Posts com a tag ‘memento’

07

Jun

10

Anotações de leitura: organizar a memória

Entre a ausência de vestígio e seu excesso, a fixação dos instantes fortes e raros transforma o tempo longo do acontecimento num tempo curto e denso: o do advento estético. Trata-se de, com longas durações, produzir emoções breves e tempo concentrado no qual se comprima o máximo de emoções experimentadas pelo corpo. Um poem bem-sucedido, uma foto expressiva, uma página que fica supõem a coincidência absoluta entre a experiênca vivida, realizada, e a recordação reativada, sempre disponível não obstante o passar do tempo. De uma viagem só deveriam restar uns três ou quatro sinais, cinco ou seis, não mais que isso. Na verdade, não mais que os pontos cardeais necessários à orientação.

Michel Onfray, Teoria da viagem, p. 53.

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25

Apr

10

The Monkees

Na série Sobe BG, que o Alexandre Gonçalves está publicando no blog Coluna Extra pra homenagear trilhas de filmes e programas de TV, ele trouxe ontem The Monkees, banda de quatro cabeludos que fazia paródias dos Beatles em um programa da NBC. Os Monkees fazem parte da trilha televisiva da minha infância. Catei no youtube esta música, I’m a Believer – os meninos me lembram aqui que é trilha do Shrek.

Minha favorita deles é Daydream Believer:

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14

Mar

10

Cartografia da memória: igarapés

João Camillo em Manaus, 1970

A foto é de 1970. Este é meu pai, João Camillo, aos 45 anos, fazendo pose em um igarapé nos arredores de Manaus. Os “banhos” – equivalentes às praias – são uma deliciosa lembrança do período amazônico de minha infância. Íamos bastante nos fins de semana. Às vezes em balneários com piscinas de água corrente e estrutura pra churrascos. Outras – minhas favoritas -, em igarapés na floresta, em acampamentos improvisados onde a comida era preparada em fogo de chão. Momentos de boêmia florestal cheios de risadas, pelo que me lembro. De vez em quando caíam uns pés d’água fortes e rápidos. Logo eram sucedidos pelo sol ardido que evaporava toda a chuva, deixando um intenso cheiro de mato. Hoje estou quase com a idade de papai nesta foto. E ele, com quase 85 – um sobrevivente, como costuma dizer. As lembranças de embaralham, algumas se esvaem, como as cores desse slide. Mas a essência delas permanece em algum lugar. Porque o vivido, mesmo que esquecido, não se apaga nunca.

p.s. 1: Foto de Sara Veras (ela se foi em 1990, mas deixou um rico legado de imagens que aos poucos estou tirando do baú e recuperando no fotoxop)

p.s. Neste post correlato que escrevi em agosto de 2006 – Os igarapés da memória -, comento um belo texto de Milton Hatoum sobre sua iniciação sexual nos igarapés de Manaus. Minha iniciação nesses riachos foi de outra natureza: a percepção da coisa antes da palavra, a sinestesia atordoante dos sentidos, o riso infantil de liberdade.

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11

Mar

10

Cartografia sonora da memória: o Rei

Em 1970, aos quatro anos de idade, eu havia acabado de chegar a Manaus com a família. Território estranho, cidade úmida, ilhada pela selva, onde tudo era novo pros meus olhos de menino praieiro recifense. Morávamos num sobrado no bairro Humaitá, perto de um riacho onde, certa vez, um menino morreu afogado. Afogamentos, descobri ali – e muito depois confirmei nos livros de Milton Hatoum – fazem parte indissociável das crônicas manauaras. Na árvore em frente de nossa casa havia um bicho muito estranho que vi pela primeira vez e depois passei anos sem encontrar de novo: um enorme camaleão. Lembro de uma vizinha, menina de cinco ou seis anos, com cabelos pretos e lisos, por quem me apaixonei. Parece que sua família se mudou em seguida, ou nós. Durou pouco e ela nunca soube.

A tevê ao vivo ainda não tinha chegado à Amazônia – acompanhamos a Copa do Mundo pelo rádio e só víamos os videotapes dos jogos um dia depois. Onipresente em todas as casas, o rádio marcava nosso dia-a-dia. Jovem Guarda e muito som dos Beatles, que tinham acabado de se separar. Tinha também uma música-chiclete chamada Maria Isabel, com o refrão assim: “Pegue a esteira e o seu chapéu/ vamos para a praia que o sol já vem”. Um belo dia – taí um clichê totalmente adequado àquele dia – meu irmão e eu ganhamos dos pais uma eletrola portátil. Junto com ela, dois discos compactos: Os Três Porquinhos, vinil vermelho vivo; e Sua Estupidez, em que Roberto Carlos tem a manha de declarar seu amor ferido e ainda chamar a amada de burra. Fiquei encantado com a letra e a voz dele. Esse compacto abriu portas pra muitos alumbramentos que a música me trouxe, apesar de eu continuar não entendendo quase nada do assunto. Mas pra gostar de música não precisa “entende”r, né?

Revivi essas lembranças ao esbarrar com dois ótimos posts: Top 5 músicas de Roberto Carlos, escrito pelo Alexandre Inagaki, e 10 músicas para começar a ouvir o Rei, pelo Doni. Sua Estupidez aparece em segundo lugar no ranking do Inagaki e em primeiro na lista do Doni – que revela ter perdido uma paquera por causa disso :) Meus talentosos ciberamigos fizeram guias de primeira qualidade pra iniciar quem ainda não teve a chance de descobrir a genialidade de Roberto. É certo que seu repertório “embregueceu” com o passar do tempo, mas as obras-primas que ele gravou o colocam num patamar superior. Prefiro não fazer um ranking, mas, da seleção deles, gosto especialmente de Canzone per Te – canção de Sergio Endrigo que ganhou o festival de San Remo de 1969 -, O Divã, O Portão e Detalhes. E você?

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11

Feb

10

Recife, 1968

Rua Major Codeceira, 1966. Álbum de família.

Mais uma foto de família que recuperei no photoshop e ajuda a reavivar lembranças. Esta deve ter sido clicada no segundo semestre de 1968 – não faço ideia da autoria. Eu no colo do pai e meu irmão André no colo da mãe, no jardim da nossa casa na rua Major Codeceira, na Boa Vista, Recife. Eu tinha quase três anos de idade e André, quase um. Papai, 43 – um ano mais novo que a minha idade atual – e mamãe, 28. Na minha imaginação, eram poderosos e infalíveis, eu me sentia completamente seguro e vivia um dia de cada vez.

Como diz Zuenir Ventura, 1968 não terminou. Daquele ano conturbado pro país, não tenho como recordar de nenhum evento histórico, mas algumas das minhas primeiras lembranças nítidas são dessa época (há fragmentos anteriores). Subir na grade da janela da frente e olhar a chuva caindo na rua; abrir a geladeira durante uma festa de carnaval, comer um pacote inteiro de azeitonas e vomitar; cair de cabeça num paralelepípedo e ganhar um galo na testa; brincar com uma cachorrinha… Lembro de muitas visitas e risadas, casa sempre cheia.

Há uma história engraçada sobre um ladrão atrapalhado que tentou levar um bujão de gás dessa casa, que já contei aqui, mas só soube depois. Outra coisa que só me contaram mais adiante foi sobre a mangueira que meus pais plantaram. Anos depois, eles passaram pela casa e viram que tinha se tornado uma árvore frondosa, como tantas outras no bairro da Boa Vista. Marchinhas carnavalescas também me trazem um eco desse tempo. Passei anos sem comer azeitonas, sem saber por quê, até que a lembrança chegou de repente. E voltei a gostar delas.

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03

Feb

10

Navegações da infância

Dauro e André no navio de Manaus a Belém 1972. Meu irmão André (à direita) e eu brincando sobre um bote salva-vidas no navio Leopoldo Peres, que descia o rio Amazonas de Manaus a Belém. Retornávamos a Recife, depois de um período de dois anos em que nossa família morou na capital amazonense. Um tempo intenso que nós, na inocência de seis e quatro anos, não conseguimos captar na totalidade (e quem consegue?). Mas intuímos nos fragmentos de conversas dos adultos, passeios de barco, cheiros de chuva, mato e frutas estranhas, reflexos de luz naquele mundo de mistérios, naufrágios e águas grandes. Arrisco dizer que muito do que sou hoje se deve às experiências vividas na infância amazônica. Manaus, na época, tinha em torno de cem mil almas – uma provinciazinha em comparação com a atual metrópole inchada de 1,7 milhão de habitantes. Os “banhos” – passeios a igarapés que nos encantavam nos fins de semana – foram engolidos pela onda urbana e estão cada vez mais distantes. Mas, na essência, a cidade continua uma ilha humana rodeada de floresta úmida e água por todos os lados. A sensação de pequenez diante do universo, de deslumbre com a enormidade da natureza, foi tão marcante que me acompanha sempre.

Uma cena que se repetiu algumas vezes na viagem me impressionava. Quando ancorávamos em algum porto, caboclinhos com a minha idade ou menos remavam em canoas até o casco do navio e pediam coisas. Os passageiros amarravam roupas, comida e dinheiro em sacos plásticos e os jogavam na água. Os meninos iam nadando como peixes e recolhiam as doações. Outra lembrança: em cima desse bote salva-vidas, ou de outro parecido, esqueci um cavalinho de borracha natural que havíamos comprado no porto de Santarém. Quando dei por mim, o bicho tinha derretido no sol forte e se transformado no que hoje me pareceria uma obra de arte conceitual. Enquanto eu enxugava as lágrimas, o navio descia a correnteza em direção ao mar, me dando as primeiras lições de transformação e impermanência. Desde então, só retornei ao Amazonas uma vez, em 1990, por alguns meses. Já tá quase na hora de ir de novo.

p.s.: Foto de Sara Veras, minha mãe, digitalizada pelo amigo Michel. O slide tinha perdido as cores originais e estava arranhado, então dei uma fotoxopada restauradora e converti pra preto e branco.

p.s.2: O navio Leopoldo Peres naufragou na década de 80, depois de uma colisão com uma fragata da Marinha.

p.s.3: Já leu Milton Hatoum? Recomendo. Literatura amazônica e universal.

p.s.4: Já contei essa história do cavalinho aqui antes, mas só por alto, sem foto. E se tem uma coisa com que não me preocupo é me repetir.

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28

Dec

09

Cartão da FofysFactory

Olha que belo cartão recebi da FofysFactory, da multiartista Carol Grilo! Criado a quatro mãos com o Ivan Jerônimo. Mexeu comigo pela criatividade e pela mensagem. A chuva de verão me desperta algumas das melhores lembranças de infância, dos dois anos que vivi em Manaus. Sim, é fato comprovado: chuva de verão refresca as ideias. Muita alegria e prosperidade à trupe da FofysFactory em 2010!

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12

Dec

09

Viagens no tempo: o curso de Jornalismo da UFSC

O Alexandre Gonçalves trouxe do fundo do baú dois vídeos que marcam os 30 anos do curso de Jornalismo da UFSC. Muito bom rever aqueles momentos, muito bom mesmo! Foram anos intensos e tenho certeza que as pessoas que compartilharam essa experiência comigo também vão sentir umas pontadas de saudade. O primeiro vídeo foi produzido pelos alunos Júlio Ettore Suriano e Laís Mezzari pra marcar os 30 anos de fundação do curso, comemorados em 2009. O outro, que copio abaixo, é de autoria dos então estudantes Felipe Seffrin e Dirceu Neto e foi exibido na abertura da 5a. Semana do Jornalismo, em julho de 2006. Agradeço a eles pela oportunidade de fazer esse mergulho na memória afetiva.

Era um tempo de privações quanto a equipamentos e espaço, mas a gente conseguia driblar a escassez e se divertia muito. Nesses corredores e salas se deu uma parte importante da formação de toda uma geração de jornalistas: debates intensos, festas loucas, experimentações de linguagem, protestos bem-humorados, risadas de corredor, descobertas de livros, filmes, sons, imagens, histórias… Contestador por natureza, o curso de Jornalismo exalava um permanente clima de paixão, que favorecia a criatividade e às vezes descambava pra brigas. Mas o que gosto de lembrar é dos momentos de alto astral coletivo, da sensação de pertencermos todos ao mesmo barco, mesmo que às vezes polarizados entre “comunicação” e “jornalismo” (um debate meio perdido no contexto de hoje, me parece). Frequentei formalmente o curso de 1986 a 1991 – e depois informalmente até 96, acompanhando a galera da Laura. Lá fiz amizades eternas com colegas e professores. Essa é a herança mais preciosa daqueles anos.

p.s.: Não faço ideia de como é o atual clima do curso, nem sou chegado a saudosismos do tipo “no meu tempo era melhor”. Cada grupo faz o seu tempo do seu jeito. Mas acho legal que o pessoal que está no Jornalismo da UFSC agora conheça um pouco dessa história, pra valorizar o presente que tem nas mãos.


Jornalismo UFSC – Viagem no Tempo from DEJOR UFSC on Vimeo.

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22

Nov

09

Álbum de família: subindo no cangote do pai

Esta foto foi tirada na praia de Boa Viagem, Recife, em 1974 ou 75, provavelmente por minha mãe Sara, que vivia clicando. Papai repetia uma das suas diversões favoritas na praia: colocar a gente pra se equilibrar em cima do cangote dele. O espetáculo era manter o equilíbrio enquanto ele ia se abaixando até deitar na areia, e continuar enquanto ele refazia o movimento e ficava em pé outra vez. Meu irmão André segura as mãos dele, apoiado pela mana Lubélia. Eu sou este do canto direito.

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20

Oct

09

Partidas: Maurice Bazin

Recebo agora de Jadna Pizzolotto, via lista Campeche, mensagem contando sobre a morte de Maurice Bazin, ocorrida ontem. Ele havia sofrido um infarto há cerca de um mês e precisou fazer cirurgia pra colocar uma ponte de safena. Mas teve complicações renais, ficou em coma induzido por uma semana e não resistiu. Parisiense nascido em 1934, físico, astrônomo e educador, Maurice era isso tudo e muito mais. Um cidadão do mundo que respeitava profundamente a cultura local dos cantos por onde viveu – entre eles, o Sul da Ilha de Santa Catarina, que muito deve ao seu trabalho. Nas palavras de uma reportagem da revista Galileu, era um “inconformista, um intelectual que demole os muros entre a população carente e o conhecimento”.

Tive a oportunidade de conviver com Maurice há uns dez anos, quando ele morava no Campeche. O agitador de Maio de 68 e das passeatas de Berkeley dedicava-se com energia a mais uma causa: a defesa do pacato bairro à beira-mar na capital de Santa Catarina, ameçado pelas ideias megalômanas dos governantes da época. Formávamos um pequeno grupo de editores voluntários do Fala Campeche, jornal comunitário  que defendia a participação democrática na construção do Plano Diretor. Nosso ativista francês dava contribuições preciosas. Inquieto, criativo, provocador, tinha uma atitude de permanente desafio ao lugar comum. Seu exemplo é uma herança importante. Ele deixa muita saudade, como acontece quando os homens sábios e generosos se despedem da vida. Espero que um dia o nome de Maurice Bazin batize uma praça, um observatório astronômico ou alguma outra instalação onde as pessoas do bairro possam se encontrar pra conviver, aprender e crescer juntas. Adeus, Maurice.

Detalhe de foto publicada no site da revista Galileu.

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