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Apr24
Novos desafios
Outra croniqueta que publiquei na Fired, a revista do desempregado moderno. A inspiração foi um esquete do Porta dos Fundos.
Novos desafios
Chegou na firma e recebeu a boa notícia do chefe: iria ganhar uma oportunidade única de enfrentar novos desafios. Mais detalhes no RH. Munido de carteira de trabalho, essa herança anacrônica da era Vargas, logo soube dos detalhes. Fora promovido a consultor externo, um cargo de alta relevância e autonomia, vinculado apenas informalmente à estrutura organizacional, para não tolher sua liberdade criativa. Em sintonia com as diretrizes modernizadoras da reforma trabalhista, precisaria rescindir o contrato de trabalho e se tornar microempreendedor para continuar prestando seus inestimáveis serviços. Assumiria, naturalmente, os custos de água, energia, internet e cafezinho do home-office, mas com toda a liberdade para escolher os fornecedores e marcas que melhor lhe aprouvessem. Afinal, paternalismo não ajuda nada a estimular o desenvolvimento profissional em um ambiente de livre mercado, e você prefere tomar arábica, não é mesmo? Outra vantagem imensurável: total controle sobre a temperatura do ambiente laboral, um grande passo na conquista da autonomia do eu.
Foi à luta. Comprou pijama novo em dez vezes, contratou contador, conseguiu CNPJ e começou a trabalhar em casa. Em pouco tempo percebeu como expandia os horizontes. Aprendeu a usar os recursos de maneira parcimoniosa e sustentável, para não aumentar a pegada ecológica. Descobriu como alongar o endividamento, como vender almoço para comprar janta. Hoje ele é o feliz CEO de uma empresa enxuta e versátil do ramo de serviços aleatórios. Para maximizar os resultados, acumula responsabilidades: é gestor da prospecção de partículas invisíveis (varre a casa); líder do board de aquisições (faz a feira); manager de recursos animais (cuida dos cachorros), barista (passa o café); alquimista com especialização em sódio (faz a comida); supervisor do fluxo de informações (pesquisa no Google, atende o telefone, recebe o carteiro). Ainda arruma tempo para fazer ginástica laboral (lava o banheiro), cultivar a network (Facebook, Whatsapp) e prestar trabalho voluntário em ações ambientais (separa o lixo e leva pra calçada). É verdade que sua empresa tem enfrentado dificuldades no fluxo de caixa, mas já disponibilizou aos credores um powerpoint com o diagnóstico tranquilizador: é só uma crise passageira nos mercados emergentes, coisas do mundo competitivo e globalizado. Nada que abale sua crença indestrutível no poder da vontade.
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