22
Jul11
Chuva nas folhas
Sou solar por natureza, mas amo a chuva desde criança. Uma das minhas primeiras lembranças é de estar pendurado na grade de um janelão que dava frente pra rua Major Codeceira, no bairro da Boa Vista, em Recife, e ficar olhando a água correr pelo meio-fio. Depois, aos cinco e seis anos, em Manaus, nunca perdia a chance de tomar banho pelado naqueles temporais tropicais que vinham e sumiam de repente, com pingos grossos de encher copo d’água. Em Natal, a Cidade do Sol, chuva é tão rara que rende até desconto pra turista em hotel. Na adolescência eu fantasiava em um dia morar num lugar onde pudesse curtir isso mais vezes, ficar em casa olhando pela janela ou curtindo um livro debaixo do cobertor. Meu desejo foi atendido em Floripa, até demais. Aqui ela vem junto com o frio e às vezes dura por dias e dias. Fininha, insistente, deixa o ar tão úmido que quase dá pra cortar com uma faca. As frutas apodrecem rápido, o guarda-roupa fica com cheiro de mofo, o chão do quintal, encharcado. Mas não consigo reclamar. Sempre dá pra encontrar beleza nesse presente que cai do céu.
19
Dec08
Tempo de reconstrução
O Valor Econômico publicou ontem minha reportagem sobre a reconstrução em Blumenau e em Ilhota depois da enxurrada. O segundo texto, sobre a visita ao Morro do Baú, foi bastante condensado. Coloquei aqui a versão na íntegra, com diversas fotos de Juliana Kroeger que também não saíram no jornal.
16
Dec08
De enxurrada, guerra, jornalismo e odores
No domingo concluí uma reportagem pro Valor Econômico sobre a pós-tragédia no Vale do Itajaí. Eu já tinha enviado o texto pro jornal e precisei atualizar o número de mortos – agora são 128, acharam o corpo de um homem em Ilhota. As cenas e o cheiro de destruição no Morro do Baú continuam voltando à memória sem pedir licença. Efeito colateral da atividade do repórter que vai a campo: o envolvimento emocional é inevitável porque a gente cria vínculos, mesmo que superficiais. De perto, o olhar e a respiração das pessoas deixam marcas.
A enxurrada em Santa Catarina tem sido comparada com freqüência a uma guerra. Minhas referências bélicas são só de livros, reportagens (lidas/vistas), filmes e relatos de colegas, mas imagino que não seja de todo descabido o paralelo. No estado de suspensão momentânea ou duradoura da vida normal, as pessoas passam a depender muito mais dos instintos. Surgem os atos de bravura e os abjetos casos de ruindade. Tudo demasiadamente humano, sem verniz. No meio disso tudo, os repórteres colocam sua subjetividade a serviço do desafio narrativo. De certa forma pode ser excitante, mas qualquer glamour que se enxergue nesse tipo de trabalho é pura ilusão.
Amigos repórteres que cobriram conflitos armados (Marcelo Spina, Fernando Evangelista) comentaram comigo sobre como é difícil conciliar a emoção com a obrigação de apurar e contar. Os profissionais reagem de diferentes maneiras às situações-limite. Existem os que se abrigam na proteção do humor ou do cinismo. Outros se fecham. Alguns se tornam viciados em perigo e desenvolvem a sensação de ter o corpo fechado, como contou uma vez o José Arbex, que nos 80 era correspondente da Folha de São Paulo na União Soviética e cobriu a guerra do Afeganistão.
Medo: quem tem, tem. Quem não tem, é porque falta um parafuso. Marques Casara me contou que sentiu o cheiro fedido do medo no próprio suor enquanto entrevistava, usando um microfone escondido, um chefe de esquadrão da morte no sertão nordestino. No Afeganistão, Yan Boechat se empolgou ao ver um tanque russo abandonado na margem da estrada. Foi até lá e percebeu, pelos gritos dos nativos, que tinha caminhado por um campo minado. Voltou pisando nos próprios passos e sabe-se lá que cheiro sentiu. Em Ramallah, na Palestina, Fernando Evangelista viu uma senhora ser abatida por um franco-atirador a poucos metros dele, e nada pôde fazer pra ajudá-la. Na Somália, a câmera filmadora de Marcelo Spina foi atingida na lente por um tiro de fuzil. Depois, a janela de seu quarto no hotel foi metralhada e ele, em choque, decidiu sair do país.
Jornalista, bombeiro, policial ou médico na emergência de hospital público, o profissional que lida com situações de tensão e risco precisa ter estabilidade emocional pra realizar o trabalho – e estômago pra suportar cheiros bem desagradáveis -, senão termina atrapalhando mais que ajudando. Cada um emprega os artifícios mentais de sua preferência pra manter a sanidade e seguir em frente. A correta avaliação do tamanho do próprio ego é uma garantia a mais de avançar sem muitos arranhões – embora, na vida, qualquer garantia deva ser vista com ceticismo. Coloco tudo na balança e acho que encarar o tédio dos trabalhos sem sentido é um desafio bem mais penoso.
16
Dec08
Mais chuva em Santa Catarina
São Pedro voltou a abrir as torneiras. Entre ontem e hoje, choveu na região da Grande Florianópolis o equivalente à quantidade de chuva de todo o mês de dezembro. Em Palhoça, no continente, 120 pessoas tiveram que deixar seus apartamentos por causa de um deslizamento de terra. Houve quedas de barreiras em várias estradas do litoral. O sul da Ilha, onde moro, mais uma vez foi bastante atingido. Pela manhã a SC-405 teve o trânsito interrompido por causa da lâmina dágua que cobria o asfalto. Algumas famílias estão desalojadas no Campeche e várias ruas, praticamente intransitáveis – a minha, por exemplo.
Meu quintal alagou de novo. Amanhã, se a água tiver baixado, o pedreiro começa as obras de contenção do muro dos fundos, que ficou abalado com a pressão das águas de novembro. Também precisamos adotar uma solução efetiva pra evitar novos alagamentos – é isso ou assumir de vez a vocação pra dono de pesque-pague. Um engenheiro conhecido nosso fez uma vistoria e recomendou alternativas, entre elas a drenagem do quintal e a construção de uma cisterna com uma bomba dágua automática. Galerias pluviais nas ruas, uma obrigação da prefeitura, ainda são uma miragem.
15
Dec08
Relatos sobre trauma e superação
A jornalista Raquel Wandelli, professora da Unisul, foi uma das companheiras de viagem ao Vale do Itajaí na semana passada. Ela escreveu dois relatos sobre os atingidos pela enxurrada: um sobre a visita ao Morro do Baú, em Ilhota, e o outro sobre o trauma da tragédia que atinge adultos e crianças. Fotos de Juliana Kroeger.
15
Dec08
Voluntários da safadeza e soldados da rapinagem
Reportagem de Edson Silva e Francis Silvy pra RBS-TV em Blumenau, com microcâmera escondida, mostra militares do Exército e falsos voluntários desviando donativos que iriam pros atingidos pelas chuvas.
13
Dec08
Especialistas falam sobre causas dos deslizamentos
Em reportagem para o portal informativo swissinfo, Geraldo Hoffmann entrevista especialistas que concluem: a causa dos acidentes ocorridos com a enxurrada em Santa Catarina não é só da mudança climática. Trecho da entrevista com a professora de Engenharia Ambiental da Universidade de Blumenau (Furb), Beate Frank:
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Beate Frank têm dados que confirmam a avaliação do especialista suíço. “As montanhas do Baixo Itajaí são muito frágeis. Elas têm entre 600 milhões de 2,4 bilhões de anos. Por causa dessa fragilidade, em grande parte, não deveriam ser ocupadas. Mas, após as enchentes de 1983 e 1984, a urbanização dos morros se acelerou. Devido à falta de planejamento e fiscalização, muitos desses locais se tornaram zonas de risco, que, em parte estão mapeadas, mas não são interditadas pelas administrações municipais.”A pesquisadora menciona ainda dois outros problemas. Desde 1983, foram feitos mapas de risco de dez cidades ao longo do Rio Itajaí-Açu. “Até agora, apenas Blumenau, Gaspar e Rio do Sul respeitam esses mapas no zoneamento urbano.”
E mais: apenas dois dos 52 municípios do Vale do Itajaí respeitam o Código Florestal, segundo o qual, ao longo de rios com até 10 m de largura, deve ser mantida uma faixa de proteção de 30 m; às margens de rios mais largos, 100 m. As imagens aéreas da catástrofe comprovam que o código é simplesmente ignorado.
“Nem as estradas federais e estaduais respeitam essa lei e, por isso, em parte, foram arrancadas pelos rios. Nossas cidades – estradas, casas etc. – estão construídas diretamente nas margens dos rios. A maioria se satisfaz com uma faixa de proteção de 5 m. Por isso, as enxurradas dos rios adjacentes causaram tantos estragos”, explica Frank.
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12
Dec08
12
Dec08
12
Dec08