09
Jun22
Meu amigo Frank Maia
Frank gostava de contar que, da primeira vez que me conheceu, me achou chato. Era uma assembleia de estudantes do jornalismo da UFSC e eu tinha falado sobre o processo democrático de uma votação qualquer, uma bobagem de que nenhum de nós lembrava mais. Passada ou confirmada a primeira impressão, viramos amigos-irmãos. Daquelas amizades que se faz aos vinte anos e se transformam nos grandes tesouros da vida.
Sempre tínhamos alguma coisa a mais pra contar. Um comentário de filme, uma pessoa ou lugar que um queria apresentar ao outro, um relato de viagem. Um combinado de festa, um trabalho, uma música ou emoção ou receita que era urgente compartilhar. Carnavais. Nascimentos dos filhos, aniversários de criança, muito balão soprado. Trilhas, violão, praia e montanha, papos na calçada sobre política e amor. Telefonemas às duas da madrugada pra falar de tudo e nada, visitas inesperadas, desabafos. Momentos em que ficávamos meio de saco cheio, aí passávamos meses sem nos ver. Nos últimos anos, mensagens quase diárias no zap, que dispensavam bom dia e outras amenidades, pois faziam parte da mesma e interminável conversa.
Parecia permanente a presença dele, mas chegou ao fim neste 5 de junho de 2022, quando o coração e outros órgãos do meu brother não resistiram mais à luta. Desde então, tenho vivido dias de perplexidade, ainda tentando me acostumar com o silêncio. Li homenagens que os amigos e conhecidos estão escrevendo sobre o Frank. Em todas, a mesma essência verdadeira: era um cara talentoso, generoso, leve, despojado das coisas materiais, apaixonado pela vida. Tinha uma habilidade magnética de transformar qualquer ambiente onde chegava. Ele sabia tratar desconhecidos como se fossem velhos amigos. Nisso se parecia muito com meu pai, João Camillo e com meu irmão Camillo; Frank conviveu com ambos, e agora os três estão na mesma poeira cósmica.
Expansivo e bem humorado, Frank tinha também consciência social avançada. Seu antifascismo era uma marca constante no trabalho, mas as charges dele vão além, contam muito das miudezas e absurdos cotidianos que dão tempero à vida. As véias, por exemplo, são personagens icônicos do Frank. Guardo com carinho a minha caneca “Café não custuma faiá”. Sempre fui admirador do seu talento pra fazer o público rir todos os dias, usando uma das formas de expressão mais difíceis do jornalismo. Suas charges ácidas, com influência confessa de três feras sagradas – Henfil, Angeli e Laerte -, são hoje documentos do nosso tempo.
Guardo a imagem do Frank como um cara que amava a vida e se jogava no amor. Que gostava de beijar, dançar e ouvir música, ler livro bom, desenhar (sempre), estar com as filhas e filho e neto, dar risada rodeado de gente boa. Meu amigo tirou a sorte grande ao encontrar sua companheira Patrícia Bolsoni, por quem se apaixonou num nível ultra power. Que lindo casal com as quatro meninas, duas filhas de cada um. “Tu és bendito entre as mulheres”, eu dizia pra ele. Assim foi.
Pra quem teve a puta sorte de conviver com o Frank Maia, fica a sensação de que o cabra tirou o time cedo demais, mas queimou com intensidade. Perdi um confidente, e nossa conversa de 36 anos fica agora guardada na memória do afeto. Que bom que a memória do afeto é também coletiva, é nas coisas que se lembra junto. E nela o Frank vai continuar com a gente, em muitos tributos que virão. Com música, natureza, comida gostosa, amizade e risadas, do jeito que ele gostaria.
Na última vez em que conversamos, passei a noite ao seu lado no hospital e, na saída, perguntei se tinha algum recado pro mundo. Ele me respondeu: “Diga que tou vivo pra cachorro!” Então, se ele tá dizendo, que seja. Camarada Frank, presente!