24
Sep24
Chá de Bolda
Um lançamento muito especial: “Chá de Bolda”, com crônicas hilárias do amigo Valério Bolda. Cometi a revisão. O livro seria ilustrado pelo saudoso Frank Maia, que me apresentou o autor, mas não deu tempo. Ilustrações de Galvão Bertazzi. Dia 11/10 às 18h no Boteco Zé Mané, em Coqueiros, Floripa.
Nas crônicas, que ajudei a selecionar entre seus escritos no Facebook, Bolda navega com elegância e humor natos entre temas cotidianos, passando por histórias de seus pais a causos da adolescência no Estreito, comentários políticos e viagens pelo Cone Sul com a companheira. Ouro puro.
Amigas e amigos do Frank Maia, não deixem de comprar. O livro só saiu por causa da insistência dele com o Bolda, que em sua imensa modéstia, achava as crônicas um monte de bobagens. No último texto, que me fez chorar, ele conta sobre o único encontro que tiveram, num bar em Santo Antônio de Lisboa.
19
Sep24
Pour un féminisme décentré
Acaba de chegar a edição quentinha de “Pour um féminisme décentré: recadrer, resistir” (Por um feminismo descentrado: recontextualizar, resistir), da filósofa tunisiana Soumaya Mestiri. A capa é uma foto minha do mural Pacha Mama, em Bariloche, que também tá aqui no meu perfil.
Da contracapa:
Soumaya Mestiri é professora de filosofia política e social na Universidade de Túnis. Seus trabalhos abordam o liberalismo e as teorias da justiça, assim como as questões de gênero aplicadas ao prisma pós-colonial e decolonial.
Encontrei uma palestra dela no youtube, no canal da Fundação Rosa Luxemburgo de Cooperação Acadêmica.
Mais sobre ela na Wikipedia: Soumaya Mestiri (1976) explora temas relacionados ao feminismo e à relação entre sociedades ocidentais e islâmicas. Seu trabalho recente examina questões sobre democracia no mundo árabe e debates como o uso de burkínis na França.
Fotografei o mural Pacha Mama em 2011, em Bariloche. E até há pouco, não sabia os nomes dos artistas: Horacio Ferrari, Andreina Poli, Agustin Giovaninni e Lau Nitzsche. Todos autorizaram a publicação. O livro saiu por Le Cavalier Bleu, editora feminista de Paris.
Cedi a foto sem custos, com licença Creative Commons. E a editora Anne-Laure Marsaleix gentilmente me enviou três exemplares. Um deles vai me ajudar a desenferrujar o francês. Os outros dois vão pra Biblioteca Universitária e pro Instituto de Estudos de Gênero da UFSC.
13
Apr24
Novos desafios
Outra croniqueta que publiquei na Fired, a revista do desempregado moderno. A inspiração foi um esquete do Porta dos Fundos.
Novos desafios
Chegou na firma e recebeu a boa notícia do chefe: iria ganhar uma oportunidade única de enfrentar novos desafios. Mais detalhes no RH. Munido de carteira de trabalho, essa herança anacrônica da era Vargas, logo soube dos detalhes. Fora promovido a consultor externo, um cargo de alta relevância e autonomia, vinculado apenas informalmente à estrutura organizacional, para não tolher sua liberdade criativa. Em sintonia com as diretrizes modernizadoras da reforma trabalhista, precisaria rescindir o contrato de trabalho e se tornar microempreendedor para continuar prestando seus inestimáveis serviços. Assumiria, naturalmente, os custos de água, energia, internet e cafezinho do home-office, mas com toda a liberdade para escolher os fornecedores e marcas que melhor lhe aprouvessem. Afinal, paternalismo não ajuda nada a estimular o desenvolvimento profissional em um ambiente de livre mercado, e você prefere tomar arábica, não é mesmo? Outra vantagem imensurável: total controle sobre a temperatura do ambiente laboral, um grande passo na conquista da autonomia do eu.
Foi à luta. Comprou pijama novo em dez vezes, contratou contador, conseguiu CNPJ e começou a trabalhar em casa. Em pouco tempo percebeu como expandia os horizontes. Aprendeu a usar os recursos de maneira parcimoniosa e sustentável, para não aumentar a pegada ecológica. Descobriu como alongar o endividamento, como vender almoço para comprar janta. Hoje ele é o feliz CEO de uma empresa enxuta e versátil do ramo de serviços aleatórios. Para maximizar os resultados, acumula responsabilidades: é gestor da prospecção de partículas invisíveis (varre a casa); líder do board de aquisições (faz a feira); manager de recursos animais (cuida dos cachorros), barista (passa o café); alquimista com especialização em sódio (faz a comida); supervisor do fluxo de informações (pesquisa no Google, atende o telefone, recebe o carteiro). Ainda arruma tempo para fazer ginástica laboral (lava o banheiro), cultivar a network (Facebook, Whatsapp) e prestar trabalho voluntário em ações ambientais (separa o lixo e leva pra calçada). É verdade que sua empresa tem enfrentado dificuldades no fluxo de caixa, mas já disponibilizou aos credores um powerpoint com o diagnóstico tranquilizador: é só uma crise passageira nos mercados emergentes, coisas do mundo competitivo e globalizado. Nada que abale sua crença indestrutível no poder da vontade.
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13
Apr24
Hora de expediente
Uma crônica minha publicada em maio de 2015 na Fired, a revista do desempregado moderno.
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Hora de expediente
No intervalo do cafezinho, o chefe colocou a mão em seu ombro:
— Odair?
— Pois não, doutor Osvaldo?
— Quando terminar aí, dê uma passadinha na minha sala.
Uma hora depois, caminhava sem rumo pelas ruas do centro, o nó frouxo da gravata, a cópia do bilhete azul em uma das mãos, a pasta com documentos inúteis na outra. Na cabeça, alternava o mantra de um xingamento à genitora do doutor Osvaldo com a dúvida obsessiva: como eu vou contar pra Marlinda?
Tudo caminhava tão bem. Recém-casados, tinham acabado de comprar a tevê de tela plana em doze vezes, o carrinho japonês em quarenta e oito prestações, o guarda-roupas nas Casas Bahia, primeiro pagamento só depois do Carnaval.
Encheu a caveira no boteco e chegou em casa depois da novela. Marlinda o esperava na cama, de baby-doll transparente, segurando aquele vibrador duplo que compraram pela internet — seis vezes sem juros —, mas ele desmaiou ao lado dela para uma noite de sonhos inquietos.
Na manhã seguinte, acordou se sentindo um inseto de ressaca, barbeou-se, vestiu o terno cinza, beijou a mulher sonolenta e saiu. Na padaria, café com pão puro.
— Sem margarina é mais barato que sem manteiga — brincou com a balconista, pela força de hábito.
O que fazer? Enquanto pesava as alternativas, melhor não contar nada à mulher. Chegar em casa com um problema, em vez de uma solução? Para todos os efeitos, continuava empregado com carteira assinada. Como fora dispensado do aviso prévio, teria de arrumar o que fazer durante o dia, enquanto fingia que trabalhava. Menos mal que o Fundo de Garantia daria para os próximos dois ou três meses. Morrer de fome não morreriam, pois tinham o salário de Marlinda como operadora de telemarketing. Precisariam fazer alguns sacrifícios, claro, mas com um pouco de disciplina orçamentária, talvez nem fosse preciso devolver o vibrador.
Chegou à praça e se sentiu um pouco melhor. Ali seria o “escritório” ideal durante o horário do expediente. Sentou-se num banquinho, ao lado de uma pessoa que lia um jornal. Aquela mulher não lhe era estranha. Olhou por cima do jornal e tomou um susto:
— Linda?!
— Dodó?!
— Você não devia tar no trabalho?
— Benhê… Preciso estar lhe contando uma coisa…Perdi o emprego. Faz uma semana que venho aqui toda manhã matar o tempo e olhar os classificados.
— É mesmo? Eu também. Hoje é meu primeiro dia.
Caíram juntos na risada, se abraçaram e voltaram de mãos dadas para casa, onde curtiram uma sessão de sexo selvagem. No dia seguinte, Odair e Marlinda acordaram perto do meio-dia, vestiram as roupas de banho, colocaram o frescobol na sacola e foram à praia. Viveriam de amor.
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