24
Feb21
Lendo: Up In The Old Hotel
Up In The Old Hotel. Coletânea de perfis escritos por Joseph Mitchell para a New Yorker entre o fim da década de 1930 e 1964. Uma aula de jornalismo. Dica do Yan Boechat.
08
Dec20
Kjeld Jakobsen, presente!
31
Dec18
DVeras Awards de Literatura 2018
Mais uma vez você não pediu, mas aqui estamos com o DVeras Awards 2018 de Literatura. Este é um concurso hedonista: participam todos os livros que li sem nenhuma obrigação, só por prazer, entre janeiro e dezembro deste ano. Ficam de fora as obras técnicas e de referência, as lidas por motivos profissionais específicos e as não concluídas até 31 de dezembro. As decisões da comissão julgadora – eu mesmo – são irrecorríveis.
Este ano a seleção dos melhores foi dificílima pela alta qualidade dos competidores, nada menos que quatro prêmios Nobel – Mario Vargas Llosa (2010), Alice Munro (2013), Svetlana Alexievitch (2015) e Kazuo Ishiguro (2017), sem falar nos quase premiados Graham Greene e Haruki Murakami, e no genial Julio Cortázar, um gigante literário ignorado pela academia sueca (aliás, na boa companhia de Kafka, Ibsen, Joyce e Nabokov).
Os autores e autoras destes 27 livros são de 13 países: Suíça, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Brasil, Noruega, Argentina, Cuba, Uruguai, Peru e Bielorrúsia. Em 2018 li menos do que gostaria, e poucas mulheres, mas pude conhecer nomes relevantes, como tinha me proposto. Aceito dicas para aumentar o repertório de visões literárias femininas. Os temas e formatos variaram. De reflexões filosóficas sobre a vida amorosa a narrativas sobre a ditadura brasileira, passando por autobiografias, romances policiais e históricos, jornalismo e contos. Veja a lista e, em seguida, conheça os três agraciados:
- The Course of Love, Alain de Botton
- Amiga de juventude, Alice Munro
- O poder do agora, Eckhart Tolle
- O ministério do medo, Graham Greene
- Tiros na noite, Dashiell Hammett
- Kafka à beira-mar, Haruki Murakami
- A noite da espera (o lugar mais sombrio), Milton Hatoum
- O fim do Terceiro Reich, Ian Kershaw
- Midnight Sun, Jo Nesbo
- O livro de Jô, volume 1, Jô Soares
- As armas secretas, Julio Cortázar (releitura)
- Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
- Noturnos, Kazuo Ishiguro
- A brincadeira favorita, Leonard Cohen
- Hereges, Leonardo Padura
- Máscaras (Verão), Leonardo Padura
- A neblina do passado, Leonardo Padura
- Paisagem de outono, Leonardo Padura
- Uma janela em Copacabana, Luiz Alfredo Garcia-Roza
- A borra do café, Mario Benedetti
- A festa do bode, Mario Vargas Llosa
- Tudo que é belo, The Moth (org.)
- Vida querida, Alice Munro
- In The Country of Last Things, Paul Auster
- Invisível, Paul Auster
- O rio inferior, Paul Theroux
- Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch
Todos os finalistas do DVeras Awards 2018 mereciam o prêmio máximo, por seus diferentes méritos. Mas escolhas precisavam ser feitas. O resultado:
Menção honrosa – Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
Inquietante, distópico, perturbador, agridoce. Estritamente falando, daria para classificar como ficção científica, embora destoasse numa prateleira do gênero. A narrativa acompanha um grupo de colegas em um colégio interno no Reino Unido que aos poucos vão descobrindo o segredo por trás de suas origens e destinos. E mais não conto, pra não dar spoiler. A história virou um filme, que ainda não vi.
Bronze – Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch
Relato jornalístico construído a partir de entrevistas com sobreviventes da tragédia nuclear de 1986, em que eles contam suas lembranças e sensações na primeira pessoa. Confesso que levei muito tempo pra terminar – a leitura tem forte carga emocional, o que às vezes me fazia “pedir” pausas. A autora é a única jornalista até hoje premiada com o Nobel. Esta obra tem grande valor histórico e merece ser mais conhecida.
Prata – Vida querida, Alice Munro
A escritora canadense mostra que domina como poucos as artes desse ofício dificílimo que é escrever contos: graça de contar, repertório, “timing”, poder de síntese. O encadeamento narrativo desperta empatia com os personagens (gente “comum”) e vai nos conduzindo com leveza até o desfecho. Que raramente é “extraordinário” como as fórmulas gastas de reversão de expectativas, mas traz algo parecido a uma pequena epifania. Bela escritora, quero conhecer melhor.
Ouro – A borra do café, Mario Benedetti
O que dizer sobre esse autor uruguaio de incrível talento e sensibilidade, morto em 2009? A borra do café reforçou minha impressão que ele é um dos grandes. Nesta novela, Benedetti revisita com nostalgia sua infância e adolescência na Montevidéu do início do século 20, pelos olhos do protagonista Claudio. Sua família, amigos do bairro, iniciação sexual, dilemas de trabalho e carreira. E uma misteriosa mulher que aparece em uma figueira e depois retorna outras vezes, sempre no mesmo horário, às 3 e 10. A história despretensiosa esconde um sofisticado recurso narrativo, uma tensão que vai ganhando velocidade e nos faz decolar até o desfecho inesperado. Taí um livro que eu gostaria de ter escrito!
Espero que vocês apreciem essas sugestões de leitura. Recomendo também Kafka à beira-mar, de Murakami (uma espécie de realismo fantástico japonês), A festa do bode, de Vargas Llosa (relato romanceado do último dia de vida do ditador dominicano Trujillo, baseado em muita pesquisa histórica), e O poder do agora, de Eckart Tolle (traz tantos insights bacanas que seria injusto desprezar apressadamente como “auto-ajuda”). Ah, um senão: achei O ministério do medo bem fraco, Graham Greene tem outros melhores.
28
Sep18
Sepultura de palavras
Estive ontem na Fundação Badesc no lançamento de um livro-reportagem extraordinário – e não uso essa palavra em vão. Durante três meses a jornalista catarinense Luara Wandelli Loth percorreu o estado de Guerrero, no sudoeste do México, para conhecer os bastidores do sequestro e desaparecimento de 43 estudantes normalistas de uma escola rural, em 2014. Eles iam a uma manifestação política quando foram abordados pela polícia e não foram mais vistos.
Com poucos recursos e sem contatos locais, ela se hospedou com familiares dos rapazes – uma das suas anfitriãs perdeu três filhos e um genro – e acompanhou a dolorosa busca comunitária pelos corpos em covas clandestinas. O resultado é “Sepultura de palavras para os desaparecidos” (Insular, 2018, 223 p.). A busca coletiva pela justiça e pela memória, sem data pra terminar, é apresentada no contexto da violência do Estado e do narcotráfico contra as populações empobrecidas. Preenche vazios e busca sentidos.
Formada em jornalismo pela UFSC em 2017, Luara honra a nossa profissão com seu trabalho. É preciso ter muita coragem e uma boa dose de loucura utópica para se lançar num desafio assim, em um país onde a vida dos profissionais de imprensa vale tão pouco. Já no começo da leitura, fica evidente que ela domina a arte da narrativa e tem o que dizer. Mais que uma aula de reportagem, o livro é um registro histórico que faz pontes com nossa realidade brasileira e a de tantos outros lugares onde os direitos humanos estão ameaçados. Uma obra necessária, produzida com consciência política, talento e amor.
Depois da leitura completa eu comento mais.
p.s.: Influência genética, ambiental ou ambos? O fato é que Luara é filha dos jornalistas Raquel Wandelli e Moacir Loth, fontes de inspiração pra mim e pra muitos colegas. Foi um prazer abraçar os três no lançamento do livro.
28
Aug16
Lembranças de um ex-repórter de polícia
Entrei na reportagem pela editoria de polícia, como tantos focas. Melhor lugar pra aprender a escrever sem firulas, direto ao ponto, com verbos de ação. Cavalo invade delegacia. Acusado de furto faz declaração de amor. Eram tempos mais tranquilos, em que homicídio sempre dava capa – só uns 20 por ano na província, na década de 80.
De vez em quando a calmaria era quebrada. Durante o sequestro dos filhos dos Brandalise em Videira, participei de uma megacobertura de O Estado, acompanhando a parte final: o tiroteio em um prédio de Balneário Camboriú. Baita equipe. Entrei no hospital e entrevistei o sequestrador, ferido e algemado a uma maca.
Meus editores foram o Carlão Paniz e o Paulo Goeth. A eles, e ao então secretário de redação (ou algo assim) Ademar Vargas de Freitas, devo muitas canetadas pedagógicas no meu texto, naquelas laudas de 20 linhas de 70 toques, hoje artigos de museu. Assim como o moderníssimo telex, com aquela fitinha perfurada que trazia os despachos das agências de notícias.
A redação era enfumaçada e barulhenta, com todas as Remington matraqueando na hora do fechamento, as entrevistas por telefone, a rádio-escuta, fotógrafos escolhendo material, editores conversando com diagramadores, piadas e risadas. Dava pra sentir a pulsão no ar: aquelas pessoas encarnavam a confissão de García Márquez de que o “jornalismo é a melhor profissão do mundo”. Fiquei dois anos cobrindo polícia, depois passei pra geral.
#jornalismo30anos
24
Aug16
Sugestão de uso para dicionários
Na revisão de O Estado a gente jogava o significado das palavras apostando cerveja. Que era paga no mesmo dia, no boteco dos fundos da redação. #jornalismo30anos
24
Aug16
Barquinho
Meu primeiro texto publicado em jornal, que eu me lembre, foi no Estadinho, suplemento infantil de O Estado que era editado pelo talentoso Fabinho Brüggemann. História sobre um menino que gostava de tomar banho de chuva e soltava barquinhos de papel com meleca na correnteza da rua. Meio autobiográfica, tirando a meleca. O Estadinho foi o melhor suplemento infantil que já li. Imaginativo, engraçado, poético, nunca subestimava a inteligência das crianças. E saía em cores, com belas ilustrações.
#jornalismo30anos
24
Aug16
30 anos de jornalismo
No dia 22 de agosto completei 30 anos de exercício do jornalismo. Começo a contar da minha contratação com carteira assinada como revisor de O Estado, em Floripa. Muitas histórias, pessoas, viagens e aprendizados.
08
Feb15
Lendo: Meus desacontecimentos
“Desde pequena eu tenho muita raiva – e quase nenhuma resignação. A reportagem me deu a chance de causar incêndios sem fogo e espernear contra as injustiças do mundo sem ir para a cadeia. Escrevo para não morrer, mas escrevo também para não matar.
Ouvi de alguns chefes que a indignação faz mal para o exercício do jornalismo, que bom jornalista não tem causa. Discordo. Indignação só não faz bem para quem tem como única causa a do patrão.”
(…)
“Meu pai pouco falava comigo pela boca, mas dizia muito com os olhos. Nas andanças pelo Brasil que, muito mais tarde, eu faria como repórter, escutei de homens e mulheres das mais variadas geografias uma expressão que revela a finura da linguagem do povo brasileiro: “Sou cego das letras”. Era como expressavam, em voz sentida, sua condição de analfabeto. Luzia, com esse nome tão profético, arrancou meu pai da cegueira das letras. E, com ele, todas as gerações que vieram depois. E as que ainda virão. Era isso que,ano após ano, ele agradecia à beira do túmulo de Luzia. E eu escutava, com os olhos”.
~
Eliane Brum, uma das melhores repórteres do Brasil e escritora talentosa, em “Meus desacontecimentos – a história da minha vida com as palavras”
29
Jan15
Sobre reescrever: um bate-papo no Facebook
Já são 28 anos de profissão e alguns ensinamentos básicos não mudam. Na vasta maioria das situações, reescrever melhora o texto. As exceções são reservadas aos gênios.
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Confissão: quando reescrevo, às vezes mudo a fonte e o corpo do texto, pra dar a mim mesmo a impressão que é um outro. Truque bobo, mas legal. ”O outro” pode ser um outro texto ou um outro cara escrevendo. O que, no fundo, é o que ocorre. Depois que reescrevo um texto ruim, já não sou o mesmo. Ou, pra citar o Zé Dassilva, já não estou como cheguei.
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“Otto Lara Resende dizia que publicava livros pra se livrar deles”, lembra o Zé. A Fernanda Zacchi conta que Hemingway nunca amassava as folhas de rascunho, deixava que caíssem suavemente na lixeira, pois se ele mesmo não tivesse um mínimo de respeito pelo que escrevia, ninguém teria.
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Bukowski, entrevistado sobre o ato de escrever:
- Por que você escreve?
- Escrevo para ter uma função. Sem isso cairei doente e morrerei. É tanto parte de alguém como o fígado ou o intestino, e quase tão glamoroso quanto.
- A dor cria um escritor?
- A dor não cria nada, assim como a pobreza. O artista está lá primeiro. O que será dele está diretamente ligado à sorte. Se sua sorte é boa (falando literalmente), ele se torna um mau artista. Se sua sorte é ruim, ele se torna um dos bons. Em relação à substância envolvida.
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“Neruda simplifica”, cita o mano Camillo Veras: “Escrever é fácil. Você começa com letra maiúscula e termina com um ponto No meio você põe as ideias”. Provavelmente Bukoswki tinha tomado váaarias quando deu o depoimento, comenta a Nilva Bianco. Imagino que o Neruda falou essa tomando várias também. No barco-bar do jardim da casa dele em Isla Negra. Camillo completa: “Pra ser poeta e frasista e preciso tomar umas. Se não um bom vinho chileno, pelo menos uma boa cachaça cearense”.
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Reescrever demanda desapego pra render bem. Não me refiro só ao desafio de cortar. Também é duro se livrar das estruturas mentais que moldaram o texto original, testar outras aberturas, outros finais, mover blocos de frases ou parágrafos. O computador é uma mão na roda pra isso. Nenhuma saudade da máquina de catar milho.
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“E quem foi que falou que não existe texto pronto, existem textos abandonados? Lembro como de Gabriel Garcia Marquez”, diz o Rogério Mosimann.