24
Dec12
DVeras Awards 2012: livros
Poucas e boas leituras em 2012. Vamos à retrospectiva. Em janeiro, ainda sob efeito estupefaciante de uma viagem ao sul da Argentina, devorei Fin de novela en Patagônia, de Mempo Giardinelli, de quem eu já conhecia Revolução de bicicleta e Luna caliente. Fevereiro me encontrou às voltas com Sir Richard Francis Burton, de Edward Rice, biografia do explorador, escritor e agente secreto britânico que, entre outras façanhas, foi o primeiro ocidental a fazer a peregrinação a Meca, traduziu Mil e Uma Noites e o Kama-Sutra. Em março, li o excelente livreto Wabi-sabi for Artists, Designers, Poets & Philosophers (Leonard Koren), emprestado pelo Fabrício Boppré e inspiração estética pro design deste blog. O caderno de Maya (Isabel Allende) está longe de ser o melhor da escritora chilena, mas gostei porque se passa na Ilha de Chiloé, que visitamos alguns meses antes. Junho foi um mês de dois tesouros: Coisas frágeis, ótimo livro de contos fantásticos de Neil Gaiman, e o clássico Walden, do “avô” dos ambientalistas, H.D. Thoreau.
O segundo semestre começou com o excelente A elegância do ouriço, da francesa Muriel Barbery, sobre uma culta zeladora de um prédio de classe alta em Paris, que se passa por ignorante, e seu relacionamento com uma menina que planeja se suicidar. Virou filme, que ainda não vi. Seguiram-se quatro romances policiais de Jo Nesbø e seu detetive Harry Hole – uma grata surpresa neste gênero, vinda da Noruega (dica da Regininha Carvalho e dos meus amigos noruegueses). Um livro visceral foi Gomorra, reportagem que colocou o jornalista italiano Roberto Saviano na lista dos jurados de morte da Camorra (merci Michel et Cecilia). Gostei muito de La suma de los dias, memórias de Isabel Allende. Uma das melhores surpresas literárias do ano para mim foi Barba ensopada de sangue, de Daniel Galera, romance ao mesmo tempo intimista e com pitadas de suspense (dica do Chico Faganello). Dele eu já tinha lido o ótimo Mãos de cavalo. Este novo romance reforçou minha impressão de que estamos diante de um grande talento e que ainda vamos ouvir falar muito dele.
Meus hábitos anárquicos e o pique de trabalho me impediram de ler vários livros de amigos, que estão na fila. Pelo que conheço do que escrevem, vão me dar bastante prazer. Comecei e deixei inacabados outros tantos: Hunger (Knut Hamsum), Autobiografia (Agatha Christie), A espuma dos dias (Boris Vian) e A marcha para o Oeste (Orlando Villas Bôas e Cláudio Villas Bôas). No momento, tenho nas mãos o saboroso Vida de Escritor, autobiografia de Gay Talese, um dos pais do new journalism americano. Que em 2013 eu tenha tempo, sorte e disciplina pra lê-los todos.
Mas vamos ao premiado. O ganhador do DVeras Awards 2012 na categoria livros é… Walden, de H.D. Thoreau, que sublinhei com deleite durante toda a leitura. Mesmo reconhecendo que o livro tem alguns trechos chatos, com excesso descritivo, recomendo pela profundidade e originalidade das ideias. É uma daquelas obras que deixam marcas no leitor que busca algo além do senso comum da existência. Em segundo lugar, Sir Richard Francis Burton, pela construção primorosa da biografia desse personagem extraordinário. E em terceiro, Barba ensopada de sangue, um romance com linguagem ágil, especialmente nos diálogos, que flui como as ondas do mar de Garopaba, onde se passa a história.
20
Dec12
Entrevista com Anwar Ibrahim, líder da oposição malaia
No 12º e último episódio da série, Julian Assange conversa via videolink com Anwar Ibrahim, o mais proeminente e provocador líder da oposição na Malásia.
Em busca de ideias poderosas que podem transformar o mundo, o fundador do WikiLeaks se depara com um caso que guarda semelhanças com a sua própria trajetória.
Após ter sido vice primeiro-ministro da Malásia na década de 90, Anwar Ibrahim foi expulso da política e preso por acusações de corrupção e crimes sexuais – no caso, sodomia, considerada ilegal no país asiático. Após seis anos no cárcere, ele foi inocentado das acusações. Mas, em 2008, teve que enfrentar novas acusações por crimes sexuais e encarar uma batalha legal de quatro anos. Só foi inocentado em janeiro de 2012.
Para ele, seu país é ainda menos democrático do que o vizinho Burma. Ele descreve democracia como “um judiciário independente, uma mídia livre e uma política econômica que pode promover crescimento e a economia de mercado”. Com essa plataforma, seu partido está ganhando mais apoio da população, chegando a ser uma ameaça ao atual governo nas próximas eleições gerais de 2013.
Agora, Ibrahim é acusado de ter participado em uma marcha por reformas eleitorais – reuniões não autorizadas também são consideradas crime – o que pode comprometer suas ambições eleitorais. Mas, durante a entrevista, ele se mostra otimista quando relembra a última campanha, em 2008. “Ganhamos 10 dos 11 mandatos parlamentares, então acredito que estamos maduros para um tipo de Primavera Malaia através do processo eleitoral”, diz.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a última de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
Republicadores da série O Mundo Amanhã:
Anonymous Brasil * Agora Sustentabilidade * Baixa Cultura * Blog Brasil Acadêmico * Coletivo Catarse * Coletivo Digital * Desculpe a Nossa Falha * Diário de S. Paulo * DVeras em Rede * EBC* Estadão Online * Estado de Minas * Felipe Cabral * Jornal Informação * Jornal Mercadão *Nota de Rodapé * Opera Mundi * Papo de Homem * Portal Administradores * Portal Desacato *Revista Babel * Revista Fórum * Revista Samuel * Revista Sina * TV Unochapecó * TVT *Yahoo Brasil
12
Dec12
Entrevista: Noam Chomsky e Tariq Ali
Assange recebe Noam Chomsky e Tariq Ali para conversar sobre as mudanças políticas recentes ao redor do globo. Os dois analisam: para onde será que o mundo caminha?
Ninguém poderia tê-las previsto. Mas ainda com o mundo sob o efeito das revoluções no Oriente Médio, Assange se reuniu com dois pensadores de peso para saber o que eles pensam sobre o futuro.
Noam Chomsky, renomado linguista e pensador rebelde, e Tariq Ali, romancista de revoluções e historiador militar, encontram na Primavera Árabe questões sobre a independência das nações, a crise da democracia, sistemas políticos eficientes (ou não) e a legião de jovens ativistas que tem se levantado para protestar no mundo todo. “A democracia é como uma concha vazia, e é isso que está revoltando a juventude, ela sente que faça o que fizer, vote em quem votar, nada vai mudar. Daí todos esses protestos”, explica Ali.
“O que temos na política ocidental não é a extrema esquerda e nem a extrema direita, mas um extremo centro”, continua ele. “E esse extremo centro engloba tanto a centro-direita quanto a centro-esquerda, que concordam em fundamentos: travando guerras no exterior, ocupando países e punindo os pobres, punindo por meio de medidas de austeridade. Não importa qual o partido no poder, seja nos Estados Unidos ou no mundo ocidental… “.
Segundo o próprio Ali, a grande crise da democracia está pulsando nas mãos das corporações. “Quando você tem dois países europeus, como a Grécia e a Itália, e os políticos abdicando e dizendo ‘deixem os banqueiros comandar’… Para onde isso está indo? O que nós estamos testemunhando é a democracia se tornando cada vez mais despida de conteúdo”, critica o ativista.
Mas após as revoluções, as conquistas vêm da construção de novos modelos políticos, inventados. Chomsky cita a Bolívia como exemplo. “Eu não acho que as potências populares preocupadas em mudar suas próprias sociedades deveriam procurar modelos. Deveriam criar os modelos”. Para ele, a chegada da população indígena ao poder político através da figura de Evo Morales está se replicando no Equador e no Peru. “É melhor o Ocidente captar rápido alguns aspectos desses modelos, ou então ele vai se acabar”, alerta Chomsky.
Por outro lado, está na mãos dos jovens perceber a necessidade de agir, segundo Tariq Ali. “Não desistam. Tenham esperança. Permaneçam céticos. Sejam críticos com o sistema que tem nos dominado. E mais cedo ou mais tarde, se não essa geração, então nas próximas, as coisas vão mudar”.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
05
Dec12
A guerra não declarada no Paquistão
No décimo episódio da série O Mundo Amanhã, Julian Assange encontra Imran Khan, candidato à presidência do Paquistão, para discutir o futuro de um dos países mais afetados pela Guerra ao Terror
Ao longo de 25 minutos, Julian Assange recebe Imran Khan, que nos anos 70 e 80 foi capitão do vitorioso time de críquete do Paquistão, para conversar sobre corrupção, Osama Bin Laden, soberania e bombas atômicas. Isso porque hoje Khan está na corrida para se tornar o próximo presidente do país nas eleições de 2013, liderando a oposição com o partido que criou, o Movimento para Justiça, que combate a corrupção no país.
O Paquistão tem uma dívida acumulada de 12 trilhões. “Metade do nosso PIB vai para o pagamento de dívidas, 600 bilhões vão para o exército e assim 180 milhões de pessoas têm 200 bilhões de rúpias para sobreviver. Então, claramente, o país está inviabilizado”, pndera o político. A crise é sentida na pele pela população: em áreas urbanas, não há eletricidade por até 15 horas durante o dia, e os apagões chegam a durar 18 horas nas áreas rurais.
Khan se tornou a principal voz crítica ao fazer denúncias sobre o governo do Paquistão, um dos países mais afetados pela Guerra ao Terror promovida pelos EUA. “Quarenta mil paquistaneses foram mortos em uma guerra com a qual não temos nada a ver. Basicamente, nosso próprio exército matando nosso povo e eles fazendo ataques suicidas a civis paquistaneses. O país já perdeu 70 bilhões de dólares nessa guerra. A ajuda humanitária total tem sido de menos de US$ 20 bilhões”, diz Khan.
Mas como Khan levaria a relação com os Estados Unidos caso fosse eleito? “Não deveria ser uma relação de cliente-patrão, e pior ainda, o Paquistão como pistoleiro contratado, sendo pago para matar inimigos da América. Nós somos um Estado independente e soberano e a relação com os EUA deve ser de dignidade e respeito mútuo, não mais uma relação de cliente-patrão”, diz. Resta saber se, caso ele vença, cumprirá suas palavras.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a décima de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
30
Nov12
Tela a presença
Compartilho o convite pro lançamento do livro do Lau Santos.
Sobre o autor:
29
Nov12
O Mundo Amanhã: a guerra virtual, parte 2
Na segunda parte do episódio com os Criptopunks, o debate é sobre a arquitetura da internet, a liberdade de expressão e as consequências da luta por novas políticas na web
Na luta pela liberdade na web, os Criptopunks lançam algumas luzes sobre a guerra virtual entre o compartilhamento livre e o roubo, o poder dos governos em intervir versus a liberdade de expressão – e as consequências dessa batalha.
“A arquitetura é a verdade. E isso vale para a internet em relação às comunicações. Os chamados ‘sistemas legais de interceptação’, que são só uma forma branda de dizer ‘espionar pessoas’. Certo?”, cutuca Jacob. “Você apenas coloca “legal” após qualquer coisa porque quem está fazendo é o Estado. Mas na verdade é a arquitetura do Estado que o permite fazer isso, no fim das contas. É a arquitetura das leis e a arquitetura da tecnologia assim como a arquitetura dos sistemas financeiros”.
O debate segue apoiado nas possíveis perspectivas para o futuro. Para os Criptopunks, as políticas devem se pautar na sociedade e nas mudanças que seguem com ela, não o contrário.
“Temos a impressão, com a batalha dos direitos autorais, de que os legisladores tentam fazer com que toda a sociedade mude para se adaptar ao esquema que é definido por Hollywood. Esta não é a forma de se fazer boas políticas. Uma boa política observa o mundo e se adapta a ele, de modo a corrigir o que é errado e permitir o que é bom”, diz Jeremie.
Mas a busca por novas políticas e uma nova arquitetura tem seu preço. Jacob, detido várias vezes em aeroportos americanos, conta: “Eles disseram que eu sei por que isso ocorre. Depende de quando, eles sempre me dão respostas diferentes. Mas geralmente dão uma resposta, que é a mesma em todas instâncias: ‘porque nós podemos’”.
E provoca: “A censura e vigilância não são problemas de ‘outros lugares’. As pessoas no Ocidente adoram falar sobre como iranianos e chineses e norte-coreanos precisam de anonimato, de liberdade, de todas essas coisas, mas nós não as temos aqui”.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a nona de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
26
Nov12
O jornalista em bodas, o usineiro e o crime organizado
Acordo hoje com um texto visceral do amigo Marques Casara, repórter raro, que me emocionou. Compartilho:
Hoje me dei conta que sou jornalista há 25 anos, mais da metade da minha vida.
Sempre achei que um dia alcançaria aquele estado de distanciamento profissional, tipo um médico acostumado a lidar com o sofrimento e que constrói um muro diante da morte, da dor, da miséria.
Um bloqueio emocional que me permitisse seguir em frente e dar o melhor de mim.
Até agora não pintou o lance, a hora em que eu finalmente assumiria aquele ar do cara que não se deixa afetar pelas tragédias do mundo, que faz o seu trabalho, que constrói o próprio futuro.
Um ser produtivo e inserido no mercado.
Um cara com casa na praia, com amigos de final de semana, uma mesa grande e um computador atualizado.
Com uma biblioteca e as obras primas universais.
A merda é que carrego a dor de gente que não conheço. (…)
21
Nov12
O Mundo Amanhã: a guerra virtual
Dividida em duas partes, a entrevista traz Assange reunido com seus companheiros Andy Muller Maguhn, Jeremie Zimmerman e Jacob Appelbaum, cyberativistas que lutam pela liberdade na internet.
“É só olhar o Google. O Google sabe, se você é um usuário padrão do Google, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, do que você pesquisa, potencialmente sua orientação sexual, sua religião e pensamento filosófico mais que sua mãe e talvez mais que você mesmo”, fala Jeremie.
No bate-papo, eles conversam sobre os desafios técnicos colocados pelo furto do governo a dados pessoais, a importância do ativismo na web e a democratização da tecnologia de criptografia.
“A força da autoridade é derivada da violência. As pessoas deveriam conhecer criptografia. Nenhuma quantidade de violência resolverá um problema matemático. E esta é a chave-mestra. Não significa que você não pode ser torturado, não significa que eles não podem tentar grampear sua casa ou te sabotar de alguma forma, mas se eles acharem alguma mensagem criptografada, não importa se eles têm força de autoridade. Por trás de tudo que eles fazem, eles não podem resolver um problema matemático”, sentencia Jacob.
Na entrevista, os criptopunks avisam: para se ter paz na internet, é preciso haver liberdade. Ou a guerra vai continuar.
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a oitava de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
21
Nov12
O Mundo Amanhã: ocupando as ruas
Na sétima entrevista da série, Julian Assange conversa com integrantes do movimento Occupy de Londres e Nova York sobre as origens, as propostas e os resultados das manifestações
Em busca de ideias que podem mudar o mundo, Julian Assange convocou alguns ativistas dos movimentos Occupy de Londres e Nova York para conversar sobre estratégias de mobilização, protestos que utilizam práticas de não-violência e o caso específico do Occupy, suas origens e rumos.
Em meados de 2011, uma organização canadense fez o seguinte desafio aos norte-americanos “Ocupem Wall Street em 17 de setembro. Tragam suas barracas”. Inspirados por movimentos como a Primavera Árabe e o 15M espanhol, centenas de pessoas ocuparam, num primeiro momento, uma praça no coração financeiro do EUA, em Wall Street. A Zucotti Park foi rebatizada de “Liberty Square”.
Auto-intitulado como um movimento de resistência sem líderes, o Occupy Wall Street (OWS) adotou e dependeu das ferramentas de comunicação online para coordenar suas ações. A intenção original do OWS, assim como do 15M, era diferente da Primavera Árabe: o que se propunha, inicialmente, era uma reflexão profunda sobre o sistema econômico e político. “Nós não só temos uma crise financeira global, mas temos uma crise política global porque nossas instituições não funcionam mais”, defende um dos participantes.
Sua principal estratégia foram as assembleias gerais para tomar decisões – nomes como Slavoj Zizek e Noam Chomsky participaram delas. Há quem acredite foi justamente isso que gerou uma violenta repressão policial em todo o mundo, quando o movimento se espalhou para mais de cem cidades. “Acho que por estar lá e exercer de forma direta o processo democrático, representávamos uma ameaça e a polícia teve que responder”, diz, na entrevista, um dos participantes do Occupy de Nova York.
Um ano depois, a pergunta segue sendo essencial: e agora?
Assista a entrevista a seguir, ou clique aqui para baixar o texto na íntegra.
Esta é a sétima de uma série de 12 entrevistas que o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, fez com líderes e pensadores contemporâneos. DVeras em Rede publica O Mundo Amanhã em parceria com a Agência Pública e o WikiLeaks.
20
Nov12
Dezoito dias no Irã
Os primos mineiros Ricardo Gomes e Renilza Violante estão no terço final de sua volta ao mundo de um ano, que começou em fevereiro. De ilhas desertas na Indonésia à estepe russa na ferrovia Transiberiana, estão vivendo uma experiência da qual ninguém retorna do jeito que entrou. Um dos países mais marcantes do percurso foi o Irã, onde foram muito bem recebidos. Veja as impressões deles e algumas fotos da estada em terras persas.
Quanto tempo vocês passaram no Irã e qual foi a rota?
Ricardo - Dezoito dias. Chegamos por terra, pela Turquia e da fronteira pegamos um táxi para Tabriz, no norte. Não gostamos muito e decidimos ir para uma cidade mais atraente em termos de turismo. Se continuássemos não gostando, iríamos embora. Era Shiraz, no sul, a 1300 km. De Shiraz subimos para Yazd, depois para Isfahan e depois para Tehran, de onde partimos para a Jordânia.
Como foram recebidos pelas pessoas?
Renilza - Melhor receptividade é impossível. Todas as pessoas nos perguntavam primeiro de onde éramos e depois (100%) nos diziam que éramos muito bem vindos. Perguntamos a uma guia se era sempre assim e ela nos disse que os iranianos gostam especialmente do Brasil por causa do futebol. Na verdade, graças ao futebol, tivemos uma recepção mais calorosa em todos países não ocidentais que visitamos. Mas no Irã é diferente. Eles não são exatamente calorosos. Eles são extremamente receptivos. O sentimento geral é que um turista é como um hóspede na casa de cada iraniano. Eles se sentem responsáveis pelos turistas como qualquer pessoa se sente por um hóspede.
Vocês podem descrever acontecimentos cotidianos que vão ficar marcados na memória?
Renilza - Da fronteira com a Turquia pegamos um taxi compartilhado até a primeira cidade grande, Tabriz. Não tínhamos hotel reservado, guia, mapa, nada. Um iraniano que conhecemos dentro do ônibus ainda na Turquia foi quem nos conseguiu o taxi. O motorista não falava inglês e dividimos o taxi com uma senhora que apenas falava pouquíssimas palavras em inglês. Quando chegamos em Tabriz apenas dissemos ao motorista “hotel”. Logo a senhora disse “no, hotel, no, my house, my house”. Infelizmente como ela não falava inglês e a gente realmente precisava usar a internet acabamos insistindo para ir para um hotel. Então ela telefonou, se informou, e nos levou até um hotel. Desceu do taxi com a gente, negociou com o recepcionista, nos deixou seu número de telefone e pediu que ligássemos pra ela se precisássemos de alguma coisa. Ali começamos a perceber o quão grande é a hospitalidade iraniana.
Ricardo - Fomos um pequeno museu em Yazd, cujas visitas eram guiadas. Naquele horário só havia a gente de turista. O guia era muito atencioso e a gente estava aprendendo muito. Dentre outras coisas falamos o nome do hotel em que estávamos. De noite o telefone toca no nosso quarto. Era o guia do museu. Nos convidou para irmos à sua casa tomar um chá. Topamos. A casa dele era muito simples. Na sala apenas tapetes. Ele, além de trabalhar no museu, é professor de inglês numa universidade e sua esposa estudante de medicina. Em alguns minutos chegam os seus vizinhos, um casal com uma criança. Tomamos chá, comemos frutas, as mulheres exibiram seus penduricalhos de ouro (Pretinha, tadinha, só tinha o anel de casamento) e ficamos ali até a madrugada. Depois nos levaram de volta ao hotel. Pessoas nos convidaram para irmos às suas casas. Além de oferecerem ajuda a todo momento quando a gente está andando e parece procurar algum endereço. Interagir com as pessoas é a parte mais legal do Irã.
Como vocês observaram o papel da mulher na sociedade iraniana?
Ricardo - Não é como no ocidente, mas elas têm muito mais direitos do que imaginávamos. Dirigem, (inclusive táxi), andam sozinhas pra todo lado, trabalham e já são maioria nas faculdades. Elas se comparam com outros povos muçulmanos e dizem que lá elas são mais livres do que em muitos outros lugares. O lenço na cabeça é obrigatório, bem como cobrir braços e pernas. Mas isso não parece ser tão pesado para elas, pois os homens também têm de cobrir pernas e quase sempre usam manga comprida. A imposição de cobrir o corpo não nos pareceu ser um problema, pois é muito comum as mulheres usarem o chador, aquela roupa preta que é tipo um véu que cobre o corpo todo menos a face, mesmo sem ser obrigatório.
Como os iranianos, no dia a dia, lidam com as ameaças externas referentes ao programa nuclear? Existe uma sensação de guerra iminente?
Renilza - As pessoas estão insatisfeitas com a política externa porque sentem os efeitos das sanções econômicas impostas por EUA e UE. Porém, não há nenhum clima de guerra iminente. Eles realmente não acreditam que Israel vai atacar o Irã sem o apoio americano e não acreditam que o Obama irá apoiar o ataque. Em relação ao Irã eles dizem que não há risco de ataque. Eles afirmam que só entrarão em guerra se forem atacados. As pessoas com quem conversamos disseram-nos que o Islamismo não permite o ataque, mas em caso de serem atacados, eles são obrigados a reagir.
Vocês tiveram oportunidades para conversar de política internacional com os iranianos? E de política interna?
Ricardo - É muito fácil conversar com os iranianos. Falamos abertamente sobre a guerra com o Iraque (anos 80), economia, possibilidade de serem atacados, de estarem construindo armas nucleares, treinamento militar, etc. Eles gostam da posição do Brasil, de manter o diálogo aberto com todas as partes. O sentimento geral é de desânimo quanto à economia. Não gostam muito do Ahmadinejad, mas reconhecem que na sua primeira eleição ele era o menos pior. Falamos muito sobre Síria, Estados Unidos, a presença da religião na política. Realmente eles são bastante fervorosos e convictos de sua fé, e não vejo como um Estado Laico pode ter sucesso ali nas próximas décadas.
E a segurança dos viajantes? Em algum momento vocês se sentiram intimidados?
Ricardo - Foi o país mais seguro que visitamos. Foi onde nos sentimos mais tranquilos. As pessoas se aproximam realmente querendo ajudar. Parecem se achar responsáveis por você. Às vezes a generosidade era tanta que chegávamos a pensar que era golpe. Mas logo depois víamos que era só gentileza mesmo.
Como estão os preços e a infraestrutura de transporte?
Ricardo - Os preços estão muito baixos. Fizemos uma viagem de 1.300 km e as passagens custaram cerca de oito dólares cada. A moeda perdeu mais de 80% de seu valor frente ao dólar no último ano e não há política de diferenciação de preços entre turista e habitante. Já a estrutura de transporte pode melhorar. As estradas são boas e cobrem bem o país, mas não há norma que obrigue os ônibus a pararem de duas em duas horas, por exemplo, e também não há garantia de parada em locais com estrutura mínima de banheiros e restaurantes. Os ônibus são ruins. Existem os “VIP”, que geralmente são melhores. Nos disseram que avião é barato também, mas não usamos do expediente porque viajando por terra podemos conhecer melhor o país.
Dicas para viajantes mulheres?
Renilza - Chegue ao país com apenas um conjunto de casaco e lenço. Pode ser qualquer lenço para cobrir os cabelos, podendo deixar boa parte da frente exposta. Para cobrir o corpo use qualquer peça de manga comprida, que não seja justa ao corpo e que cubra os quadris. Deixe para comprar mais já no país. Use da vontade de interação das pessoas para pedir alguma garota que te ajude nas escolhas ou simplesmente observe o que as iranianas estão usando antes de compar. As combinações de cores que parecem interessantes para mulheres de fora podem não fazer sentido para a moda local. Demonstrações públicas de intimidade entre sexo oposto não são bem vistas. Os mais conservadores sequer cumprimentam uma pessoa do sexo oposto com aperto de mão. Para evitar constrangimentos ao cumprimentar um homem apenas coloque a mão sobre o peito e faça um movimento de leve inclinação da cabeça. Se a mão for estendida aperte-a sem medo.
Leia aqui a entrevista que fiz com eles em junho