Posts com a tag ‘jornalismo’

26

Jun

11

Amazônia, jornalismo e interesse público

Reproduzo abaixo a íntegra de um artigo que a jornalista Miriam Leitão publicou em sua coluna de 24 de junho no Globo. Ela se refere à recente pesquisa do Instituto Observatório Social sobre o uso de carvão ilegal e trabalho escravo na cadeia produtiva do aço. No site da Papel Social há links para versão em pdf e repercussão na mídia. Esse trabalho é continuidade de um levantamento que vem sendo realizado há sete anos. Participei de etapas anteriores, a começar pela primeira denúncia, em junho de 2004, com a reportagem Escravos do Aço, que escrevi com Marques Casara e fotos de Sérgio Vignes.

É preciso tirar o chapéu pro Casara e pro Vignes, dois repórteres na verdadeira concepção da palavra. Guardadas as proporções, cobrir pautas de direitos humanos in loco na Amazônia tem semelhança com o risco de cobrir guerras. No arco do desmatamento, impera a lei da bala. Se aprovada a criação do estado de Carajás a partir do desmembramento do Pará, o novo estado será o mais violento do Brasil. Aliás, nenhum outro país tem índice comparável ao de Carajás: 68,1 assassinatos por ano para cada grupo de 100 mil habitantes, segundo dados de 2008. Por mais que a tecnologia possa e deva ser utilizada como aliada, pautas assim não se resolvem por telefone ou pelo Google em salas climatizadas. É preciso ir lá enfrentar os mosquitos, o calor e o medo; conviver com as pessoas que vivem o medo no cotidiano.

Outro ponto a destacar é a importância desse tipo de investigação bancada pelo terceiro setor. Ela aponta a viabilidade da construção de um novo modelo de jornalismo, alinhado ao interesse público e sem os vícios da mídia hegemônica – como a cobertura declaratória, o enfoque infotainement e os escusos interesses político-econômicos. O Instituto Observatório Social (IOS), para o qual tive a honra de colaborar por cinco anos, tem acertado ao investir em reportagens independentes que abordaram temas como discriminação de mulheres, exploração de bolivianos em confecções, maquiagem de acidentes de trabalho e outras do gênero. Parceira do IOS em várias ocasiões, a ong Repórter Brasil vem desempenhando há uma década um papel indispensável na defesa dos direitos humanos, em especial no enfrentamento do trabalho escravo. A Pública, agência de reportagem e jornalismo investigativo lançada este mês, promete trilhar caminho semelhante. A partir de amanhã, vai publicar uma série de reportagens baseadas em documentos inéditos do Wikileaks sobre o Brasil.

Entre os desafios de construir um fazer jornalístico alternativo estão os modelos de financiamento – há propostas bem interessantes, veja os links deste artigo de Victor Barone no Observatório da Imprensa. Outras armadilhas são a tentação do panfletarismo e a interferência de interesses políticos em detrimento dos fatos, risco nada desprezível também entre as organizações e pessoas ditas “progressistas”. Mas isso fica pra outro post – e convido meus leitores, jornalistas ou não, que tiverem interesse no assunto a dialogar sobre ele também em seus blogs.

O artigo de Miriam Leitão:

De pacto em pacto

O crime se infiltra na Amazônia, mesmo nas instituições criadas pra combatê-lo. Os elos se misturam e fortalecem a corrente que abate diariamente a floresta. A cada reportagem, um flagrante; a cada estudo, uma nova prova do velho problema: a mistura do legal com o ilegal na cadeia produtiva vai lavando os crimes. O Brasil avança no combate, mas é mais lento que o crime.

O Observatório Social divulgou esta semana outro estudo que começou num local emblemático: Nova Ipixuna, Pará. Lá, desembarcaram em março dois repórteres, Marques Casara e Sergio Vignes. Lá, em maio, foram assassinados dois ambientalistas, José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo. Os jornalistas investigavam o crime de uso de carvão vegetal ilegal na cadeia produtiva do aço, encontraram fornos ilegais e constataram, pelo cruzamento de dados, que as siderúrgicas do Pólo de Carajás estão usando carvão ilegal. José Cláudio e Maria denunciavam o desmatamento ilegal e foram mortos depois de avisarem que estavam marcados para morrer.

O país avança; aos poucos. O progresso usa a estratégia de construir redes de constrangimento e pressão sobre os criminosos. Mas os elos da cadeia do crime têm sido persistentes e há momentos em que se pensa que eles vencerão no final.

No documento do Observatório Social, como em outros que já foram divulgados com o mesmo objetivo, há motivos para desânimo e alívio. A boa notícia é que outras investigações que mostravam a conexão entre grandes empresas e os crimes trabalhistas e ambientais acabaram provocando pactos que permitiram avanços no combate ao trabalho escravo e degradante e ao desmatamento ilegal. Foi com movimentos assim que empresários, ONGs, governos, OIT, Ministério Público assinaram o pacto contra o trabalho escravo em 2004. Ele diminuiu o número de casos; mas não acabou com o absurdo. Houve denúncia contra a soja brasileira; compradores internacionais pressionaram, foi assinada a moratória da soja. Através dela as grandes empresas do setor se comprometeram a não comprar soja de área de desmatamento recente. Houve denúncias de que os grandes frigoríficos compram rebanhos que pastam em áreas desmatadas ilegalmente. Os supermercados foram cobrados pelos consumidores. Alguns aderiram ao compromisso contra a carne de desmatamento; outros, não. O Ministério Público iniciou então a campanha da Carne Legal. Impactantes anúncios mostravam a ligação entre o prato do consumidor e a prática ilegal. Tudo isso vai empurrando o país para a legalidade, apesar de todas as forças que se unem para manter o atraso.

Há casos revoltantes de políticos impunes ou cúmplices; de atrasos inaceitáveis em julgamentos; de perseguição a funcionários do Ministério do Trabalho ou do Ibama que apenas querem que a lei seja cumprida; de denúncias do Ministério Público não levadas em conta; de empresas que fazem vista grossa porque assim reduzem o preço dos seus insumos. De vez em quando o Brasil avança.

Um desses passos à frente foi dado quando houve a primeira denúncia contra trabalho escravo e desmatamento ilegal na indústria siderúrgica brasileira. O centro do problema era em Carajás. Ainda é. Foi criado depois da denúncia sobre os “Escravos do Aço” o Instituto Carvão Cidadão. O objetivo do ICC é exigir que todas as siderúrgicas de Carajás se comprometam a não comprar carvão ilegal, e a verificar se seus fornecedores respeitam as leis trabalhistas, garantem equipamentos de proteção aos operários e usam madeira de extração legal. Houve avanços.

O Observatório Social voltou lá em março e constatou que o crime continua. Marques Casara me disse no programa Espaço Aberto, da Globonews, que algumas das siderúrgicas locais não cumprem o que elas mesmas prometeram e lavam o crime na sua produção. Como? Misturando carvão legal, cascas de babaçu e carvão produzido em fornos ilegais. Tudo misturado faz a liga do ferrogusa que depois é exportado: 90% dos produtos de siderúrgicas como a Sidepar e Cosipar são comprados por grandes consumidoras e traders de aço como a ThyssenKrupp, NMT e Nucor Corporation. Empresas que fornecem para as grandes montadoras de automóveis americanas.

A diretora de sustentabilidade do Instituto Aço Brasil, Cristina Yuan, me disse que as produtoras de ferro-gusa do Pólo de Carajás não fazem parte da associação, que reúne apenas as grandes indústrias siderúrgicas do país. Ela garante que todo o carvão usado pelas empresas do Instituto Aço Brasil vem de florestas plantadas ou de manejo. E de fato não são elas as acusadas neste estudo. Para se separar das empresas desse grupo é que o antigo Instituto Brasileiro de Siderurgia trocou o nome para Instituto Aço Brasil.

Segundo Casara, a Vale foi procurada antes da divulgação do estudo. Ela é a única fornecedora de minério de ferro para as guseiras do Pará. A empresa disse que vai investigar a denúncia. Em outros momentos a Vale assinou pactos e assumiu compromissos de só fornecer a guseiras que não usam carvão ilegal. Tomara que a Vale investigue logo. Pelos dados do relatório, como se viu na imprensa, se forem cruzados os montantes de ferro-gusa produzido com o total de carvão legal registrado fica claro que grande parte do carvão é ilegal. Só em Nova Ipixuna os dois repórteres encontraram 500 fornos ilegais.

Toda vez que uma investigação ilumina a cadeia produtiva lá encontra os elos da cadeia do crime trabalhista e ambiental. A cada empurrão o Brasil avança um pouco. Essa é a esperança.

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20

Jun

11

O aço da devastação: entrevista à CBN

Hoje cedo o jornalista Marques Casara deu entrevista a Milton Young, da rádio CBN, sobre a pesquisa O Aço da Devastação, coordenada por ele e realizada pelo Instituto Observatório Social. A pesquisa, que vai ser lançada no dia 22, mostra que siderúrgicas do Pará usam carvão produzido com desmatamento ilegal e trabalho escravo.

O carvão, utilizado para fabricar aços especiais, é “esquentado” em esquemas fraudulentos que envolvem grandes empresas e a estrutura da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. E não é de hoje. Essa fraude dura anos e é “apartidária”, diz Casara: “No governo do PT, ela cresceu muito no governo da Ana Júlia. E permanece no governo do PSDB. Ela transcende agremiações políticas. Ela sobrevive a partidos, a governos, a gestões”.

O colega jornalista faz importante menção ao papel que a Vale deverá adotar diante da denúncia. Como principal fornecedora de minério de ferro às siderúrgicas, a empresa tem a possibilidade real de contribuir com o enfrentamento do trabalho escravo e do desmatamento da Amazônia. Pode também fechar os olhos ao problema, o que seria lamentável, e nesse caso o Brasil vai continuar exportando aço contaminado por violações aos direitos humanos e agressões ambientais. Caso típico em que o termo “responsabilidade social” precisa ultrapassar a retórica vazia com que é tratado por muitas corporações.

Esse levantamento vem sendo realizado desde 2004, com a reportagem Escravos do Aço, que tive a satisfação de realizar junto com ele e o repórter fotográfico Sérgio Vignes. Pressionadas pela repercussão, um mês depois de publicada a reportagem as principais siderúrgicas brasileiras firmaram uma carta-compromisso pelo fim do trabalho escravo. Houve avanços nesses anos, mas a tecnologia de fraudes também evoluiu e o problema retorna novamente, na forma de empresas legalizadas que servem de fachada para as mutretas.

Clique aqui para ouvir a entrevista

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11

Jun

11

O desafio do parquinho de Marabá

Um causo impressionante de dois amigos e colegas de profissão, narrado pelo Marques Casara:

História do Brasil caipira:

Estava outro dia com o fotógrafo Sérgio Vignes em Marabá, sul do Pará.
Depois do jantar, Sérgio disse:
_ Tem um parquinho ali na esquina, vamos lá.
No parquinho, tinha um estande de tiro ao alvo com espingarda de pressão.
No estante, tinha um cara se vangloriando que era o tal, que atirava melhor que todo mundo, coisa e tal.
O Sérgio disse pra ele:
_ Vamos fazer o seguinte: eu vou dar seis tiros. Se eu errar um tiro, você ganha, nem precisa atirar. Mas se eu acertar todos os seis tiros, ai você precisa ao menos empatar comigo.
_ Fechado!
Sergio atirou. Acertou os seis tiros.
O cara ficou passado. Pegou a espingarda.
Acertou o primeiro, o segundo. Mas errou o terceiro.
Sérgio deu uma risada na cara dele e disse:
_ Vambora Casara, esse cara não é de nada, o dia amanhã vai ser cheio.
O cara pediu revanche.
- Revanche nada, você não é de nada.
O cara ficou puto. Ficou roxo.
Voltamos pro hotel.
Isso aconteceu em março de 2011.
Hoje, Sérgio me liga e diz:
_ Sabe o cara do parquinho, do tiro ao alvo?
_ Sei….o cara que tu esculachou.
_ Tá preso em Rondônia. É o pistoleiro que matou o lider camponês que saiu nos jornais.
_ Caralho! Sérgio! Que é isso, meu? Você desafiou um pistoleiro pra uma disputa de tiro ao alvo?
_ Desafiei… E ganhei!!!
_ E deixou o cara puto da cara, soltando fogo pelas ventas.
_ Bom, isso é por conta dele…
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29

Mar

11

Frank no objETHOS

Frank Maia OBjethos by objethos

Entrevista do Frank Maia a Carolina Dantas, do objETHOS, Observatório da Ética Jornalística, projeto da UFSC coordenado pelos professores Francisco Karam e Rogério Christofoletti.

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02

Sep

10

Impasse

JuImpasse. Doc de Juliana Kroeger e Fernando Evangelistaliana Kroeger e Fernando Evangelista lançam no dia 16 às 19h30, no auditório da Reitoria da UFSC, o documentário Impasse, sobre as manifestações dos estudantes contra o aumento da tarifa do transporte coletivo em Floripa. Eles acompanham o tema há bastante tempo e captaram os desdobramentos dessa história “em cima do lance”, com o faro e a sensibilidade de jornalistas investigativos que já cobriram situações de conflito em outros cantos do mundo, como o Líbano, a Palestina e a Turquia. Se você até agora só tomou conhecimento desse assunto por meio dos jornalis e tevês locais, vale conferir por um ângulo inusitado. A questão da (i)mobilidade urbana é um dos problemas mais sérios da nossa “Ilha da Magia” e vem sendo tratada há décadas com descaso, quando não com irresponsabilidade e coisas piores, pelo poder público. Tema da hora.

Além de cenas que não foram exibidas em nenhuma tevê, incluindo flagrantes de violência durante os atos públicos ocorridos em maio e junho de 2010, o documentário revela o que pensam usuários, trabalhadores, especialistas e empresários do transporte. Expõe as contradições e as diferenças de posição dos estudantes e dos representantes dos governos municipal e estadual.

Impasse discute ainda questões que se entrelaçam e se completam: por que a cidade se tornou um símbolo na luta pelo transporte público? O que aconteceu durante a ação da Polícia Militar na Universidade do Estado de Santa Catarina, no dia 31 de maio de 2010? Qual são os limites e os direitos dos movimentos sociais na democracia? Quais são os prós e os contras do atual modelo de transporte? Por que a mobilidade urbana é um dos grandes temas do século XXI? Existe, afinal de contas, saída para este impasse?

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07

Aug

10

Perpetuar porra nenhuma

O vizinho-amigo-colegafrila Mauricio Oliveira traz em seu blog uma boa entrevista com o Morongo, criador da Mormaii – empresa que faz roupas pra surfistas na linda Garopaba (SC). Já tive oportunidade de entrevistá-lo, faz tempo, e tive ótima impressão do cara. Gostei bastante deste trecho, que é revelador sobre o espírito com que ele toca o negócio e a vida:

Quais as preocupações que você tem tido para perpetuar essa marca, fazer com que a empresa sobreviva às próximas gerações…
Olha, isso não me preocupa muito. Porque meu filho, que é budista, já me falou da lei da impermanência. Nada é eterno. Nem nosso planeta é eterno, nem o sol, nem nada. Então não tem essa noia de perpetuar. Tem só a obrigação de fazer bem feito enquanto for. Só isso. Essa noia de perpetuar é um dos grandes erros que nós, humanos, cometemos.

Você não está preocupado em criar conselho profissional de administração, trazer executivo profissional, essas coisas?
Porra nenhuma. Profissional é a nossa atitude, como um todo. Somos extremamente profissionais. Mas, acima de tudo, estou preocupado com a qualidade de vida, minha e de quem trabalha aqui.

A íntegra das dez perguntas para Morongo está no Vida de Frila.

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06

Aug

10

Um adivinho me disse

Terminei hoje, depois de uma pianíssima leitura, Um adivinho me disse, de Tiziano Terzani, que a Lady Rasta recomendou e a Laura encontrou a preço de banana numa liquidação de livraria. É o tipo de narrativa que, quando a gente chega na última página, deseja que tivesse uma parte 2, a missão. Terzani (1938-1994), jornalista italiano que passou boa parte da vida na Ásia, conta de suas mochiladas por terra e mar no continente em 1993, depois que um adivinho o advertiu que aquele seria um ano perigosíssimo pra viajar de avião. Assim, de trem, navio, carro, riquixá, lombo de mula e a pé, ele sai de sua casa em Bangcoc para uma aventura que envolve não só a descoberta de povos e paisagens, como também um mergulho na própria existência.

Da conservadora Malásia à ditadura high-tech de Cingapura; de ilhas perdidas na Indonésia à efervescência de gente na China; das planícies mongólicas à estepe russa, ele nos convida a compartilhar belezas que, nestes tempos de turismo superficial, só os viajantes sem compromisso com o relógio têm tempo de encontrar. Pelo caminho, aproveita pra consultar os mais diversos tipos de adivinhos, alguns claramente charlatães, outros, possuidores de algum tipo de poder que os faz revelar coisas impressionantes sobre a vida dele. Há alguns momentos memoráveis de jornalismo, como o relato sobre o encontro com trabalhadores escravos acorrentados num campo cambojano, e os dias que passou no “Triângulo de Ouro” – fonte da maior parte da heroína consumida no mundo, entre Tailândia e Birmânia – como convidado do chefão do tráfico.

Terzani faz reflexões interessantes e melancólicas sobre a transformação da tradicional Ásia em uma sociedade ávida por bens de consumo, que se espelha no modo de vida ocidental e assim vai perdendo suas raízes. O livro é também uma forma de reencontro consigo mesmo. Ele revela que sofreu de depressão quando vivia no Japão, e que isso o levou a trocar um cotidiano chato e previsível pelas emoções da profissão de jornalista “on the road”. Também conta sobre sua descoberta da meditação vippasanaa (que Eliane Brum descreveu em brilhante reportagem na revista Época em janeiro de 2008), com um mestre e um assistente inusitados: um ex-agente da CIA e um general tailandês aposentado.

Um adivinho me disse foi pra mim uma espécie de continuação de jornada: em 1993, mesmo ano em que o jornalista vivia sua história, viajei a trabalho por seis países asiáticos durante três semanas. Tive conversas densas com pessoas que conheciam profundamente os países que percorri, mas o tempo foi rápido demais pra mergulhar com calma naquelas culturas. Ficou a lembrança de um impactante choque cultural e um gosto de “quero mais”. Terzani satisfez parte dessa sede com talento e sensibilidade. Só que deixou em mim outra vontade: ler outros livros dele.

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12

Jul

10

O abraço corporativo no Globo

O Globo de hoje traz reportagem de página inteira sobre O abraço corporativo, documentário do jornalista Ricardo Kauffman sobre a maneira como a mídia produz notícias sem o mínimo de checagem básica das informações. O ator que faz o protagonista é meu irmão Leonardo Camillo. Leia aqui a versão digital da matéria. O filme está em exibição no Cineclube Belas Artes da Rua da Consolação, em São Paulo.

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23

Jun

10

Frank na capa do Charge Online

Charge do Frank na Notícia, reproduzida na capa do Charge Online de hoje.

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10

Jun

10

Contra o cassetete, a pena afiada

Reproduzo na íntegra, pela relevância e urgência, este texto que o Cesar Valente publicou hoje em seu blog, De Olho na Capital, dirigido a Leonel Pavan, governador de Santa Catarina. Trata de graves e reiteradas violações ao estado de direito que vêm sendo cometidas pela Polícia Militar catarinense. Por favor, caso queiram comentar, deixem lá também um recado pro tio Cesar.

Cartinha confidencial para o governador

Prezado governador: como estou sem seu endereço de correspondência (anotei em algum lugar, mas não encontro), tomo a liberdade de enviar, aqui pelo blog, esta cartinha confidencial. Tenho certeza que os demais leitores, muito bem educados, nem tentarão ler porque, como anunciei desde o título, trata-se de mensagem particular, de circulação restrita e destinada apenas aos olhos de V. Excia.

O bonde da História, como certamente V. Excia. não ignora, nada tem a ver com o veículo leve sobre trilhos (ou metrô de superfície) com o qual seu antecessor sonhava. Esse bonde, que todo estadista e todo político de boa índole deveria morrer de medo de perder, transporta, metaforicamente, a humanidade de um degrau a outro ou de um período a outro da… História. Quando ocorre um avanço, diz-se que partiu o bonde da História. E perde o bonde aquele que continua no patamar anterior, que ficou pra trás, que não entendeu a mudança ou que nem percebeu que tudo, a seu redor, evoluía.

Vivemos hoje, em Santa Catarina, finalmente, um desses momentos em que a cidadania começa a preparar um avanço significativo. Portanto. este bilhete secreto que lhe envio, senhor governador, tem o intuito de avisá-lo, caso algum dos seus assessores ainda não o tenha feito, que o bonde da História já está no ponto e o motorneiro toca a sineta, avisando que, dentro de pouco tempo, partirá. Fique atento para não perdê-lo. A própria História registra o que tem acontecido a homens públicos que, distraídos, desatentos ou envoltos demasiadamente em sua própria soberba, perderam o bonde.

E que tipo de coisa estaria para acontecer que levaria o bonde da História a se movimentar? A compreensão, por um amplo espectro da sociedade organizada e mesmo desorganizada, de que está ocorrendo uma grave ruptura institucional, que ameaça a todos, de todos os partidos, de todas as crenças e de todas as classes sociais. E que é preciso recolocar as coisas nos eixos, para o bem de todos e felicidade geral do estado de Santa Catarina.

Sei que V. Excia é homem prático, de vida agitada e espírito dinâmico, por isso traduzirei o hermético parágrafo anterior de forma a que as coisas fiquem mais claras.

Está prevista na Constituição e em vários regulamentos, a ação policial. Assim como está prevista na Constituição a liberdade de reunião, de expressão, etc. Confrontos entre manifestantes e polícia ocorrem em todos os países, dos mais democráticos aos mais autoritários. Mas tem-se notado, e não é de hoje, nem de ontem, que ações policiais em princípio regulares, previstas e, em alguns casos, desejadas, vêm sendo marcadas por excessos que, pela repetição e sistemática semelhança, não podem mais ser atribuídas a um ou outro desvio funcional. A manifestação pública de oficiais, em claro desafio às normas constitucionais e a conivência do senhor (e de seus antecessores) que são, afinal, os comandantes da força policial estadual, está dando a entender que há grupos armados e uniformizados que estão fora do controle institucional e prontos para rasgar a constituição, se para isso forem instados por seus superiores.

No tempo da ditadura, vimos o deputado Francisco Kuster dando de dedo na cara do comandante da Polícia Militar de então, travando uma áspera discussão em torno dos episódios depois conhecidos como “novembrada”. E o deputado não foi espancado. Respeitou-se, naquele momento, o caráter institucional de um sujeito eleito pelo povo. Agora, em que pese toda a legislação democrática que nos governa, certos grupos de repressão policial não têm o menor pudor em agredir parlamentares. Com precisão cirúrgica. De tal forma que não se possa dizer que tenha sido “acidente”.

Defende-se, a força policial, com armas que causam graves ferimentos físicos, de palavras de ordem. Nem se trata da pena contra a espada. É o verbo contra a força bruta. Por menos que se goste dos jovens manifestantes do passe livre e que tenhamos restrições à sua forma de luta, é evidentemente um exagero combater gritos e palavras com cassetete, choques elétricos e balas de borracha que, a menos de 500m, causam dano semelhante às balas de metal. E zombam, os oficiais de poucas luzes, da orgulhosa tradição democrática brasileira, segundo a qual os campi são territórios autônomos, destinados à incubação de idéias e projetos, de formação e ilustração. Permitir que a polícia estadual faça incursões diárias ao campus da principal universidade federal para perseguir e punir jovens acusados de terem opinião contrária à do prefeito ou do governador, é reinstalar a polícia política que muitos de nós julgávamos extinta.

O bonde da História, portanto, senhor governador, começa a receber passageiros. Uns detestam os jovens manifestantes da tarifa, não gostam do MST, mas percebem que se esses oficiais e seus grupos de repressão não tiverem limites, nada impedirá que, mais dia, menos dia, comecem a também a ameaçá-los. Por qualquer motivo. Ou até por nenhum motivo, apenas para mostrar quem, de fato, manda no estado. Também já estão embarcando todos os que, em algum momento, ao longo dos últimos anos, foram agredidos, ameaçados ou intimidados pela polícia que deveria ser um sinal de segurança e tranquilidade para os cidadãos cumpridores das leis. E a discussão que começou a se alastrar e que terá novos e importantes passos nos próximos dias, incluirá muito mais gente. Servidores públicos, agentes políticos, líderes sindicais das mais diversas centrais, identificados com todo tipo de ideologia, policiais militares e civis (sim, sim) que vêem por dentro como está se dando esse perigoso rompimento institucional, enfim, todos os que têm olhos para ver e ouvidos para ouvir marcharão lado a lado para assegurar que se restaure o império da lei.

Seria muito saudável se o governador levasse a sério este bilhete que de engraçadinho não tem nada e procurasse se informar. Reúna, senhor governador, em um conclave discreto, o Procurador Geral de Justiça, que é tido por todos como homem sensato e correto, o presidente da OAB, reitores das universidades, e quem mais achar que seja importante ouvir. Ouça com atenção e com o espírito desarmado, para perceber que, de fato, mesmo de fontes tão descomprometidas com os protestos, emanam preocupações sérias e pertinentes. E alguma ação será necessária.

Não se trata, é claro, de reprimir a polícia e liberar a baderna, como gostam de sonhar os que fazem a apologia da violência. Trata-se, apenas de por ordem na casa. E fazer com que até mesmo os oficiais de poucas luzes percebam que ninguém está acima da lei. E que a manutenção da ordem não precisa significar a criação de um terrorismo de Estado.

É isso, então. O bonde da História vai partir. O senhor ainda tem tempo de embarcar.

Grato e ao dispor para esclarecimentos adicionais,

Cesar Valente
contribuinte/eleitor

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