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03

Jan

25

DVeras Awards de Literatura 2023/2024

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Depois de um interlúdio, o DVeras Awards de Literatura está de volta, agora em calendário bienal. A edição 2023/2024 marca uma década desta celebração hedonista e não utilitária da leitura, promovida pelo blog DVeras em Rede.

O certame se inspira na lista dos dez direitos inalienáveis do leitor, de Daniel Pennac (Comme un Roman, 1992). Dois deles, em especial, justificam a pausa na premiação em 2023: o direito de não ler e o direito de calar-se. Exerci ambos sem culpa e agora volto a compartilhar minhas garimpagens.

As histórias deste ciclo vão de saga familiar a crime antigo, de amor bandido a busca existencial, de realismo mágico a poesia em prosa. Elas têm sangue, sexo, sonhos. Têm gato sumido, banho de sol com vizinha, pileque de vinho. Espionagem, equívocos, saudades.

Personagens inquietas nos conduzem pelas ruas de Tóquio, Roma e Cidade do México, por subúrbios barra-pesada de Brisbane, pampas gaúchos, estepes chinesas, apartamentos paulistanos… Histórias muito diversas, mas com uma coisa em comum: passam longe do tédio.

As regras

A coisa funciona mais ou menos assim: estão excluídas as leituras incompletas até 31 de dezembro, assim como as obras técnicas, de referência e lidas por motivos profissionais, exceto quando o prazer superar a utilidade. Controvérsias e casos omissos são decididos de forma irrecorrível pela comissão julgadora – eu mesmo -, que assume os riscos das eventuais tolices e imprecisões.

Os números

Em 2023 e 2024, li por prazer 20 livros de 17 autores de 7 países: Brasil, Austrália, Cuba, Estados Unidos, Japão, México e Reino Unido (a trilogia de Verissimo é contabilizada como um único livro). Só 4 foram escritos por mulheres (é pouco). Há 15 autores vivos, que eu saiba, e conheço 4 pessoalmente. Por gênero, são 13 romances, 5 coletâneas de contos e uma de crônicas. Por idioma, são 15 obras em português – traduções inclusas -, 3 em espanhol e uma em inglês.

A lista

Li duas coletâneas de contos de Lucia Berlin, ganhadora do DVeras Awards de 2019 com o Manual da Faxineira: Noite no paraíso e Bienvenida a casa, ambos de fundo autobiográfico. No segundo livro, ela recorda a vida a partir das casas em que morou. Ficou inacabado com a morte da autora e inclui várias cartas. Sou fã da escrita de Lucia, que transforma o leitor em amigo íntimo com graça e leveza.

Um garimpeiro, um padre, um médium, um detonador, um guia turístico e eu, de Paula Gomes, me fisgou pelo título (meu pai aprovaria; sempre que alguém começava uma enumeração de pessoas com “eu”, ele citava o ditado espanhol: “Y el burrito adelante”). Sua narrativa é inventiva e bem-humorada, cheia de personagens excêntricos e com pinceladas de absurdo. E por falar em absurdo…

A hora dos ruminantes, José J. Veiga, foi uma bela descoberta. Esse romance alegórico publicado em 1966 conta sobre a chegada de forças misteriosas na pacata vila de Manarairema. As presenças perturbadoras incluem homens mudos e autoritários, um exército de cães e uma invasão de bois.

Adiós, Hemingway é um romance policial ambientado em Cuba, que coloca no centro da história o escritor americano em uma trama de assassinato investigada anos depois, quando o ex-detetive Mário Conde é encarregado de descobrir a identidade de um esqueleto encontrado na propriedade de Hemingway. O autor, Leonardo Padura (O homem que amava os cachorros), é dos bons.

Quatro mulheres, de Ricardo Medeiros, é uma reportagem romanceada sobre quatro mulheres que cruzaram a vida do meu amigo jornalista e escritor catarinense. Dare, aeromoça que viajou o mundo pela Varig; Paula, que trabalha cuidando de corpos após a morte; Biba, trabalhadora de serviços gerais, e sua mãe Margaridinha, dona de casa. Bem bom.

O tempo e o vento, de Erico Verissimo, narra a formação do Rio Grande do Sul por meio de gerações das famílias Terra e Cambará. Amor, poder, guerra e identidade se entrelaçam numa saga que atravessa séculos. A obra está dividida em três livros: O Continente, O Retrato e O Arquipélago. Amei. Não vi a série da Globo, mas imaginei o Capitão Rodrigo com a cara do Tarcísio Meira.

Asfalto selvagem: Engraçadinha, seus amores e seus pecados, clássico de Nelson Rodrigues, aborda os dilemas morais e passionais de uma mulher que vive no subúrbio do Rio de Janeiro. É uma crônica de costumes muito bem contada. Também não vi a série da Globo, mas visualizei a protagonista encorpada em Alessandra Negrini e Cláudia Raia.

Softwares livres para jornalistas e profissionais de comunicação, do amigo Gastão Cassel. Li motivado pelo prazer de encontrar um texto de qualidade rara em obras de referência. Traz ótimas dicas de recursos gratuitos para quem deseja evitar as assinaturas de programas de computador. Acho que vai precisar de uma versão atualizada em breve, pois o cenário muda rápido.

Crônica do pássaro de corda, Haruki Murakami. Toru Okada é um homem comum que busca respostas para o desaparecimento da esposa e do gato. Nessa jornada, ele é levado a um mundo fantástico que combina memórias dele e de outros personagens incríveis, sonhos e eventos estranhos. Tem uma subtrama sobre a presença de tropas japonesas na China durante a 2a. Guerra.

O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação, do mesmo autor, traz outra busca existencial. Tsukuru Tazaki se considera um homem sem graça, depois de ter sido excluído do convívio com seus melhores amigos de juventude, por motivo que desconhece. Um dia ele resolve enfrentar essa dúvida e parte em busca de explicações, que incluem até mesmo uma viagem à Finlândia. Bonito.

Abandonar um gato, também de Murakami, é um ensaio autobiográfico sobre a relação complicada dele com o pai, em tom honesto e intimista. O autor aborda o impacto da 2a. Guerra sobre a juventude do pai, a partir de uma pesquisa detalhada de alguns eventos marcantes.

The Things They Carried, Tim O’Brien, é uma coleção de contos interligados que aborda as experiências de um grupo de soldados americanos na guerra do Vietnã. O título se refere aos objetos que os personagens carregavam. Muito bem escrito. Tem uma pegada parecida com aquele filme reflexivo sobre a batalha da Guadalcanal (WW2), Além da linha vermelha, de Terrence Malick.

Bambino a Roma, lançado em julho de 2024, é o romance mais recente de Chico Buarque. Traz memórias romanceadas da sua infância em Roma, onde morou entre 1953 e 1954. Interações com a família, colegas de escola e amigos do bairro, passeios de bicicleta, paixões platônicas, tudo contado com a maestria de quem tem domínio perfeito do idioma e da arte de contar histórias.

Contos escolhidos reúne histórias curtas de Aldous Huxley, abordando a condição humana, impactos da modernidade e dilemas morais. Gostei muito de O pequeno Arquimedes, sobre um menino italiano que se revela um gênio da música. Outra ótima é sobre uma mulher inglesa em sua villa italiana, entediada com a monotonia do casamento, que vive um romance extraconjugal. Ótimo “plot twist”.

Famílias terrivelmente felizes, de Marçal Aquino, traz 13 contos com personagens que enfrentam situações-limite do cotidiano, como traições, violências e desejos reprimidos. Com estilo afiado e econômico, Aquino é mestre na narrativa curta. Gostei, mas achei meio desigual. Há contos excelentes e outros nem tanto, mas vale a leitura.

Garoto devora universo, do jornalista australiano Dalton Trent, foi outra boa descoberta. A história se passa no subúrbio de Brisbane e é contada por um garoto de 12 anos que vive situações complicadas com leveza e humor: mãe dependente de heroína, padrasto traficante, irmão mais velho que não fala e é clarividente, pai omisso, babá ex-presidiário. Virou série na Netflix, bem adaptada.

O verão sem homens, de Siri Rustvedt, conta sobre Mia Fredrickson, poeta de 55 anos que sofre um colapso nervoso depois da separação. Para se recuperar, ela se refugia na cidade natal em Minnesota, onde convive com a mãe e um grupo de amigas idosas, além de algumas adolescentes a quem dá aulas de poesia. Bonito. Siri é viúva do escritor Paul Auster, que morreu em 2024.

Salvar el fuego, de Guillermo Arriaga, ganhou o Prêmio Alfaguara de romance em 2020. Aborda um amor intenso e proibido entre uma mulher casada de classe alta, coreógrafa que vive na Cidade do México, e um presidiário condenado à prisão perpétua por assassinatos. Forte e tensa alegoria das contradições da sociedade mexicana. Em 2012, fiz um curso de roteiro com o autor em Curitiba.

Chá de Bolda, de Valério Bolda. Tive a honra de participar desse projeto como revisor e palpiteiro. O autor é um autêntico manezinho de Floripa que, por insistência dos amigos, transformou em livro as crônicas hilárias que publicava no Facebook. A obra seria ilustrada pelo querido Frank Maia, que nos apresentou, mas morreu cedo, então as ilustrações foram feitas pelo competente Galvão Bertazzi.

O resultado

Apontar o melhor livro lido no biênio foi tarefa dificílima, pois tem muita coisa excelente. Para reduzir o volume de impropérios contra sua escolha, a comissão julgadora concedeu algumas menções especiais e lembra a todos de que, no fim das contas, esta é só mais uma lista.

Hors concours: O tempo e o vento. Esse monumento em prosa não deixa nada a dever aos maiores cânones literários. Seria covardia deixá-lo competir.

Melhor romance de estreia: Garoto devora universo. Dalton Trent mandou bem nessa história autobiográfica. Os personagens são adoráveis, embora algumas situações, não muiro verossímeis.

Melhor livro de crônicas: Chá de Bolda. Valério tem habilidade inata pra captar o absurdo e a graça das situações do cotidiano. Torço pra que continue escrevendo.

Melhor livro de contos: Noite no paraíso. Lucia dominava o ofício e sabia se colocar inteira no que escrevia. Viveu com intensidade e compartilhou isso com os leitores.

Medalha de bronze: Crônica do pássaro de corda. Quem acompanha o DVeras Awards sabe da minha admiração por Murakami. Este não é o meu favorito dele (acho que é Norwegian Wood), mas é uma amostra incontestável do talento para construir mundos imaginários que bordejam o real. Confesso que tenho dificuldade de comentar e “rotular” a obra de Murakami, às vezes descrita de forma imperfeita como “realismo mágico japonês”. Ela me afeta além da palavras.

Medalha de prata – Bambino a Roma. “Chega a ser irritante a capacidade que Chico tem de fazer coisas boas”, disse Cadão Volpato em sua resenha dos melhores livros do ano para o Valor Econômico. Bambino a Roma é um delicioso retorno a um período da infância de nosso muso da MPB, quando ele ainda usava calças curtas e passou uma temporada na Itália. Chico combina suas lembranças com recursos ficcionais e assume isso pro leitor. Adorei. Se ele fosse americano, já teria ganhado o Nobel de Literatura pelo conjunto da obra.

E a medalha de ouro do DVeras Awards vai para…

Salvar el fuego. Sabe aquele tipo de livro que você não consegue largar até chegar no fim? Guillermo Arriaga nos faz mergulhar com a cabeça, o coração e as tripas na história de amor entre a coreógrafa Marina e o presidiário José Cuauhtémoc, uma avalanche que não pode ser detida. O romance bebe da experiência dele como roteirista (Amores Brutos, 21 Gramas, Babel) e diretor de cinema (The Burning Plain), mais vai além: é muito bem escrito. Três personagens se alternam na narrativa, que soa autêntica e vigorosa. O resultado é um romance forte, passional, que vai ganhando força à medida que avançamos na leitura. Tem tudo pra virar um belo filme.

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31

Dec

21

DVeras Awards de Literatura 2021

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Irmã leitora, irmão leitor,

Chegou a hora de anunciar os resultados da 15a. edição do DVeras Awards de Literatura, celebração anual da leitura por prazer, promovida pelo blog DVeras em Rede. Nosso patrono (ele ainda não sabe) é Daniel Pennac, autor da lista com os dez direitos inalienáveis do leitor. Em 2021 eu exerci quatro deles de forma continuada e sem culpa: o direito de não terminar um livro; o de reler; o de ler qualquer coisa, e o de ler uma frase aqui e outra ali. Portanto, não espere uma lista muito extensa.

No segundo ano da praga viral e terceiro da peste familiciana, concluí 18 livros, igualando a marca de 2020 e a média de um livro a cada três semanas. Os temas foram da ficção científica ao crime, passando por política e amor, música e História, filosofia e ciência, humor e autoconhecimento. Por gênero, foram nove romances, duas grandes reportagens, duas coletâneas de contos, duas de ensaios e uma de crônicas, além de um livro de poemas e uma biografia. Os países de origem dos 15 autores homens e quatro mulheres são Austrália, Argentina, Brasil, Estados Unidos, Japão, Peru, Rússia e Suécia.  Algumas menções honrosas por categoria:

  • De pirar o cabeção: Quarantine, sci-fi de Greg Egan
  • Caliente: hai quases, poemas de Lilian Schmeil
  • Melhor leitura de banheiro: Vai dar merda, crônicas de Cláudio Schuster
  • Releitura: A invenção de Morel, sci-fi de Bioy Casares
  • Pra ler ouvindo música: Can’t Buy Me Love, biografia dos Beatles por Jonathan Gould
  • Necessário: A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, reportagem de Bruno Paes Manso
  • Dava um filme: Baixo esplendor, romance de Marçal Aquino, empatado com Nove histórias errantes, contos de Márcia Feijó

A lista de concorrentes, pela ordem cronológica em que foram concluídos:

  1. A invenção de Morel, Adolfo Bioy Casares
  2. A república das milícias: dos esquadrões da morte à era Bolsonaro, Bruno Paes Manso
  3. Quarantine, Greg Egan
  4. Mossad: os carrascos do kidon, Eric Frattini
  5. Crime e castigo, Fiódor Dostoiévski
  6. Homens sem mulheres, Haruki Murakami
  7. South of the Border, West of the Sun, Haruki Murakami
  8. After Dark, Haruki Murakami
  9. Pontos de fuga: o lugar mais sombrio, Milton Hatoum
  10. O homem que sorria, Henning Mankell
  11. Can’t Buy Me Love, Jonathan Gould
  12. Um casamento americano, Tayari Jones
  13. Baixo esplendor, Marçal Aquino
  14. A Field Guide to Getting Lost, Rebecca Solnit
  15. Algoritmos para viver: a ciência exata das decisões humanas, Brian Christian e Tom Griffths
  16. Nove histórias errantes, Márcia Feijó
  17. hai quases, Lilian Schmeil
  18. Vai dar merda, Cláudio Schuster

E os três premiados são…

Bronze: Um casamento americano, de Tayari Jones. O romance dessa professora de literatura nascida em Atlanta, EUA, ganhou o Prêmio de Mulheres para Ficção em 2019. Conta de um jovem casal de negros, apaixonados e em ascensão profissional, que têm as vidas transtornadas pela prisão e condenação do homem por um crime. A narrativa se alterna entre diferentes pontos de vista e aborda temas ligados a racismo, machismo, resiliência, transformação e superação. História bonita e bem contada.
Prata: A Field Guide to Getting Lost, de Rebecca Solnit. A escritora americana discorre sobre perdas e o ato de se perder, tanto em sentido figurado quanto físico. Ela combina referências históricas, da literatura e da arte com suas memórias afetivas, transitando por encontros amorosos no deserto, mapas e outros objetos simbólicos, fragmentos biográficos da avó imigrante, a ausência de uma amiga que morreu jovem, uma casa marcante da infância… Li sem pressa. Tem altos e baixos, mas no geral a impressão é de encantamento.
Ouro: depois de dez anos esperando na estante, Crime e castigo, de Fiódor Dostoiévski, entrou pra minha lista de leituras concluídas. E vai direto pro topo do pódio. O que acrescentar ao que já foi dito sobre esse romance, que influenciou tanta gente boa e é considerado uma das joias da literatura universal? Gostei! Conta sobre o homicídio de uma velha agiota e sua filha por um ex-estudante, pobre e angustiado pra dar algum sentido à vida. Podia ser só uma história banal, mas na pena do escritor russo, esse enredo vira um mergulho nas tormentas da natureza humana. A ideia da redenção por meio do sofrimento é só uma das reflexões possíveis em uma obra multifacetada, que merece releituras.
Uma vez me disseram que ler torna as pessoas melhores. Se melhoramos mesmo, não sei, mas dificilmente vamos ficar pior ou nos converter ao terraplanismo, o que já é grande coisa. A comparação com coletes salva-vidas me parece boa. Vamos precisar muito dos livros pra manter a cabeça fora d’água e reconstruir o país. Desejo que, no meio das tempestades, você encontre serenidade suficiente pra dedicar um tempinho a eles e ajudá-los a circular. Feliz 2022!
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29

Dec

20

DVeras Awards de Literatura 2020

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Eis uma nova edição do DVeras Awards de Literatura, há 14 anos celebrando o direito humano universal ao prazer da leitura ociosa. Li pouco neste Ano das Pestes de 2020. Acompanhar os capítulos da novela grotesca chamada Brasil me provocou certa dificuldade de concentração. Mas até mesmo num ano de merda, houve espaço pra descobertas alentadoras. Livros são grandes companheiros na tormenta, portais no espaço-tempo e vacinas antiestupidez com alta eficácia. Pelo menos, não conheço nenhum leitor voraz que seja terraplanista e faça ozonioterapia retal.

Repasso as regras deste concurso hedonista. O DVeras Awards de Literatura, promovido pelo blog DVeras em Rede (que em julho completou 20 anos), elege anualmente os melhores livros que li por prazer. Ficam excluídas as obras de propósito utilitário, as inacabadas até 31 de dezembro e as hors concours. Amigas e amigos leitores são incentivados a também compartilharem suas listas. Este ano o prêmio tem duas categorias: “ficção” e “não-ficção”, com aspas, cada uma com três nominados e um vencedor. O melhor de todos ganha o Grand Prix DVeras.

Em 2020, li 18 obras que atenderam os critérios do certame – um livro a cada três semanas, bem aquém da média usual. Os temas variaram da guerra à antropologia, da psicologia à criminalidade, da filosofia à sátira da autoajuda, da imigração à violência digital, em gêneros como realismo fantástico, jornalismo literário e divulgação científica. Os autores são de dez países: Alemanha, Angola, Argentina, Brasil, Estados Unidos, Inglaterra, Islândia, Israel, Japão e Líbano. Há somente seis mulheres na lista. Esta retrospectiva me ajuda a definir alguns desafios factíveis para 2021:

  • ler um livro por semana

  • ler mais mulheres

  • ler mais autores da América Latina e África

  • ler mais em espanhol e inglês

  • explorar mais temas e formatos

 Vamos ao que interessa:

Hors concours

Siddartha, publicado em 1922 por Herman Hesse, que ganhou o Nobel de literatura em 1946. Obra bela e poética sobre a busca de autoconhecimento de um indiano contemporâneo de Buda. Demorei anos pra encarar a leitura, o que foi bom, pois o tempo me deixou mais receptivo. Recomendo. Lido em inglês.

“Não-ficção”

  • The Last Battle. Cornelius Ryan, 1966. Relato sobre o avanço das tropas aliadas sobre a Alemanha nos últimos dias da 2a.Guerra Mundial, baseado em documentos históricos. Ajuda a entender como se deu a repartição do país entre americanos e soviéticos, que definiu a geopolítica europeia pós-guerra. Lido em inglês.

  • Rápido e devagar: duas formas de pensar, Daniel Kahneman. O psicólogo israelense, ganhador do Nobel de Economia em 2002 por suas teorias sobre economia comportamental, questiona de maneira bem fundamentada a ideia de que a nossa tomada de decisões é exclusivamente racional. Lido em inglês.

  • Você não merece ser feliz: como conseguir mesmo assim, Craque Daniel. Os humoristas Daniel Furlan e Pedro Leite, do Falha de Cobertura, criaram uma paródia de manual de autoajuda que ironiza a mania das pessoas de perseguir a felicidade. “Se você quiser, se você se esforçar, se você treinar, se você entrar de cabeça, se você se concentrar, nada garante que você vai conseguir”, resumem. Ri muito.

  • A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime, Bruno Paes Manso e Camila Caldeira Nunes Dias. Livro-reportagem sobre os bastidores do Primeiro Comando da Capital, suas disputas com outras facções criminosas, a expansão pra outros países e a falência da segurança pública no Brasil. Bem apurado, mas às vezes repetitivo.

  • Uma história da guerra, John Keegan. O historiador britânico dá uma aula sobre a natureza humana ao examinar as origens dos conflitos bélicos, suas motivações, rituais e evoluções tecnológicas, dos guerreiros de Átila aos ianomâmi, dos bôeres na África do Sul aos soldados das guerras globais do século 20.

  • Diário de Berlim Ocupada: 1945-1948, Ruth Andreas-Friedrich. Relato em primeira pessoa sobre a barbárie do pós-guerra por uma jornalista alemã. Ela se vê sitiada em situação precária num apartamento com amigos, passando fome e frio enquanto tropas russas e aliadas ocupam a cidade e a guerra fria começa a se instalar.

  • A lógica do cisne negro, Nassim Nicholas Taleb. Publicado em 2007 pelo matemático e consultor financeiro de origem libanesa, o livro mostra como estamos constantemente à mercê de acontecimentos imprevisíveis que são a base de quase tudo o que acontece no mundo. Muito atual.

  • A máquina do ódio: notas de uma repórter sobre fake news e violência digital, Patrícia Campos Mello. A jornalista conta como as redes sociais são manipuladas por líderes populistas, afetando processos eleitorais e minando a democracia. A obra é uma ampliação de reportagens publicadas na Folha de S. Paulo. Leia.

  • O mundo até ontem: o que podemos aprender com as sociedades tradicionais?, Jared Diamond. O biólogo evolucionário, fisiologista e biogeógrafo nos conduz ao cotidiano de sociedades tradicionais – povos das ilhas do Pacífico e do deserto Kalahari, inuítes, índios da Amazônia, entre outros, mostrando que temos muito a aprender com eles, sem idealizar seu estilo de vida.

“Ficção”

  • Manual prático de levitação, José Eduardo Agualusa. O volume reúne 20 contos organizados em três partes: Angola, Brasil e Outros lugares de errância. Gostei demais. Tenho especial predileção pelo gênero e, neste meu primeiro contato com o autor angolano, percebi grande talento e domínio técnico. Quero mais.

  • Murilo Rubião, obra completa. Coleção dos 33 contos do brilhante autor mineiro que antecipou o gênero literário do realismo fantástico, popularizado depois por García Márquez e Julio Cortázar. Rubião passou anos reescrevendo sua obra.

  • Killing Commendatore (O assassinato do comendador, em português), Haruki Murakami. Pintor recém-separado sai numa road-trip pelo norte do Japão e depois vai morar numa casa na montanha. Lá encontra um quadro misterioso no sótão e conhece um vizinho rico solitário que guarda um segredo. Lido em inglês.

  • O álibi perfeito e outras histórias, Patricia Highsmith. Contos de uma das autoras mais reconhecidas do gênero crime e mistério. Não estão à altura dos excelentes O talentoso Ripley e O amigo americano, matérias-primas de duas boas adaptações no cinema.

  • Love, Stephen King. A viúva de um escritor famoso começa a receber ameaças de um maluco, fã do autor e obcecado pelo acervo inédito supostamente guardado por ela. King nos conduz ao passado do casal e a um segredo terrível da infância do escritor, que abre o portal para uma realidade fantástica.

  • O segredo do lago, Arnaldur Indridason. O esqueleto de um homem é encontrado no fundo de um lago islandês que começou a perder água por causa de uma fissura geológica. Junto dele está um equipamento de rádio de origem soviética. A narrativa acompanha a investigação policial do caso, que desvenda memórias da guerra fria.

  • Plata quemada, Ricardo Piglia. Ficção entre grandes aspas. O autor baseia a narrativa numa história verídica sobre assaltantes argentinos que, depois de um sangrento roubo a banco em 1965, escapam para Montevidéu. Lá são cercados em um apartamento pela polícia uruguaia e decidem resistir a bala. Lido em espanhol.

  • Intérprete de males, Jhumpa Lahiri. A autora inglesa naturalizada americana ganhou o Pulitzer de literatura em 2000 com este volume de contos, seu primeiro livro. São histórias de indianos ou descendentes tentando se adaptar à vida nos Estados Unidos ou em seu cotidiano na Índia. Bem bom.

Resultados

Na categoria “não-ficção”, foram nominados Rápido e devagar, A máquina do ódio e O mundo até ontem. O livro de Patrícia Campos Mello é fundamental pra entender o momento político que vivemos hoje no Brasil e o contexto em que isso ocorre. O de Jared Diamond é uma rica oportunidade para os interessados em antropologia conhecerem as pesquisas do autor com sociedades caçadoras-coletoras e refletir sobre o estilo de vida urbano ocidental.

E o escolhido é…

Rápido e devagar: duas formas de pensar. O psicólogo comportamental Daniel Kahneman apresenta as pesquisas sobre o funcionamento da mente que o fizeram virar referência em economia. A partir de diversos experimentos, ele mostra como tendemos a nos comportar em temas como aversão à perda, excesso de confiança em escolhas estratégicas, dificuldade de prever o que vai nos fazer felizes no futuro e identificação de riscos. Aula magna sobre a natureza humana, serve também de alerta para não apostarmos demais na intuição. Sim, a intuição falha, e mais vezes do que gostaríamos de crer. Livraço.

Na categoria “ficção”, os nominados são Murilo Rubião: obra completa, Killing Commendatore e Plata quemada. O volume de histórias fantásticas de Rubião ganhou menção honrosa, mas poderia estar tranquilamente ao lado de Siddharta como hors-concours. Dos contos, destaco o belo Bárbara, sobre a mulher que pedia coisas extravagantes ao marido, e Teleco, o coelhinho, sobre um coelho falante que muda de forma. O romance de Piglia representa a literatura argentina com louvor, bebendo do jornalismo para trazer ao leitor uma narrativa ágil e de grande interesse humano.

E o escolhido é…

Killing Commendatore, de Haruki Murakami, que também leva o Grand Prix DVeras de melhor livro lido em 2020. O autor de Kafka à beira-mar e da trilogia 1Q84 nos presenteia com sua concepção peculiar de realismo fantástico, desta vez mergulhando na pintura como forma de expressão. O assassinato do comendador se aproxima da obra de Murilo Rubião quanto à falta de espanto das personagens diante de situações extraordinárias. Seu protagonista, um pintor de retratos com 36 anos, vive uma experiência invulgar na casa isolada que alugou numa montanha: em certas madrugadas, escuta o som de um pequeno sino vindo da floresta próxima. A maneira como ele lida com esse mistério, ajudado por um vizinho milionário e solitário (ecos de O Grande Gatsby, de Fitzgerald) e por uma adolescente, conduz a história a uma fascinante investigação da natureza humana e da arte. As palavras de Murakami deslizam espontâneas como água de riacho, numa narrativa repleta de camadas de reflexão sobre o sentido da vida e da arte.

Boa leitura!

 

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30

Dec

19

DVeras Awards 2019: livros

Lucia Berlin, 1962. Foto: Buddy Berlin.

Lucia Berlin, 1962. Foto: Buddy Berlin.

Em sua 13a. edição, o DVeras Awards elege os três melhores livros de ficção ou não-ficção que li por prazer entre janeiro e dezembro de 2019. Breve explicação de praxe sobre as regras deste concurso hedonista: ficam de fora obras técnicas e de referência, as lidas por motivo profissional e as não concluídas até 31 de dezembro. García Márquez, Vargas Llosa e Rubem Braga são hors-concours. A comissão julgadora sou eu mesmo.
A lista de 2019 traz autores dos Estados Unidos, Brasil, Reino Unido, Itália, Colômbia, Peru, China e Argentina. Dos 17 livros relacionados, quatro foram escritos por mulheres. Em 2020, quero continuar buscando mais olhares femininos na literatura e ampliar a abrangência geográfica-temática. Agradeço a todas as pessoas que me deram sugestões e me permitiram criar conexões com elas através das letras.
  • Comecei o ano com o lindo Manual da faxineira: contos escolhidos, de Lucia Berlin (1936-2004). As histórias dessa coletânea, todas de inspiração autobiográfica, apresentam a vida movimentada de uma criança solitária nascida no Alasca e criada no Novo México, adolescente de elite no Chile, boêmia hipster em Nova York, enfermeira em Oakland nos 70 e, no final da vida, professora universitária. Foi também faxineira e professora de crianças, casou três vezes, teve quatro filhos, um caso apaixonado com um rapaz de 17 anos, amigo de um deles, e passou anos enfrentando o alcoolismo. Ela tinha o que contar e sabia como fazer.
  • Em seguida li Rio em Shamas, de Anderson França, talentoso escritor, roteirista, professor e ativista de direitos humanos nascido na zona norte do Rio de Janeiro. Ele escreve crônicas de humor ácido sobre o cotidiano de pretos e pobres da periferia, muitas vezes abordando a violência policial. Dinho, como é conhecido pelos amigos, tornou-se mais um brasileiro auto-exilado do século 21: por causa de seus escritos contundentes, foi ameaçado de morte e teve que deixar o país.
  • A invenção da natureza, da historiadora britânica Andrea Wulf, é uma biografia do extraordinário gênio alemão Alexander von Humboldt, precursor da ecologia e o primeiro a organizar evidências em torno do conceito de gaia, o planeta feito de interconexões entre todos os seres vivos. Belo livro, com passagens bacanas do encontro dele com personagens históricos como Simon Bolívar e Thomas Jefferson, sem falar nas expedições pelas montanhas do Equador, florestas colombianas e estepes russas.
  • Simpatia pelo demônio, de Bernardo Carvalho, relata a manipulação de sentimentos em uma relação homossexual abusiva entre dois intelectuais, numa história que vai e vem entre Berlim, Nova Iorque, Rio de Janeiro e Oriente Médio. Tecnicamente bem escrito, mas confesso que achei tedioso.
  • Hacks mentais: 70 hacks para produtividade, hábitos e relacionamentos, de Luiz Felipe Araújo. Curioso, mas superficial. Leitura rápida para sala de espera de médico e fila de banco.
  • Passei alguns meses fazendo uma releitura deliciosa em doses homeopáticas: Coisas simples do cotidiano, coletânea de crônicas de Rubem Braga. Mestre.
  • Em abril li A realidade não é o que parece, de Carlo Rovelli. O livro me abriu as portas pela primeira vez à gravidade quântica de maneira que quase consegui entender. Trecho da apresentação:  “O espaço e o tempo realmente existem? De que é feita a realidade? De onde vem a matéria? O cientista Carlo Rovelli passou a vida inteira investigando essas questões, tentando ampliar os limites do que sabemos. … Ele revela como nossa compreensão da realidade mudou ao longo dos séculos, de Demócrito à gravidade quântica em loop. Rovelli nos guia por uma jornada maravilhosa e nos convida a imaginar um mundo completamente novo onde os buracos negros estão esperando para explodir, o espaço-tempo é feito de grãos e o infinito não existe – um vasto universo amplamente desconhecido”.
  • Com armas sonolentas, de Carola Saavedra, conta sobre três mulheres que têm as vidas interligadas. A história passeia entre a Alemanha e o Brasil, com toques de realismo fantástico. Não é ruim, mas não conseguiu me fazer embarcar na vida das personagens.
  • A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada é um maravilhoso volume de contos fantásticos de Gabriel García Márquez que conheci só agora. O que dá nome ao livro trata de uma adolescente explorada sexualmente pela avó como prostituta itinerante. Os contos se passam no deserto colombiano e aldeias caribenhas de pescadores onde o cheiro de rosas invade as casas e vestígios de naufrágios interagem com os moradores. Impressionante.
  • Nossas noites, de Kent Haruf, relata a amizade de um casal de velhos vizinhos que resolvem começar a dormir juntos para enfrentar a solidão. Bem bonito.
  • La tía Julia y el escribidor, de Mario Vargas Llosa, conta das peripécias de uma aventura amorosa vivida em Lima pelo narrador aos 18 anos de idade com uma tia divorciada, recém-chegada da Bolívia. Divertido e muito bem contado. Como pano de fundo, acompanhamos o cotidiano de uma estação de rádio e algumas radionovelas, narradas de forma simultânea à ação principal. Leitura em espanhol.
  • A vida invisível de Eurídice Gusmão, de Martha Batalha, deu origem ao filme que representa o Brasil no Oscar 2020. História sensível e intensa sobre o cotidiano feminino num bairro periférico do Rio na década de 1950, que só poderia ter sido escrita por uma mulher. Recomendo.
  • A cidade ilhada, Milton Hatoum. Releitura de contos de um dos melhores escritores brasileiros, com personagens do universo amazônico onde ele viveu parte de sua juventude.
  • Mudança, de Mo Yan, foi uma surpresa agradável vinda da China. É um divertido livro de memórias focado nas mudanças ocorridas no país asiático durante a segunda metade do século 20.
  • The Music of Chance, de Paul Auster, conta da amizade entre dois homens bem diferentes que se conhecem na estrada, entram numa aposta de cartas com dois milionários e, por conta de uma dívida, precisam enfrentar juntos um período de servidão. Não é o meu favorito, mas como todos os livros de Auster, muito bem escrito. Leitura em inglês.
  • A uruguaia, de Pedro Mairal, foi outra agradável surpresa vinda da nova geração de escritores argentinos. O protagonista é um homem que está preso a um casamento infeliz e relata, com linguagem fluida e bem humorada, sobre sua paixão avassaladora por Guerra, uma mulher atraente que ele conhece numa viagem a Montevidéu.
  • Freakonomics, de Steven D. Levitt. Abordagem criativa da economia a partir de perguntas inusitadas. Gostei.
E o DVeras Awards 2019 vai para os seguintes livros:
  • Bronze: A uruguaia, de Pedro Mairal, pelo frescor, bom humor e vitalidade da narrativa. Quero ler mais coisas dele.
  • Prata: A invenção da natureza, de Andrea Wulf. Biografia impecável sobre um personagem interessante e um tema de extrema relevância pra sobrevivência humana no planeta.
  • Ouro: Manual da faxineira, de Lucia Berlin. Em janeiro, logo que terminei a leitura, comentei:  ”Seu estilo compassivo, engraçado, agridoce e direto ao leitor não deixa nada a dever a mestres da narrativa curta como John Fante, Raymond Carver, Paul Auster, Alice Munro, Rubem Braga”. Ela sabia escrever com emoção e, ao mesmo tempo, com uma técnica apurada sobre personagens marcantes em situações cotidianas. Para mim foi a descoberta do ano, uma preciosidade.
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31

Dec

18

DVeras Awards de Literatura 2018

bookMais uma vez você não pediu, mas aqui estamos com o DVeras Awards 2018 de Literatura. Este é um concurso hedonista: participam todos os livros que li sem nenhuma obrigação, só por prazer, entre janeiro e dezembro deste ano. Ficam de fora as obras técnicas e de referência, as lidas por motivos profissionais específicos e as não concluídas até 31 de dezembro. As decisões da comissão julgadora – eu mesmo – são irrecorríveis.

Este ano a seleção dos melhores foi dificílima pela alta qualidade dos competidores, nada menos que quatro prêmios Nobel – Mario Vargas Llosa (2010), Alice Munro (2013), Svetlana Alexievitch (2015) e Kazuo Ishiguro (2017), sem falar nos quase premiados Graham Greene e Haruki Murakami, e no genial Julio Cortázar, um gigante literário ignorado pela academia sueca (aliás, na boa companhia de Kafka, Ibsen, Joyce e Nabokov).

Os autores e autoras destes 27 livros são de 13 países: Suíça, Canadá, Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Brasil, Noruega, Argentina, Cuba, Uruguai, Peru e Bielorrúsia. Em 2018 li menos do que gostaria, e poucas mulheres, mas pude conhecer nomes relevantes, como tinha me proposto. Aceito dicas para aumentar o repertório de visões literárias femininas. Os temas e formatos variaram. De reflexões filosóficas sobre a vida amorosa a narrativas sobre a ditadura brasileira, passando por autobiografias, romances policiais e históricos, jornalismo e contos. Veja a lista e, em seguida, conheça os três agraciados:

  1. The Course of Love, Alain de Botton
  2. Amiga de juventude, Alice Munro
  3. O poder do agora, Eckhart Tolle
  4. O ministério do medo, Graham Greene
  5. Tiros na noite, Dashiell Hammett
  6. Kafka à beira-mar, Haruki Murakami
  7. A noite da espera (o lugar mais sombrio), Milton Hatoum
  8. O fim do Terceiro Reich, Ian Kershaw
  9. Midnight Sun, Jo Nesbo
  10. O livro de Jô, volume 1, Jô Soares
  11. As armas secretas, Julio Cortázar (releitura)
  12. Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
  13. Noturnos, Kazuo Ishiguro
  14. A brincadeira favorita, Leonard Cohen
  15. Hereges, Leonardo Padura
  16. Máscaras (Verão), Leonardo Padura
  17. A neblina do passado, Leonardo Padura
  18. Paisagem de outono, Leonardo Padura
  19. Uma janela em Copacabana, Luiz Alfredo Garcia-Roza
  20. A borra do café, Mario Benedetti
  21. A festa do bode, Mario Vargas Llosa
  22. Tudo que é belo, The Moth (org.)
  23. Vida querida, Alice Munro
  24. In The Country of Last Things, Paul Auster
  25. Invisível, Paul Auster
  26. O rio inferior, Paul Theroux
  27. Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch

Todos os finalistas do DVeras Awards 2018 mereciam o prêmio máximo, por seus diferentes méritos. Mas escolhas precisavam ser feitas. O resultado:

Menção honrosa – Não me abandone jamais, Kazuo Ishiguro
Inquietante, distópico, perturbador, agridoce. Estritamente falando, daria para classificar como ficção científica, embora destoasse numa prateleira do gênero. A narrativa acompanha um grupo de colegas em um colégio interno no Reino Unido que aos poucos vão descobrindo o segredo por trás de suas origens e destinos. E mais não conto, pra não dar spoiler. A história virou um filme, que ainda não vi.

Bronze – Vozes de Chernobyl: a história oral do desastre, Svetlana Alexievitch

Relato jornalístico construído a partir de entrevistas com sobreviventes da tragédia nuclear de 1986, em que eles contam suas lembranças e sensações na primeira pessoa. Confesso que levei muito tempo pra terminar – a leitura tem forte carga emocional, o que às vezes me fazia “pedir” pausas. A autora é a única jornalista até hoje premiada com o Nobel. Esta obra tem grande valor histórico e merece ser mais conhecida.

Prata – Vida querida, Alice Munro

A escritora canadense mostra que domina como poucos as artes desse ofício dificílimo que é escrever contos: graça de contar, repertório, “timing”, poder de síntese. O encadeamento narrativo desperta empatia com os personagens (gente “comum”) e vai nos conduzindo com leveza até o desfecho. Que raramente é “extraordinário” como as fórmulas gastas de reversão de expectativas, mas traz algo parecido a uma pequena epifania. Bela escritora, quero conhecer melhor.

Ouro – A borra do café, Mario Benedetti

O que dizer sobre esse autor uruguaio de incrível talento e sensibilidade, morto em 2009? A borra do café reforçou minha impressão que ele é um dos grandes. Nesta novela, Benedetti revisita com nostalgia sua infância e adolescência na Montevidéu do início do século 20, pelos olhos do protagonista Claudio. Sua família, amigos do bairro, iniciação sexual, dilemas de trabalho e carreira. E uma misteriosa mulher que aparece em uma figueira e depois retorna outras vezes, sempre no mesmo horário, às 3 e 10. A história despretensiosa esconde um sofisticado recurso narrativo, uma tensão que vai ganhando velocidade e nos faz decolar até o desfecho inesperado. Taí um livro que eu gostaria de ter escrito!

Espero que vocês apreciem essas sugestões de leitura. Recomendo também Kafka à beira-mar, de Murakami (uma espécie de realismo fantástico japonês), A festa do bode, de Vargas Llosa (relato romanceado do último dia de vida do ditador dominicano Trujillo, baseado em muita pesquisa histórica), e O poder do agora, de Eckart Tolle (traz tantos insights bacanas que seria injusto desprezar apressadamente como “auto-ajuda”). Ah, um senão: achei O ministério do medo bem fraco, Graham Greene tem outros melhores.

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01

Jan

18

DVeras Awards 2017: livros

Minhas leituras no ano passado renderam bons momentos, a maior parte do tempo na rede do alpendre, mas também no ônibus, na cama, na fila do mercado e em outras salas de espera da vida. Foram poucos os desapontamentos e várias surpresas deliciosas. Os temas variaram do romance histórico às narrativas de viagem, espionagem e gângsters, passando pela ficção científica, autobiografia e contos. As origens dos autores também são bem diversas: Suíça, Islândia, Estados Unidos, Brasil, Noruega, Chile, Japão, Reino Unido, Cuba, Peru, Argentina e Israel. Como ponto em comum, todos conseguiram me conduzir da primeira a última página, o que não é pouca coisa pra um leitor volúvel. Segue uma lista de 27 obras, com os títulos no idioma do exemplar lido. Não incluí reportagens, contos isolados, livros de referência, leituras parciais nem obras técnicas de interesse restrito. Revendo a lista, percebo que há várias lacunas a preencher daqui pra frente: incluir mais mulheres, mais autores africanos e latino-americanos, mais variedade de temas, alguns clássicos. Bom, foi o que deu pra fazer no conturbado ano da graça de 2017. Espero que essas sugestões possam inspirar suas leituras. Ao final, conheça os contemplados com as medalhas de bronze, prata e ouro no DVeras Awards.

  • The course of love, Alain de Botton
  • Invierno ártico, Arnaldur Indridason
  • 10% mais feliz, Dan Harris
  • Meia-noite e vinte, Daniel Galera
  • Getting things done, David Allen
  • O homem que buscava sua sombra, David Lagercrantz
  • World gone by, Dennis Lehane
  • Pssica, Edyr Augusto
  • Tierra del fuego, Francisco Coloane
  • Pinball, Haruki Murakami
  • A legacy of spies, John Le Carré
  • Liberdade, Jonathan Franzen
  • 14 contos de Kenzaburo Oe
  • O homem que amava os cachorros, Leonardo Padura
  • Passado perfeito, Leonardo Padura
  • Vento sudoeste, Luiz Alfredo Garcia-Roza
  • Cinco Esquinas, Mario Vargas Llosa
  • Los cuadernos de Don Rigoberto, Mario Vargas Llosa
  • A Segunda Guerra Mundial: os 2.174 dias que mudaram o mundo, Martin Gilbert
  • Um solitário à espreita, Milton Hatoum
  • Diário de inverno, Paul Auster
  • Androides sonham com ovelhas elétricas?, Philip K. Dick
  • Alvo Noturno, Ricardo Piglia
  • Calibre 22, Rubem Fonseca
  • O seminarista, Rubem Fonseca
  • Homo Deus, Yuval Noah Harari
  • Sapiens: A Brief History of Humankind, Yuval Noah Harari

A escolha dos três melhores no DVeras Awards foi bem difícil, dada a qualidade dos “concorrentes”. Por isso, nesta edição aponto também três menções honrosas: The course of love, de Alain de Botton, é um mergulho filosófico criativo sobre o amor entre um homem e uma mulher, ao mesmo tempo sensível às sutilezas do relacionamento a dois e demolidor do mito do amor romântico. Liberdade, de Jonathan Franzen, disseca as contradições da classe média americana ao acompanhar a história de uma família e um triângulo amoroso. Pssica, de Edyr Augusto, é uma história vertiginosa sobre o tráfico de mulheres na Amazônia. Sua linguagem crua, concisa, e a narrativa cinematográfica nada deixam a dever aos textos de Rubem Fonseca.

Sem mais delongas, vamos aos premiados de 2017:

  • Bronze: Sapiens. Com simplicidade e humor, o professor de História Yuval Harari dá uma aula magistral sobre nossas origens, da idade da pedra ao presente. Um convite à reflexão sobre coisas cotidianas que fazemos sem pensar. Se gostar, emende no excelente Homo Deus, que aponta pro futuro dominado pela inteligência artificial e pela ambição humana da imortalidade.
  • Prata: Diário de inverno. Paul Auster, um dos meus autores favoritos, chega à maturidade revisitando a própria vida a partir da perspectiva agridoce do corpo e suas cicatrizes (sabia que ele sobreviveu a um raio aos 14 anos de idade?). Um livro especial, agora que tenho uma cicatriz no pescoço a me lembrar todos os dias que sobrevivi ao câncer de tireoide.
  • Ouro: O homem que amava os cachorros, de Leonardo Padura, foi o melhor livro que li no ano passado. Talvez não seja novidade pra você, pois foi lançado em 2013 e já conquistou vários prêmios. Mas se ainda não teve a oportunidade de ler, recomendo muito. Neste romance histórico, o escritor cubano reconstrói as trajetórias de duas personagens marcantes do século 20: o revolucionário russo Leon Trótski e seu assassino Ramón Mercader. É daqueles que, mesmo já conhecendo o final, a gente não consegue largar antes do fim.
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29

Dec

15

Leituras de 2015: DVeras Awards

Compartilho com os viciados em livros a minha lista de leituras concluídas em 2015. A maioria é de ficção e está numerada mais ou menos na ordem cronológica em que me chegou às mãos. Ficam de fora as leituras de trabalho e as obras que venho degustando aos golinhos – como O som e a fúria, de Faukner, denso e multifacetado; Um prazer fugaz: cartas de Truman Capote, interessante, mas desigual; e Voces de Chernóbil, reportagem da Nobel de literatura Svetlana Alexievich, de uma humanidade devastadora, ainda sem tradução pro português. Incluí dois contos de García Márquez, um de Bolaño e um de Chandler pescados na internet, pequenas obras-primas que valem por livros inteiros. Os de Gabo têm títulos fantásticos de bons.

O resultado compõe uma boa variedade de estilos, temas e nacionalidades – são 29 representantes dos Estados Unidos, Brasil, Japão, Suécia, Chile, Peru, Colômbia, Escócia, Itália e Canadá.  Todos à sua maneira me fizeram companhia amiga ao longo deste ano bruto que já vai tarde. Com esses autores e autoras, viajei sem sair da minha rede no quintal. Tangi gado no lombo de um burrinho em Minas (26). Bebi feliz com amigos poetas em Lima (18). Toquei no colo de Evita na Casa Rosada (13). Conheci uma estranha sedutora em Istambul. Fui abduzida enquanto me prostituía (15). Testemunhei um duplo homicídio em Moçambique (7). Encarei a espera e a solidão num apartamento de Santiago (6). Tive uma lua-de-mel inesperada em Paris (8). E no Rio, amei uma mulher de aliança que não era o que parecia… (25)

Difícil apontar meus favoritos do ano. Mas listas servem pra isso mesmo: despertar curiosidade, motivar outras listas, criar polêmica. E também para dar uma ilusória sensação de ordem no meio do caos. Sigo a brincadeira do DVeras Awards de anos anteriores e aponto os top de 2015 em negrito – mas vamos combinar que Guimarães Rosa, Rubem Braga, Gabo e John Fante são hors-concours, tá? Ao final, faço um breve comentário sobre as escolhas e anuncio o campeão do ano. Boas leituras.

  1. Pacto Sinistro (Patricia Highsmith)
  2. Recado de Primavera (Rubem Braga)
  3. Tudo é eventual (Stephen King)
  4. 1933 foi um ano ruim (John Fante; releitura)
  5. Caçando carneiros (Haruki Murakami)
  6. A vida privada das árvores (Alejandro Zambra)
  7. O homem de Beijing (Hennig Mankell)
  8. El rastro de tu sangre en la nieve (Gabriel García Márquez)
  9. A zona do desconforto (Jonathan Franzen)
  10. Sensini (Roberto Bolaño)
  11. O homem que virou fumaça (Maj Sjowall e Per Wahloo)
  12. A quinta mulher (Hennig Mankell)
  13. A quiet flame (Philip Kerr)
  14. El tren (Raymond Chandler)
  15. Contos fantásticos: amor & sexo (Bráulio Tavares, org.)
  16. Noites do sertão (Guimarães Rosa)
  17. Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras (Eliane Brum)
  18. Contarlo todo (Jeremías Gamboa)
  19. Número Zero (Umberto Eco)
  20. A grande fome (John Fante)
  21. A garota na teia de aranha (David Lagercrantz)
  22. Punto de fuga (Jeremías Gamboa)
  23. F (Antonio Xerxenesky)
  24. Sobre a escrita: a arte em memórias (Stephen King)
  25. Histórias curtas (Rubem Fonseca)
  26. Sagarana (Guimarães Rosa; terceira releitura)
  27. En este pueblo no hay ladrones (Gabriel García Márquez)
  28. Sobre encontrarse a la chica 100% perfecta una bella mañana de abril (Haruki Murakami)
  29. Ódio, amizade, namoro, amor, casamento (Alice Munro)

Sobre a escrita é o relato da trajetória de Stephen King no universo da linguagem, desde a infância à consagração como um dos grandes talentos da literatura fantástica. O livro traz orientações preciosas para quem pretende escrever profissionalmente. Pode acreditar, o homem sabe do que fala. Um de seus conselhos: “Você pode abordar o ato de escrever com nervosismo, excitação, esperança ou desespero. Faça isso de qualquer forma, menos sem seriedade”. “A narrativa tem também uma parte confessional para quem busca entender os bastidores do processo criativo do autor e as dificuldades que ele enfrentou. Muito bom.

Contarlo todo, romance de estreia do peruano Jeremías Gamboa, me impressionou pela fluência com que relata a vida do jovem protagonista, morador da periferia de Lima que resolve seguir o jornalismo e depois troca a profissão pela de escritor. A sensação de não-pertencimento, a busca do sonho, a cumplicidade dos amigos, as armadilhas do amor e da solidão, ingredientes frequentes nos romances de formação, aparecem de maneira original e cativante. Devorei o livro pouco tempo depois de uma viagem ao Peru. Meu prazer com essa leitura também se deve às identificações pessoais que tive com a história – o cotidiano das redações e seus personagens me trouxeram vários flashbacks –  e ao reconhecimento de vários cenários urbanos, como os do bairro boêmio de Barranco. Em seguida, li o livro de contos dele Punto de fuga, escrito antes, que comprova sua maturidade narrativa. Recomendo ambos.

Meus desacontecimentos foi, pra mim, o grande acontecimento de 2015 em termos de leitura. A repórter e documentarista Eliane Brum narra a descoberta e fascinação precoce com as letras, que moldou toda a sua trajetória de vida. História tocante, contada com emoção, domínio do idioma e apuro estético – aliás, marcas presentes em seus textos jornalísticos e de opinião. Meus desacontecimentos é o ganhador do DVeras Awards 2015. É um livrinho bom de ler anotando. Gosto muito deste trecho, entre tantos outros: “Meu pai pouco falava comigo pela boca, mas dizia muito com os olhos. Nas andanças pelo Brasil que, muito mais tarde, eu faria como repórter, escutei de homens e mulheres das mais variadas geografias uma expressão que revela a finura da linguagem do povo brasileiro: ‘Sou cego das letras’. Era como expressavam, em voz sentida, sua condição de analfabeto. Luzia, com esse nome tão profético, arrancou meu pai da cegueira das letras. E, com ele, todas as gerações que vieram depois. E as que ainda virão. Era isso que, ano após ano, ele agradecia à beira do túmulo de Luzia. E eu escutava, com os olhos”.

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01

Jan

14

DVeras Awards 2013: séries de TV

Dezembro passou voando e já chegamos a 2014, mas ainda temos DVeras Awards. Não sou muito de ver séries de TV, mas em 2013 tive a oportunidade de acompanhar algumas de alto nível. Seus roteiros, casting e fotografia nada deixam a dever às boas produções cinematográficas. Gostei destas em especial:

4) Lilyhammer é uma divertida produção ficcional norueguesa sobre um mafioso de Nova York – interpretado pelo ator e músico Steven Van Zandt – que delata um chefão e se refugia nessa pequena cidade nórdica. A primeira temporada da série estreou em 2012 e foi vista por quase um milhão de pessoas na Noruega, um quinto da população do país. Depois de uma pausa para Van Zandt participar da turnê de Bruce Springsteen, foi gravada a segunda temporada e a terceira deve começar a ser produzida este mês. Lylehammer é a primeira série original da Nefflix, empresa americana de TV por internet. Ponto alto: as estranhezas do choque entre culturas bem distintas.

3) The Newsroom é uma série da HBO que mostra os bastidores de uma emissora noticiosa de TV a cabo. Gostei do ritmo rápido, com diálogos mordazes e inteligentes, e da representação mais ou menos fiel do estresse do jornalismo diário, com dilemas que precisam ser resolvidos de imediato e quase sempre são esquecidos no dia seguinte (a “cachaça” do jornalismo). Os episódios enfocam temas de relevância nacional (deles, americanos) e internacional, além das questões profissionais e pessoais dos jornalistas e empresários da comunicação – namoros, puxadas de tapete, alianças, chantagens, traições. Jane Fonda faz uma ponta como dona do canal.

2) House of Cards conta a história de um ambicioso congressista americano que, junto com sua mulher, faz manobras políticas escusas para passar a perna nos desafetos e conquistar o poder. Kevin Spacey está em excelente forma, destilando cinismo por todos os poros. Há uma personagem coadjuvante que vale a menção: uma jornalista que dá tudo de si pra conquistar a fonte privilegiada no Congresso e ascender na carreira. Produzida pela Netflix, House of Cards é uma adaptação de um romance homônimo e de uma série britânica.

E o campeão incontestável do ano nesta categoria é…

1) Breaking Bad. Essa história sobre um professor de química que se descobre com câncer e decide fabricar metanfetamina tem sido referida como a melhor série de TV de todos os tempos. E não sou eu quem vai dizer o contrário. Assisti do início ao fim e tiro o chapéu pro argumento, pro roteiro, pra “química” entre os atores, pra trilha sonora e pra fotografia de alta qualidade. Breaking Bad foi criada e produzida por Vince Gilligan para o canal americano AMC. Cada episódio é uma pequena obra-prima bem encadeada nos demais. Aqui e ali há algumas forçadas de barra na verossimilhança, mas a competência com que o público vai sendo conquistado ao longo da narrativa faz esses escorregões se tornarem irrelevantes. A trajetória do pacato Walter White até se transformar no temível Heisenberg fisga o espectador como os melhores folhetins vêm fazendo ao longo dos séculos (curiosidade: em Portugal a série foi traduzida como Ruptura Total). Bryan Cranston, que interpreta o protagonista, já amealhou vários prêmios. Talvez o mais expressivo tenha sido informal: uma carta enviada por Anthony Hopkins, elogiando seu trabalho e dizendo que Cranston é o melhor ator que já conheceu. Desde já, um clássico que trouxe vida inteligente às telas.

Em tempo: se você ainda não viu ou está começando a ver Breaking Bad, uma dica é acompanhar também o podcast That is Veggie Bacon, gravado por um grupo de amigos brasileiros ao longo da série pra comentar os episódios que acabaram de assistir. Muito bom.

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08

Dec

13

DVeras Awards 2013: filmes

Em 2013, vi poucos e bons filmes. Ranqueá-los é sempre um desafio. O Grande Gatsby faz justiça ao romance de Fitzgerald – e espero que leve muitos espectadores a ler o livro. Django Livre trouxe Tarantino em boa forma, mesmo que suas reiteradas homenagens e autorreferências tenham me dado a sensação de déjà vu. Gostei de A hora mais escura. Os clichês de uma história que supervaloriza o papel herói (no caso, heroína) não conseguiram estragar as partes boas, como a abordagem das torturas de prisioneiros pela CIA. O voo é bem contado e visualmente bem feito, mas escorrega pra fórmula “julgamento” e “redenção”. Bom, vamos aos finalistas. Eu veria os três novamente com o maior prazer.

3. Gravidade. História tecnicamente bem realizada sobre superação e desapego. E mais, uma aventura envolvente, de tirar o fôlego. De todos os filmes em 3D que vi até hoje, é o que melhor emprega essa tecnologia a serviço da narrativa. Conquistou seu lugar entre os clássicos sci-fi.

2. O som ao redor. Cinema de primeira qualidade, vai representar o Brasil muito bem por onde passar. Os ecos de Casa Grande e Senzala no cenário urbano recifense do século 21 fazem da obra de Kleber Mendonça Filho uma fruição preciosa. Filme fundamental pra quem quer compreender melhor o nosso país.

E o escolhido do ano é…

1. As vantagens de ser invisível. Vi numa tarde qualquer de domingo, sem grandes expectativas. E à medida que a história avançava, fiquei encantado com esse filme, que é muito mais que uma “história de adolescente americano de classe média e seus ritos de passagem para a idade adulta”. Emma Watson está soberba e o restante do elenco não deixa nada a dever. A trilha sonora é uma viagem no tempo e o roteiro foi lapidado com sensibilidade. Mais não digo, pra não estragar o prazer da sua descoberta.

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01

Dec

13

DVeras Awards 2013: livros

Chegou mais um dezembro. O blog mantém a tradição e apresenta a lista de queridinhos do ano em várias categorias. Pra quem toma contato com o DVeras Awards pela primeira vez, segue um resumo dos critérios, pelo que me lembro:

  • O único responsável pelas escolhas sou eu mesmo, ditador benevolente deste blog.
  • Em caso de empate, é utilizado o método científico do arremesso de moeda para o alto.
  • O prêmio aos contemplados é a visibilidade entre meus 17 leitores, todos formadores de opinião.
Vamos à primeira categoria: livros. Em 2013, encarei 22 livros e estou avançando em outros sete – mais que no ano anterior, menos do que eu gostaria. Nesta conta, não incluo dezenas de leituras transversais relacionadas a pesquisas de trabalho. A grande novidade do ano é o suporte tecnológico. Rendi-me ao e-book e tenho convivido com muitos livros no tablet Samsung Galaxy de sete polegadas – um formato confortável pra ler na rede, no ônibus ou numa casinha de sapê. Sem mais delongas, a lista dos contemplados é esta:
3. Vida de escritor (Gay Talese). É uma combinação de autobiografia com algumas histórias levantadas por ele que terminaram não sendo publicadas. Ou por rejeição do editor, ou porque Talese não sabia o caminho a tomar e decidiu abandonar o projeto. Ele tem fascínio por personagens anônimos e pelos que fracassam. Um resumo do posfácio de Mário Sérgio Conti: “Vida de escritor traz precisamente o que o título enuncia: um relato do calvário. … O livro não tem nada de condescendente nem conformista. Os seus assuntos são o trabalho e o fracasso. … Ao mostrar as frustrações do relato de apurar e relatar, Talese desmistifica o jornalismo”.
2. Norwegian Wood (Haruki Murakami). Uma das minhas melhores descobertas de 2013. Murakami consegue fazer uma ponte entre a cultura japonesa e a ocidental em um romance que flui como água, sem truques rebuscados de estilo. Depois do livro, vi o filme (de Tran Anh Hung) e também curti muito. Em seguida devorei a distopia 1Q84, em três volumes, e comecei Minha querida Sputnik. Uma boa síntese da narrativa de Norwegian Wood, na Wikipedia:
“No agitado Japão dos anos 60 o jovem Toru Watanabe mistura uma existência sem perspectivas às primeiras questões filosóficas e afetivas ao se envolver com a namorada de seu melhor amigo recém falecido, [com] uma estudante de ideias libertárias e [com] uma mulher mais velha. Repleto de referências pop com citações aos Beatles, Bill Evans, Miles Davis, literatura norte-americana, cinema e cultura europeia, o romance de Murakami cria um delicado – e por vezes cruel – retrato da geração que passou quebrando tabus nos anos 60 e 70 e viu todo um sonho ruim [sic; ruir, né?] nas décadas seguintes.”
E o vencedor do DVeras Awards 2013 é…
1. O sentido de um fim, de Julian Barnes. Ainda estou sob impacto desse livrinho de 160 páginas, vencedor do Man Booker Prize de 2011. As armadilhas da memória são o pano de fundo do romance. Tony Webster, um pacato sexagenário inglês, recorda os tempos de adolescência e juventude, tentando reconstituir retalhos da passagem pela escola, do relacionamento com os três amigos mais chegados, das suas primeiras experiências com mulheres. Um desencanto afetivo o acompanha e ele tenta compreender o que ocorreu, pra seguir em frente. “O que você acaba lembrando nem sempre é a mesma coisa que viu”, é uma de suas frases, mencionada na resenha da editora Rocco, que o publica no Brasil.
Este é o segundo livro de Barnes que leio – em 2001, li Do outro lado da Mancha, uma deliciosa coletânea de histórias sobre britânicos que foram viver na França. Assim como o texto do japa Murakami, o de Barnes flui sem pirotecnias, conduzindo o leitor como se cada frase fosse ligada à outra por fios invisíveis. Ao longo da leitura de O sentido de um fim, anotei trechos como estes:
“Mas o tempo… como o tempo primeiro nos prende e depois nos confunde. Nós achamos que estávamos sendo maduros quando só estávamos sendo prudentes. Nós imaginamos que estávamos sendo responsáveis, mas estávamos sendo apenas covardes. O que chamamos de realismo era apenas uma forma de evitar as coisas em vez de encará-las. O tempo… nos dá tempo suficiente para que nossas decisões mais fundamentadas pareçam hesitações, nossas certezas, meros caprichos.”
~
“Eu sem dúvida acredito que todos nós sofremos traumas, de um jeito ou de outro. Como não sofreríamos, a não ser num mundo com pais, irmãos, vizinhos e amigos perfeitos? E há também a questão, da qual tanta coisa depende, de como nós reagimos ao trauma: se o admitimos ou reprimimos, e como ele afeta a nossa forma de lidar com os outros. Alguns admitem o trauma e tentam atenuá-lo; alguns passam a vida tentando ajudar outras pessoas que foram traumatizadas; e há aqueles cuja principal preocupação é evitar sofrer mais traumas, a qualquer custo. E estes é que são cruéis, é deles que temos que nos precaver”.
~
“Naquela época, nos imaginávamos presos numa espécie de gaiola, esperando para sermos soltos na vida. E quando esse momento chegasse, as nossas vidas – e o próprio tempo – iriam se acelerar. Como poderíamos saber que nossas vidas já tinham começado, que algum benefício já havia sido obtido, algum dano já havia sido causado? E, também, que seríamos soltos numa gaiola apenas maior, cujas fronteiras a princípio seriam imperceptíveis.”

 

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