Posts com a tag ‘humor’

13

Apr

24

Novos desafios

Outra croniqueta que publiquei na Fired, a revista do desempregado moderno. A inspiração foi um esquete do Porta dos Fundos.

Novos desafios

Chegou na firma e recebeu a boa notícia do chefe: iria ganhar uma oportunidade única de enfrentar novos desafios. Mais detalhes no RH. Munido de carteira de trabalho, essa herança anacrônica da era Vargas, logo soube dos detalhes. Fora promovido a consultor externo, um cargo de alta relevância e autonomia, vinculado apenas informalmente à estrutura organizacional, para não tolher sua liberdade criativa. Em sintonia com as diretrizes modernizadoras da reforma trabalhista, precisaria rescindir o contrato de trabalho e se tornar microempreendedor para continuar prestando seus inestimáveis serviços. Assumiria, naturalmente, os custos de água, energia, internet e cafezinho do home-office, mas com toda a liberdade para escolher os fornecedores e marcas que melhor lhe aprouvessem. Afinal, paternalismo não ajuda nada a estimular o desenvolvimento profissional em um ambiente de livre mercado, e você prefere tomar arábica, não é mesmo? Outra vantagem imensurável: total controle sobre a temperatura do ambiente laboral, um grande passo na conquista da autonomia do eu.

Foi à luta. Comprou pijama novo em dez vezes, contratou contador, conseguiu CNPJ e começou a trabalhar em casa. Em pouco tempo percebeu como expandia os horizontes. Aprendeu a usar os recursos de maneira parcimoniosa e sustentável, para não aumentar a pegada ecológica. Descobriu como alongar o endividamento, como vender almoço para comprar janta. Hoje ele é o feliz CEO de uma empresa enxuta e versátil do ramo de serviços aleatórios. Para maximizar os resultados, acumula responsabilidades: é gestor da prospecção de partículas invisíveis (varre a casa); líder do board de aquisições (faz a feira); manager de recursos animais (cuida dos cachorros), barista (passa o café); alquimista com especialização em sódio (faz a comida); supervisor do fluxo de informações (pesquisa no Google, atende o telefone, recebe o carteiro). Ainda arruma tempo para fazer ginástica laboral (lava o banheiro), cultivar a network (Facebook, Whatsapp) e prestar trabalho voluntário em ações ambientais (separa o lixo e leva pra calçada). É verdade que sua empresa tem enfrentado dificuldades no fluxo de caixa, mas já disponibilizou aos credores um powerpoint com o diagnóstico tranquilizador: é só uma crise passageira nos mercados emergentes, coisas do mundo competitivo e globalizado. Nada que abale sua crença indestrutível no poder da vontade.
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 Dauro Veras é favorável a medidas de austeridade na gestão organizacional, desde que não mexam no seu queijo.
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13

Apr

24

Hora de expediente

Uma crônica minha publicada em maio de 2015 na Fired, a revista do desempregado moderno.

~

Hora de expediente

No intervalo do cafezinho, o chefe colocou a mão em seu ombro:

— Odair?

— Pois não, doutor Osvaldo?

— Quando terminar aí, dê uma passadinha na minha sala.

Uma hora depois, caminhava sem rumo pelas ruas do centro, o nó frouxo da gravata, a cópia do bilhete azul em uma das mãos, a pasta com documentos inúteis na outra. Na cabeça, alternava o mantra de um xingamento à genitora do doutor Osvaldo com a dúvida obsessiva: como eu vou contar pra Marlinda?

Tudo caminhava tão bem. Recém-casados, tinham acabado de comprar a tevê de tela plana em doze vezes, o carrinho japonês em quarenta e oito prestações, o guarda-roupas nas Casas Bahia, primeiro pagamento só depois do Carnaval.

Encheu a caveira no boteco e chegou em casa depois da novela. Marlinda o esperava na cama, de baby-doll transparente, segurando aquele vibrador duplo que compraram pela internet — seis vezes sem juros —, mas ele desmaiou ao lado dela para uma noite de sonhos inquietos.

Na manhã seguinte, acordou se sentindo um inseto de ressaca, barbeou-se, vestiu o terno cinza, beijou a mulher sonolenta e saiu. Na padaria, café com pão puro.

— Sem margarina é mais barato que sem manteiga — brincou com a balconista, pela força de hábito.

O que fazer? Enquanto pesava as alternativas, melhor não contar nada à mulher. Chegar em casa com um problema, em vez de uma solução? Para todos os efeitos, continuava empregado com carteira assinada. Como fora dispensado do aviso prévio, teria de arrumar o que fazer durante o dia, enquanto fingia que trabalhava. Menos mal que o Fundo de Garantia daria para os próximos dois ou três meses. Morrer de fome não morreriam, pois tinham o salário de Marlinda como operadora de telemarketing. Precisariam fazer alguns sacrifícios, claro, mas com um pouco de disciplina orçamentária, talvez nem fosse preciso devolver o vibrador.

Chegou à praça e se sentiu um pouco melhor. Ali seria o “escritório” ideal durante o horário do expediente. Sentou-se num banquinho, ao lado de uma pessoa que lia um jornal. Aquela mulher não lhe era estranha. Olhou por cima do jornal e tomou um susto:

— Linda?!

— Dodó?!

— Você não devia tar no trabalho?

— Benhê… Preciso estar lhe contando uma coisa…Perdi o emprego. Faz uma semana que venho aqui toda manhã matar o tempo e olhar os classificados.

— É mesmo? Eu também. Hoje é meu primeiro dia.

Caíram juntos na risada, se abraçaram e voltaram de mãos dadas para casa, onde curtiram uma sessão de sexo selvagem. No dia seguinte, Odair e Marlinda acordaram perto do meio-dia, vestiram as roupas de banho, colocaram o frescobol na sacola e foram à praia. Viveriam de amor.

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Pedrosa da Silva é doutor em estudos híbridos pela Metatag University e especialista em redes de algodão cru. Por motivos religiosos, nunca trabalha às terças, quintas e sábados. Às segundas, quartas, sextas, por motivos profanos, dedica-se às artes cínicas. Aos domingos vai à praia.
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04

Sep

20

Ouvido não é penico

Ontem eu sintonizava a CBN no rádio do carro e mais uma vez fui recordado do motivo por que escuto rádio aberto cada vez menos. Um esquete supostamente humorístico chamado “Corneta do Tarrafa”, que faz piadas ruins apoiado no estereótipo do sotaque manezinho da ilha, apresentou um quadro infame por cerca de dois minutos.
Inspirados nos memes sobre as referências da deputada Flordelis ao som dos tiros que mataram seu marido, os dois locutores fizeram um paralelo com três jingles/músicas contendo “pá, pá, pá, pá, pá”. Da primeira vez foi bizarro, da segunda, grotesco e da terceira senti até o cheiro de esgoto.
Essa estética de comunicação focada no mundo cão, tão a gosto da indigência mental do bolsonarismo, tem produzido espetáculos constrangedores. Quem me conhece sabe que tenho uma visão bastante aberta quanto aos limites do humor, mas o gozo com a miséria humana, definitivamente, ultrapassa o tolerável.
Esquetes-lixo como esse contribuem pra afastar os ouvintes dos diversos conteúdos de qualidade que a CBN ainda tem na sua grade. Quase tão ruins quanto isso são os longos debates vazios enchendo linguiça sobre futebol. Ponto pros podcasts, em que os ouvintes têm um controle bem maior sobre a qualidade do que escutam.
p.s.: Aproveito pra recomendar o ótimo podcast Fronteiras invisíveis do futebol, um programa de História que aborda as realidades de vários países usando o esporte como pretexto.
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30

Dec

15

A matemática de amassar barro com as costas

Dia dos Mortos no México. Foto de Barney Moss/Creative Commons

Dia dos Mortos no México. Foto de Barney Moss/Creative Commons

Você pode achar esta calculadora de probabilidades um tanto mórbida. Prefiro vê-la como um exercício de riso filosófico — meu pai costumava fazer isso anotando as idades em que as personalidades da enciclopédia abotoaram o paletó. Na comparação, ele se considerava um homem de sorte. Cumpriu sua missão aos 85 anos, quando 70,2% das pessoas já dormiram o sono dos justos, segundo os matemáticos.

Se você só tem 25 anos, a possibilidade de esticar o pernil é de apenas 0,3%. Somos praticamente imortais nesta idade, aproveite — mas não abuse da paciência do anjo da guarda, que às vezes é ruim em matemática. Já as chances de arrefecer o céu da boca antes dos 50, idade que completo no mês que vem, são um pouco mais altas: 3,6%. Se depender de mim, não pretendo estar entre os 99,6% que já bateram biela antes de completar cem anos.

Já pensou em como pode ser reconfortante ter a consciência de que nosso corpo não foi feito pra durar? A gente pode se dedicar de alma muito mais leve aos amigos, beijos de língua, amores, viagens, atos solidários ou solitários, à realização de pequenos e grandes sonhos. E, claro, a chutar o balde do que não nos interessa. Um momento de cada vez, sem auto-ilusão e sem se estressar com o triste pio. É o que temos.

Afinal, pra que se preocupar com o dia de dar o peido mestre, sair com os pés pra frente, ter a conta feita, dar o couro às varas, fazer tijolo, ir para o jardim das tabuletas, amassar o barro com as costas, dar com a cola na cerca, morder o pó, perder a colher, colocar o pijama de madeira, esticar o alcatre, desconectar geral, mudar pra cidade dos pés juntos, se isso está fora do nosso controle? Carpe diem e feliz 2016!

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Esta crônica foi inspirada no texto Your body wasn’t built to last: a lesson from human mortality rates

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13

May

14

De Quintana, Shakespeare e leitura

- Poeta, o que devo ler para entender Shekespeare? - Shakespeare, minha filha.

– Poeta, o que devo ler para entender Shekespeare? – Shakespeare, minha filha.

Fonte: Ora Bolas – O humor de Mário Quintana. Juarez Fonseca, L&PM Pocket, 4a. edição, p. 94, maio de 2013.

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03

Jul

12

Brunitezas: absolutamente

Eu: – Meninos, vocês lancharam?
Miguel: – Absolutamente nada.
Bruno: – Absolutamente dois pães.

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03

Dec

11

Funk do iate

A meninada aqui em casa curtiu muito esse comercial com Marcelo Adnet. E tá bem feito, né?

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25

Nov

11

Hey Jude passo a passo

Genial. Não sei o autor, se souberem me digam. Compartilhado pela Márcia Fernandes no Facebook.

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30

Oct

11

Humor no twitter

Testando um widget do Twitter que permite exibir o fluxo de mensagens de listas. Selecionei a minha lista “frasistas”, de gente que tem o dom de fazer rir – e também refletir – em até 140 caracteres. Se você tiver outras sugestões, deixe aí nos comentários.


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08

Oct

11

Sessão da Tarde

Meu novo ídolo, Pedrosa da Silva, colunista da Fired – uma publicação da Lhamas Imperiais Editora.

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Um belo dia, o chefe lhe diz: “Precisamos conversar.” É o preâmbulo para uma nova e excitante fase da sua vida. Você esvazia as gavetas e escreve aquele fatídico e-mail aos colegas: “Não é um adeus, é um até logo”, etc. Em casa, explora as reentrâncias do sofá macio, folheia uma HQ e observa o gato. O felino ainda vai lhe dar muitas aulas sobre como conservar energia evitando movimentos desnecessários. Agora você está apto a praticar o nadismo, a doce arte de não fazer nada. E se transforma em potencial leitor da Fired – a revista do desempregado moderno.

Pesquisa do Sensacionalista (“um jornal isento de verdade”) revela: 75% das pessoas que vão “partir em busca de novos desafios” passarão seis meses vendo Sessão da Tarde. Isso reforça a convicção da equipe Fired de que existe um importante segmento de público a atender com informação e serviços. A revista é a sua nova aliada no enfrentamento dos mitos criados pela cultura da aceleração. Sem medo e sem culpa.

Pense nas vantagens de seu novo status. Adeus tensão de alternar rapidamente a tela do computador entre o jogo de paciência e uma planilha excel. Chega do balé dissimulado que é transportar documentos aparentando pressa, para em seguida passar meia hora na sala do cafezinho. O candidato a nadista é um ator em permanente ação de resistência – ou melhor, resistência à ação. Mas essa vida dupla cobra seu preço em úlceras ou coisa pior.

Fired investe na autoestima do ocioso criativo que sai do armário. Esqueça os rótulos de loser ou mandrião, pois essa caterva não sabe o que fala. Experimente a sensação inebriante de se autodefinir: “Sou artista conceitual”. Ou freelancer, filósofo, flâneur, como preferir. Existe um termo em alta no mercado, empreendedor, mas alguém sempre termina lhe pedindo pra descrever o projeto que desenvolve, e isso dá trabalho. Há ainda a mítica figura do consultor, um oráculo em estado de repouso, que só se mexe quando é bem pago.

Construir sua persona pós-CLT demanda rigorosos exercícios iniciáticos, tais como:

- Ir ao cinema no meio da tarde. É um passo fundamental na gênese do Novo Desempregado, o Übermensch liberto da ditadura do relógio-ponto. Dono de seu tempo, compra o ingresso sem pegar fila, escolhe a melhor poltrona e goza o momento com a consciência tranquila, inspirado no filósofo bigodudo: os remorsos são obscenos.

- Caminhar até a geladeira e pegar uma cerveja. Quando esta prática esotérica ocorre antes do meio-dia, é duplamente salutar, pois se associa ao benefício de acordar cedo (mas não cedo demais) – e assim aproveitar melhor o tempo inútil. Há quem garanta que o som da latinha sendo aberta libera endorfinas.

Criamos a Sessão da Tarde com dois objetivos: acabar de vez com as nossas dúvidas sobre a diferença entre seção e sessão; e levar dicas de joie-de-vivre ao nosso seleto público sem vínculo empregatício. O leque é amplo. De resenhas dos sucessos de Charles Bronson a indicações de lugarzinhos charmosos onde tomar um expresso sem pressa. Quem sabe, trocando olhares com uma moça bonita, enquanto vocês conversam sobre o ser e o nada. Bom proveito.

Pedrosa da Silva tem doutorado em estudos hedonísticos no Barbecue Institute of High Studies, com PhD em Morro de São Paulo. Consultor holístico e sentimental, é também especialista em redes sociais – comprou uma de casal no Ceará e garante que cabem três com folga. Os honorários recebidos por este artigo – meia mariola e duas balas chita – foram doados para o Centro de Apoio aos Dependentes do Expediente 9 às 6.

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