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Dec18
DVeras Awards de Literatura 2018
Mais uma vez você não pediu, mas aqui estamos com o DVeras Awards 2018 de Literatura. Este é um concurso hedonista: participam todos os livros que li sem nenhuma obrigação, só por prazer, entre janeiro e dezembro deste ano. Ficam de fora as obras técnicas e de referência, as lidas por motivos profissionais específicos e as não concluídas até 31 de dezembro. As decisões da comissão julgadora – eu mesmo – são irrecorríveis.
Este ano a seleção dos melhores foi dificílima pela alta qualidade dos competidores, nada menos que quatro prêmios Nobel – Mario Vargas Llosa (2010), Alice Munro (2013), Svetlana Alexievitch (2015) e Kazuo Ishiguro (2017), sem falar nos quase premiados Graham Greene e Haruki Murakami, e no genial Julio Cortázar, um gigante literário ignorado pela academia sueca (aliás, na boa companhia de Kafka, Ibsen, Joyce e Nabokov).
Os autores e autoras destes 27 livros são de 13 países: Suíça, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Brasil, Noruega, Argentina, Cuba, Uruguai, Peru e Bielorrúsia. Em 2018 li menos do que gostaria, e poucas mulheres, mas pude conhecer nomes relevantes, como tinha me proposto. Aceito dicas para aumentar o repertório de visões literárias femininas. Os temas e formatos variaram. De reflexões filosóficas sobre a vida amorosa a narrativas sobre a ditadura brasileira, passando por autobiografias, romances policiais e históricos, jornalismo e contos. Veja a lista e, em seguida, conheça os três agraciados:
- The Course of Love, Alain de Botton
- Amiga de juventude, Alice Munro
- O poder do agora, Eckhart Tolle
- O ministério do medo, Graham Greene
- Tiros na noite, Dashiell Hammett
- Kafka à beira-mar, Haruki Murakami
- A noite da espera (o lugar mais sombrio), Milton Hatoum
- O fim do Terceiro Reich, Ian Kershaw
- Midnight Sun, Jo Nesbo
- O livro de Jô, volume 1, Jô Soares
- As armas secretas, Julio Cortázar (releitura)
- Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
- Noturnos, Kazuo Ishiguro
- A brincadeira favorita, Leonard Cohen
- Hereges, Leonardo Padura
- Máscaras (Verão), Leonardo Padura
- A neblina do passado, Leonardo Padura
- Paisagem de outono, Leonardo Padura
- Uma janela em Copacabana, Luiz Alfredo Garcia-Roza
- A borra do café, Mario Benedetti
- A festa do bode, Mario Vargas Llosa
- Tudo que é belo, The Moth (org.)
- Vida querida, Alice Munro
- In The Country of Last Things, Paul Auster
- Invisível, Paul Auster
- O rio inferior, Paul Theroux
- Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch
Todos os finalistas do DVeras Awards 2018 mereciam o prêmio máximo, por seus diferentes méritos. Mas escolhas precisavam ser feitas. O resultado:
Menção honrosa – Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
Inquietante, distópico, perturbador, agridoce. Estritamente falando, daria para classificar como ficção científica, embora destoasse numa prateleira do gênero. A narrativa acompanha um grupo de colegas em um colégio interno no Reino Unido que aos poucos vão descobrindo o segredo por trás de suas origens e destinos. E mais não conto, pra não dar spoiler. A história virou um filme, que ainda não vi.
Bronze – Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch
Relato jornalístico construído a partir de entrevistas com sobreviventes da tragédia nuclear de 1986, em que eles contam suas lembranças e sensações na primeira pessoa. Confesso que levei muito tempo pra terminar – a leitura tem forte carga emocional, o que às vezes me fazia “pedir” pausas. A autora é a única jornalista até hoje premiada com o Nobel. Esta obra tem grande valor histórico e merece ser mais conhecida.
Prata – Vida querida, Alice Munro
A escritora canadense mostra que domina como poucos as artes desse ofício dificílimo que é escrever contos: graça de contar, repertório, “timing”, poder de síntese. O encadeamento narrativo desperta empatia com os personagens (gente “comum”) e vai nos conduzindo com leveza até o desfecho. Que raramente é “extraordinário” como as fórmulas gastas de reversão de expectativas, mas traz algo parecido a uma pequena epifania. Bela escritora, quero conhecer melhor.
Ouro – A borra do café, Mario Benedetti
O que dizer sobre esse autor uruguaio de incrível talento e sensibilidade, morto em 2009? A borra do café reforçou minha impressão que ele é um dos grandes. Nesta novela, Benedetti revisita com nostalgia sua infância e adolescência na Montevidéu do início do século 20, pelos olhos do protagonista Claudio. Sua família, amigos do bairro, iniciação sexual, dilemas de trabalho e carreira. E uma misteriosa mulher que aparece em uma figueira e depois retorna outras vezes, sempre no mesmo horário, às 3 e 10. A história despretensiosa esconde um sofisticado recurso narrativo, uma tensão que vai ganhando velocidade e nos faz decolar até o desfecho inesperado. Taí um livro que eu gostaria de ter escrito!
Espero que vocês apreciem essas sugestões de leitura. Recomendo também Kafka à beira-mar, de Murakami (uma espécie de realismo fantástico japonês), A festa do bode, de Vargas Llosa (relato romanceado do último dia de vida do ditador dominicano Trujillo, baseado em muita pesquisa histórica), e O poder do agora, de Eckart Tolle (traz tantos insights bacanas que seria injusto desprezar apressadamente como “auto-ajuda”). Ah, um senão: achei O ministério do medo bem fraco, Graham Greene tem outros melhores.
Dauro, sugestão de uma escritora: Rebecca Solnit. Ela escreve uns livros de não-ficção cujos temas principais são viagens, caminhadas, peregrinações, explorações. Ao redor desse eixo ela vai inserindo reflexões sobre política, filosofia, história, memórias pessoais. É uma ensaísta de mão cheia. Gosto muito desse tipo de texto e desconfio que tu podes vir a gostar também. Só não sei se os livros dela foram traduzidos no Brasil. Ah, se quiseres um aperitivo, tem vários textos dela publicados no The Guardian, mas lá ela só faz comentários sobre política: https://www.theguardian.com/profile/rebeccasolnit. De todo modo, dá de conheceres algo sobre ela. (Tem também a Patti Smith, mas essa eu já te recomendei antes, certo?)