nas áreas rurais.
Khan se tornou a principal voz crítica ao fazer denúncias sobre o governo do Paquistão, um dos países mais afetados pela Guerra ao Terror promovida pelos EUA. “Quarenta mil paquistaneses foram mortos em uma guerra com a qual não temos nada a ver. Basicamente, nosso próprio exército matando nosso povo e eles fazendo ataques suicidas a civis paquistaneses. O país já perdeu 70 bilhões de dólares nessa guerra. A ajuda humanitária total tem sido de menos de US$ 20 bilhões”, diz Khan.
Mas como Khan levaria a relação com os Estados Unidos caso fosse eleito? “Não deveria ser uma relação de cliente-patrão, e pior ainda, o Paquistão como pistoleiro contratado, sendo pago para matar inimigos da América. Nós somos um Estado independente e soberano e a relação com os EUA deve ser de dignidade e respeito mútuo, não mais uma relação de cliente-patrão”, diz. Resta saber se, caso ele vença, cumprirá suas palavras.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a décima de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
22
Sep10
Defesa do meio ambiente, um projeto de vida
O Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade, com sede em Jaraguá do Sul, Santa Catarina, foi criado em 2003 para dar continuidade institucional ao trabalho voluntário de Elza Nishimura Woehl e Germano Woehl Jr. Desde 1998 o casal desenvolve projetos de educação ambiental junto com as escolas da rede pública. Em trilhas guiadas na floresta, crianças e adolescentes aprendem sobre a importância da preservação da biodiversidade e dos mananciais.
“Nossa dedicação à causa ambiental é um projeto de vida e não um meio de vida”, diz Germano Woehl Jr., que é físico e vive do salário de pesquisador. O trabalho deles tem recebido o reconhecimento de empresas do porte da Petrobras, Johnson&Johnson e organizações como a Bolsa de Valores Sociais e Ambientais (BVSA), uma plataforma de captação de recursos para organizações do terceiro setor, vinculada à BM&FBovespa.
Entrevistei Germano por e-mail para uma publicação especial do jornal Valor Econômico sobre biodiversidade. Como, por motivo de espaço, usei só uma pequena parte das informações, compartilho aqui as perguntas e respostas da entrevista praticamente na íntegra – apenas com pequenos ajustes para facilitar a fluidez do texto. Leia mais
05
Sep10
Impasse: entrevista com os diretores
Entrevistei Juliana Kroeger e Fernando Evangelista sobre o documentário Impasse, que eles vão lançar no dia 16 às 19h30 na Reitoria da UFSC. O filme mostra as manifestações estudantis contra o aumento nas tarifas de ônibus de Florianópolis e aborda a questão da mobilidade urbana. Ju enfatiza a importância de se fazer um jornalismo honesto, buscando sempre “a melhor versão da verdade”. Fernando conta como se surpreendeu com o tom das manifestações, cheias de arte e riso. Outro fato marcante pra eles foi o assustador despreparo do poder público. Durante a cobertura, alguns integrantes da equipe de filmagem foram atingidos por disparos de taser, armas de choque que a PM parece usar como brinquedinhos e que, em certas circunstâncias, podem ser fatais.
O que motivou vocês a fazer o filme?
Juliana: A importância, a urgência e a proximidade do tema.
De que forma a experiência de vocês em coberturas de zonas de conflito foi útil na realização deste documentário?
Juliana: Uma coisa importante em qualquer conflito, eu acredito, é mostrar que você é jornalista. Você não é policial, não é militante, não é estudante, você está ali para ouvir todos os lados e reproduzir o que você está vendo, ouvindo e sentindo da maneira mais honesta possível. Você está ali para relatar, como disse Carl Bernstein, um dos repórteres do Caso Watergate, “a melhor versão possível da verdade”. Ser jornalista, na hora da confusão braba, às vezes serve de proteção, outras vezes não. Nesse caso específico, serviu. Conseguimos fazer nosso trabalho sem restrições. O único problema é que, principalmente nos primeiros dias, a manifestação estava infestada de policiais se passando por jornalista e alguns estudantes ficavam desconfiados com a gente. Tomamos o cuidado de usar sempre o crachá da Doc Dois e levar nossa carteira de jornalista. Dessa vez, pela experiência, íamos acompanhando as manifestações já prevendo para onde correr em caso de conflito, mas tendo sempre em mente que só podemos fazer boas imagens se estamos muito próximos. Em 2004, na chamada “Revolta da Catraca”, fui atingida por uma bala de borracha. Neste ano, saímos ilesos, mas alguns integrantes da nossa equipe foram atingidos com tasers, as armas de choque. O fotógrafo Hans Denis recebeu um choque no estômago e o cinegrafista Carlos Cazé recebeu um choque nas costas.
Não é raro que documentaristas comecem um projeto com uma idealização da realidade e essa imagem se transforme durante a apuração. Isso aconteceu com Impasse ou vocês confirmaram a hipótese inicial? Quais foram as surpresas do caminho?
Fernando: Uma das coisas mais fascinantes do trabalho jornalístico, pra mim, é essa surpresa diante da realidade. É esbarrar com alguma coisa que não estava prevista, é sair do roteiro, é encontrar pessoas ou fatos que nos façam perceber determinada realidade de forma diferente. Eliane Brum tem um texto lindo sobre isso. Ela diz que o grande barato de ser repórter é a surpresa diante do mundo. Minha primeira surpresa foi ver um pessoal muito jovem, boa parte secundarista, fazendo política com bom humor e com criatividade. Aquela coisa das caras amarradas, punhos cerrados, nesse movimento daqui, pelo menos nas cinco semanas de manifestações, foi substituída pela leveza, pela arte e pelo riso. É um movimento sem líderes fixos, totalmente horizontal, sem ligação com partidos políticos. Isso me surpreendeu de verdade. Eles viraram de cabeça para baixo aquela forma de luta que eu conhecia. Quando começamos a gravar, pensei que os atos estavam sendo organizados pelo Movimento Passe Livre. Não estavam. Também não sabia que o Movimento Passe Livre não luta mais pelo Passe Livre, mas pela Tarifa Zero. Não sabia nada sobre a política da Tarifa Zero. Não sabia que 38 milhões de brasileiros não podem pegar ônibus por causa das tarifas e nunca tinha pensado que o transporte público, na verdade, não é público. Se você não tem dinheiro para pagar a educação do seu filho, você tem a possibilidade de colocá-lo numa escola pública. Você tem a saúde pública, através do SUS, você tem a segurança pública, mas o transporte, não. O transporte tem que ser pago. Nunca tinha pensado nisso. E me surpreendeu ainda a incapacidade desses jovens, tão criativos, de unir forças com os trabalhadores do transporte, com os motoristas e cobradores. Existe um oceano separando essas duas forças. Além disso, muitos deles continuam vendo a polícia como o principal oponente, mas isso não me surpreendeu.
O que mais lhes chamou a atenção na postura do poder público e na cobertura da mídia sobre os conflitos? O que o filme agrega de diferencial?
Fernando: Sobre a postura do poder público, me surpreendeu a incrível falta de tato, de jogo de cintura e de inteligência mesmo. Um despreparo assustador e explícito. Sobre a cobertura da mídia, apesar de não ter acompanhado atentamente, acho que foi melhor do que a cobertura de 2005. Nosso documentário faz a cobertura das manifestações, da ação da polícia, com um pouco mais de profundidade do que tem passado nas tevês, até porque na televisão temos matérias e nossa história é documentário, então a diferença começa pelo tempo. E, segundo, acho que tem uma diferença de abordagem. Um exemplo: temos bem claro que uma das funções do jornalismo é fiscalizar o poder, seja ele qual for. Isso poder parecer arrogante e pretensioso, mas não vejo isso na grande mídia hoje em dia. Não vejo nem na grande mídia, marcadamente de direita, nem vejo no que se convencionou chamar de imprensa alternativa ou independente, tradicionalmente de esquerda. Pra mim, tanto um lado quanto outro, com honrosas exceções, têm usado seus espaços para fazer propaganda ideológica e não jornalismo. E, agora, em época de eleição, isso está cada vez mais evidente. É Fla-Flu midiático, muito apaixonado e pouco objetivo.
Na avaliação de vocês, por onde passam as soluções para o impasse na crise de mobilidade urbana de Florianópolis? Que ensinamentos esse conflito pode dar para outras cidades que enfrentam o problema?
Fernando: Fazer viadutos, faixas especiais para os ônibus etc. etc. são medidas importantes, mas insuficientes, paliativas. Tem que se investir, de fato, no transporte coletivo. Um dos nossos entrevistados, Lúcio Gregori, engenheiro e criador do projeto Tarifa Zero, afirma que o transporte coletivo só poderá “concorrer” com o carro, quando ele for muito bom e muito barato. Aí a gente tem o exemplo da cidade de Hasselt, na Bélgica, que adotou o Tarifa Zero. Em dez anos, o uso transporte público aumento mais de 1.000%. As pessoas deixaram de andar de carro para andar de ônibus e, lógico, a mobilidade urbana melhorou consideravelmente. Para que isso aconteça, acho que o primeiro passo é o Estado assumir essa atividade. Mas quem pagaria esse transporte gratuito? Como seria feito? A gente toca nessas questões no documentário, mas o foco mesmo do nosso trabalho acabou sendo as manifestações.
Entrevista ilustrada com fotos de Denis Schneider, Juliana Kroeger, Pedro Machado e Daisy Schio.
07
Aug10
Perpetuar porra nenhuma
O vizinho-amigo-colegafrila Mauricio Oliveira traz em seu blog uma boa entrevista com o Morongo, criador da Mormaii – empresa que faz roupas pra surfistas na linda Garopaba (SC). Já tive oportunidade de entrevistá-lo, faz tempo, e tive ótima impressão do cara. Gostei bastante deste trecho, que é revelador sobre o espírito com que ele toca o negócio e a vida:
Quais as preocupações que você tem tido para perpetuar essa marca, fazer com que a empresa sobreviva às próximas gerações…
Olha, isso não me preocupa muito. Porque meu filho, que é budista, já me falou da lei da impermanência. Nada é eterno. Nem nosso planeta é eterno, nem o sol, nem nada. Então não tem essa noia de perpetuar. Tem só a obrigação de fazer bem feito enquanto for. Só isso. Essa noia de perpetuar é um dos grandes erros que nós, humanos, cometemos.Você não está preocupado em criar conselho profissional de administração, trazer executivo profissional, essas coisas?
Porra nenhuma. Profissional é a nossa atitude, como um todo. Somos extremamente profissionais. Mas, acima de tudo, estou preocupado com a qualidade de vida, minha e de quem trabalha aqui.
A íntegra das dez perguntas para Morongo está no Vida de Frila.
21
Apr10
O que mais vale: água ou fosfato?
No dia 20 de abril o Tribunal Regional Federal da 4a. Região manteve por unanimidade, mais uma vez, a decisão da Vara Federal Ambiental de Florianópolis contra o projeto da fosfateira de Anitápolis. Esta é a 12a. decisão judicial contrária ao empreendimento, que ameaça uma extensa área de mata atlântica e mananciais em Santa Catarina. Fiz quatro perguntas ao advogado Eduardo Bastos, que representa a ong Associação Montanha Viva na causa.
O que significa mais esta decisão do Judiciário contra o projeto da fosfateira?
Em termos ambientais e sociais, a manutenção da liminar concedida pela doutora Marjorie Ribeiro da Silva, juíza da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, se reveste de grande importância. Demonstra a sensibilidade do Poder Judiciário Federal com os problemas e riscos potenciais apontados na ação. Apesar de toda complexidade da causa e dos interesses governamentais em jogo, as irregularidades constantes no EIA/RIMA [Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] foram percebidas pelos julgadores, que, embasados nos princípios da prevenção e da precaução, decidiram em prol da sociedade e do meio ambiente.
Por que o projeto da fosfateira é danoso ao meio ambiente?
Diria que o projeto é danoso não apenas ao meio ambiente, mas à sociedade de modo geral. Ao meio ambiente pela perda de biodiversidade, por envolver a supressão de mais de 300 hectares de Mata Atlantica em estágio primário que abriga espécies em risco de extinção, pela possibilidade da contaminação das águas superficais e subterrâneas. Isso sem contar com a poluição e aniquilação do Rio dos Pinheiros, que abastece moradores de Anitápolis e de Braço do Norte. E social, pois o empreendimento coloca em xeque toda uma região que tem por vocação o turismo rural, a agricultura orgânica, inclusive recebendo recursos do governo federal para essas atividades. Em resumo, a luta que se trava é pela preservação de toda Encosta da Serra Geral.
Como tem sido a mobilização social quanto a esta causa?
A sociedade está pressionando os gestores a tomar posição. Houve três audiências públicas promovidas pela Assembleia Legislativa – a primeira em junho de 2009 em Florianópolis, a segunda em setembro, em Braço do Norte, e a terceira no dia 15 de abril, em Laguna. Nesta última, a Comissão Pastoral da Terra entregou ao prefeito 3.800 assinaturas de moradores de Laguna e Tubarão que são contra o empreendimento. O prefeito também se manifestou contrário. As prefeituras de Rancho Queimado e Braço do Norte se somaram ao protesto, ingressando na ação judicial. Mais de 20 organizações empresariais da região também são contrários. O Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Tubarão e Complexo Lagunar finalizou em dezembro de 2009 um parecer técnico que aponta todas as irregularidades do EIA/RIMA e diz que o empreendimento é inviável do ponto de vista ambiental, social e econômico. Há duas semanas a procuradora da República Analúcia Hartmann, do Ministério Público Federal, também requereu a entrada como co-autora no processo.
Qual será o trâmite desta ação daqui para a frente? O projeto está suspenso em definitivo?
Mantida a liminar, e após a análise do mérito nos agravos [agravo é um dos tipos de recurso existentes no processo civil brasileiro], o próximo passo a ser executado pelo governo do estado, prefeitura de Anitápolis, Fatma [Fundação do Meio Ambiente, órgão ambiental do governo de SC], União, Bunge, Yara e IFC [Indústria de Fosfatados Catarinense] pode ser a interposição de recurso no Superior Tribunal de Justiça. Ainda que o façam e em sendo mantida a decisão, o processo na Vara Federal tem seu trâmite normal, ou seja, passará a ser efetivamente julgado. Audiências e produção de provas, até a prolação da sentença. E a partir dessa, de novo o ciclo de recursos se inicia. O risco de a atividade ser viabilizada existe. Contudo, pelo que consta no processo, nos laudos e pareceres elaborados por instituições idôneas, creio que há uma sinalização pela inviabilidade do Projeto Anitápolis. Afinal, o que mais vale: água ou fosfato? Respondida essa equação simples, a decisão é mais fácil de ser tomada.
Esta entrevista está sob licença Creative Commons. Sua reprodução é permitida e incentivada.
16
Mar10
Castells: “Não há excesso de informação”
Interessante esta entrevista de Manuel Castells aos leitores da BBC Mundo. Tenho trocado ideias com amigos sobre o que ele aborda neste trecho:
A Raúl Rodon, de Panamá, le gustaría saber si usted cree que la gran cantidad de información inútil disponible a través de internet nos llevará a un nuevo oscurantismo.
No hay exceso de información.
Si voy a una biblioteca que tiene 12 millones de volúmenes, tengo mejores posibilidades de encontrar lo que busco a que si tiene un millón de volúmenes. Lo que me hace falta es tener la capacidad de saber qué busco, cómo encontrarlo y saber qué hacer con ello.
Lo que pasa es que internet exige un desarrollo mucho mayor del nivel cultural y educativo de los usuarios.
Por tanto, la verdadera brecha en relación al uso de internet es la brecha más antigua de la humanidad: la cultura y la educación.
Aquéllos más educados en la era de internet aumentan su capacidad de acción sobre la sociedad y sobre sí mismos.
Aquéllos con poca educación se dedican a hacer estupideces con internet y pierden mucho más con respecto al conjunto de la sociedad.
18
Feb10
O porco em Nota de Rodapé
Dei entrevista sobre Espírito de Porco ao jornalista Thiago Domenici, que coordena o blog coletivo Nota de Rodapé. No início de março o doc vai ser exibido em um festival de cinema em Santiago de Cuba. E pra quem ainda não teve a oportunidade de assistir na telona, estamos combinando novas exibições em março e abril em Floripa. Depois dou os detalhes.
22
Oct09
Espírito de Porco na rádio CBN
Entrevista de Chico Faganello à rádio CBN – 19out2009 by dauroveras
O radialista Luiz Carlos Prates, da rádio CBN de Florianópolis, entrevista no programa Notícia na Tarde o Chico Faganello sobre o documentário Espírito de Porco, que dirigimos juntos e vamos mostrar em Florianópolis a partir de hoje na Fundação Cultural Badesc.
19
Oct09
Castelo dos Sonhos: entrevista com Tatiana Cardeal
Há poucas semanas contei sobre um prêmio que minha amiga Tatiana Cardeal, fotógrafa documentarista, foi receber na China. Pois mal retornou ao Brasil, ela já recebeu outro: o Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, em parceria com Marques Casara, com a reportagem Castelo dos Sonhos [pdf], sobre exploração sexual de crianças e adolescentes ao longo da BR-163. Nesta entrevista, Tatiana conta como foram os bastidores dessa apuração.
DVeras em Rede – Como foi o desafio de fazer uma reportagem fotográfica sobre um tema que envolve tantos aspectos delicados do ponto de vista psicológico, legal e de segurança?
Tatiana Cardeal – Foi difícil, mas desafiador, e eu gosto muito dos desafios que me trazem um sentido. Não sou exatamente uma fotojornalista, meu trabalho é mais documental e bem mais lento, então, em no início achei que poderia não funcionar bem, mas acabei me surpreendendo bastante com minhas próprias reações. Fotografar escondida ou em risco não é a minha rotina, nem algo que eu tenha prazer em fazer. Houve momentos em que tive muito medo e outros em que surpreendemente me vi coordenando a situação com certa excitação para obter a melhor momento/ângulo de uma foto. Havia uma série de cuidados sobre o que fotografar e quando fotografar, não dava pra chegar clicando. Também havia o desafio de encontrar imagens fortes e/ou sensíveis que contassem a história e que fossem publicáveis, já que não se pode expor as imagens das vítimas da exploração sexual.
O que mais a impressionou? Houve momentos em que você hesitou em clicar?
Tatiana – Muitas coisas me impressionaram. Como cena, uma das mais impressionantes foi quando chegamos e passamos pela “avenida principal” de Castelo. Um grupo de cerca de sete meninas, muito novas (acho que entre 12 e 15 anos), semivestidas, sentadas na mesa de bilhar da varanda do boteco/bordel. A ausência do poder público alí impressiona, assim como as péssimas condições da estrada de terra (foram 6 horas para cobrir os 200 km), que separa Castelo da “civilização”, uma área erma onde praticamente não se encontra nada. Como referência, a região é próxima de onde caiu o Boeing da Gol em 2006, e que foi uma enorme dificuldade de mobilidade para o próprio exército. Também me impressionou muito a cena de uma garota franzina de 12 anos amamentando seu bebê; e em especial a “normalidade cultural” com que o sexo com menores é tratado, ao mesmo tempo em que provoca vergonha e receio nas famílias da vítimas.
O momento em que hesitei não foi pela imagem da foto em si, mas pela pressão psicológica em que estava. A gente já sabia da fama violenta da cidade… um conselheiro tutelar de outra cidade entrou em pânico quando o Marques decidiu que precisávamos ir lá. Mas já em Castelo, depois de entrevistar o jornalista que estava ameaçado de morte, e ele mostrar uma série bizarra de fotos que fez dos assassinatos da região (que não aguentei ficar vendo, porque não eram somente corpos assassinados, mas mortes decorrentes de violência bizarra e brutal, com técnicas de tortura requintadas e sádicas, que expunham os corpos posteriormente como “mensagem” para a população local), e eu ainda precisava fazer duas últimas fotos, em público, na avenida principal e na delegacia. Eu estava tão chocada com o depoimento e a brutalidade das imagens do jornalista, que o Marques praticamente me empurrou pra fora do carro para fotografar.
Pode contar um pouco sobre o lado técnico de fazer uma cobertura fotográfica na umidade amazônica? Como você lida com o dilema entre a necessidade de carregar equipamento pesado e a de ser discreta?
Tatiana - Bom, a Amazônia é gigantesca, e oferece condições climáticas variadas. No caso dessa região no norte do Mato Grosso, não fomos na época das chuvas, então eu tinha mais preocupação com o poeirão vermelho da estrada de terra do que com a umidade, vivia protegendo a câmera e limpando. Já no Amazonas, em São Gabriel da Cachoeira encontramos temperaturas altíssimas com extrema umidade, a ponto de a cola do espelho da minha câmera derreter (e da filmadora parar de funcionar subitamente algumas vezes). Consegui colar novamente o espelho com uma versão enigmática de SuperBonder, a TreeBonder, única alternativa disponível na cidade indígena… por sorte colou e resolveu. Outra coisa que ajudou é ter uma mochila tropicalizada, que veda 100% contra chuva, e até protege na queda do equipamento na água (a mochila fica boiando no caso de uma voadeira virar…).
Normalmente não carrego muito equipamento. De mais pesado são duas cameras, três lentes médias e um flash. Se não ía muito longe, só uma camêra. Mas nada que não caiba em uma mochila média e que eu não possa levar.
Admiro a maneira como você reorientou a carreira bem-sucedida de diretora de arte para recomeçar – e obter reconhecimento internacional – na fotografia de temas sociais. O que moveu você nessa mudança e como ela se deu?
Tatiana – Obrigada, Dauro, mas saiba que essa mudança de carreira não foi nada muito planejado. Acho que tive uma boa dose de sorte, pois ao sair da Editora Abril eu já sabia que queria continuar na área social e não queria mais fazer revista puramente comercial. Estava fazendo uma pós graduação em Mídias Interativas, algo meio novo e experimental na época, e que me deixou bastante antenada com as possibilidades da internet. Fui publicando imagens de temas que me interessavam e pesquisas visuais que eu fazia como estudo e hobby. Aí fui recebendo um grande feedback que me encorajou a continuar produzindo mais e que aos poucos tornou-se trabalho. Ainda naquele período, algumas redes que eu frequentava e publicava só falavam em inglês, e acredito que foi aí que o trabalho ganhou alguma projeção fora daqui.
~
Leia também a entrevista com Marques Casara.
19
Oct09
Castelo dos Sonhos: entrevista com Marques Casara
Meus amigos Marques Casara e Tatiana Cardeal ganharam menção honrosa na trigésima-primeira edição do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, um dos mais conceituados do Brasil. A reportagem deles, Castelo dos Sonhos [pdf], publicada na revista da ong Childhood Brasil, desvenda uma rede criminosa de exploração sexual de crianças de adolescentes na BR 163. Nos últimos anos, Marques tem faturado vários prêmios “correndo por fora” da grande mídia. Suas reportagens investigativas bancadas por organizações do terceiro setor são um grande incentivo para quem acredita que é possível fazer jornalismo independente com qualidade. Fiz esta entrevista com ele por e-mail.
DVeras – Sobre o que é a reportagem Castelo dos Sonhos e o que ela traz de novo?
Marques Casara – A pauta foi proposta para a revista da organização não governamental Childhood Brasil, que desenvolve projetos ligados ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. O objetivo seria percorrer a BR 163 e identificar locais de exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas, em postos de combustível e prostíbulos. O projeto foi aceito e financiado pela ONG.
Ao chegar na região Norte do Mato Grosso, a reportagem tomou outra proporção, pois identificou uma rede criminosa organizada de aliciamento de crianças e adolescentes nas cidades de Guarantã do Norte, Matupá e Peixoto Azevedo, todas localizadas próximas à divisa com o Pará. Os aliciadores levavam as adolescentes para a cidade de Castelo de Sonhos, um distrito de Altamira localizado a 1.200 km da sede do município. O lugar é de difícil acesso, o que facilita o trabalho das redes de exploração. Tem apenas 3 policiais militares e um delegado que anda a pé por falta de viatura. Uma região sem lei e onde a exploração sexual de crianças e adolescentes acontece a céu aberto. O único jornalista da cidade passou 10 dias escondido no forro de uma casa para não ser morto e hoje recebe proteção especial do governo. A reportagem serviu para alertar as autoridades e mobilizar o governo do estado a tomar providências em relação ao problema das adolescentes. Uma reportagem como essa sempre muda o cenário, alerta as autoridades e outros jornalistas.
Conte um pouco sobre como foi a apuração. Durou quanto tempo? Quais foram as principais dificuldades e surpresas?
Casara – O assunto veio à tona em conversa com uma fonte na região. A apuração durou duas semanas. Foi trabalhoso localizar as famílias das adolescentes e mais trabalhoso ainda convencer mães e avós a contar o problema. Além do medo de represálias, sempre há um certo constrangimento em admitir que uma ou mais filhas foram aliciadas por redes que lucram com a exploração sexual. As famílias moram em cidades na divisa do Mato Grosso com o Pará. Chegar a Castelo de Sonhos também foi muito trabalhoso. São 200 km de uma estrada praticamente intransponível a partir da divisa. Cerca de 40 quilômetros após a partida, estourou o amortecedor dianteiro direito. A opção era desistir ou seguir em frente. Fomos em frente, arriscamos.
Castelo de Sonhos é um lugar sem Lei, sem Poder Público, sem força policial. O lugar é muito violento. Chegamos disfarçados e passamos uma noite. Na manhã seguinte, tivemos a sorte de encontrar uma amortecedor da mesma marca e modelo do carro. Só então revelamos nossa condição de jornalistas. A partir dai, foi uma corrida contra o tempo. Em três horas visitamos os locais onde ocorrem a exploração e fizemos as entrevistas e as fotos. Precisávamos sair da cidade antes de qualquer reação. No caminho de volta fomos seguidos por cerca de 80 quilômetros por uma caminhonete ocupada por três homens. A perseguição parou quando entramos em um canteiro de obras de uma barragem que está sendo erguida na região da Serra do Navio. Paramos em frente a um restaurante. A caminhonete nos seguiu e parou a menos de 30 metros. Após alguns minutos, deu meia volta e retornou a Castelo de Sonhos. Sem sair do carro, comemos duas latas de atum com pão e guaraná. Pegamos a estrada e chegamos a Guarantã do Norte sem maiores problemas. Se não tivessemos encontrado o amortecedor certo, teríamos um pouco mais de trabalho.
Como é a logística de fazer uma reportagem investigativa na Amazônia, lidando com um tema delicado e potencialmente arriscado tanto para vítimas quanto para repórteres?
Casara – A logística é imitada pelos recursos. A apuração é limitada pelos riscos. Estávamos com um carro de passeio quando deveríamos estar em um 4×4. Isso aumenta os riscos de quebrar o carro. Também dificulta uma saída rápida em caso de necessidade. A reportagem também é limitada pelas distâncias e pelas condições das estradas, o que torna tudo mais caro e trabalhoso. O assunto é complexo, as famílias não gostam de falar sobre isso. A corrupção também dificulta a apuração e aumenta os riscos, pois autoridades ganham dinheiro acobertando criminosos.
É preciso jogar com todos esses fatores. É preciso também antever os riscos, estar sempre um passo à frente. É necessário jogar com o fator surpresa, com a rapidez e com toda a experiência acumulada. Os principais erros acontecem por causa da afobação e do medo. Os três segredos da reportagem de risco são os seguintes: 1) Mantenha a calma; 2) Mantenha a calma; 3) Mantenha a calma.
Você acredita que a reportagem de vocês pode transformar a realidade dessas adolescentes? Já transformou desde que foi publicada?
Casara - Reportagens como essa sempre mudam o cenário. Servem de alerta, inspiram novas matérias. Uma violência como essa, quando vem a tona, atrapalha a vida dos criminosos e estimula as autoridades. Algumas autoridades são estimuladas a aumentar o valor da propina, outras, honestas, são estimuladas a resolver o problema.
Este é o seu segundo prêmio Herzog de Jornalismo e Direitos Humanos. O que isso representa para você como jornalista que atua com entidades do terceiro setor, sem o apoio da grande mídia?
Casara – Não me interesso mais pela grande mídia. Desde o ano 2001 atuo exclusivamente para organizações que não estão vinculadas ao jornalismo industrial. Posso fazer um jornalismo mais libertário e revolucionário. Não estou limitado pelos interesses comerciais das empresas de comunicação. Hoje, o que dá lucro para essas empresas é o jornalismo de entretenimento, mesmo quando disfarçado de “investigativo”. Desde que sai desse circuito ganhei um Prêmio Esso e dois Herzog. É um bom referencial. Estou construíndo um caminho próprio, sem holofotes mas com muita realização pessoal. Uma dica pra quem tá começando na profissão: todo jornalismo é investigativo. Se não é investigativo, não é jornalismo.
Leia também a entrevista com Tatiana Cardeal.