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Cartografia sonora da memória: o Rei

Em 1970, aos quatro anos de idade, eu havia acabado de chegar a Manaus com a família. Território estranho, cidade úmida, ilhada pela selva, onde tudo era novo pros meus olhos de menino praieiro recifense. Morávamos num sobrado no bairro Humaitá, perto de um riacho onde, certa vez, um menino morreu afogado. Afogamentos, descobri ali – e muito depois confirmei nos livros de Milton Hatoum – fazem parte indissociável das crônicas manauaras. Na árvore em frente de nossa casa havia um bicho muito estranho que vi pela primeira vez e depois passei anos sem encontrar de novo: um enorme camaleão. Lembro de uma vizinha, menina de cinco ou seis anos, com cabelos pretos e lisos, por quem me apaixonei. Parece que sua família se mudou em seguida, ou nós. Durou pouco e ela nunca soube.

A tevê ao vivo ainda não tinha chegado à Amazônia – acompanhamos a Copa do Mundo pelo rádio e só víamos os videotapes dos jogos um dia depois. Onipresente em todas as casas, o rádio marcava nosso dia-a-dia. Jovem Guarda e muito som dos Beatles, que tinham acabado de se separar. Tinha também uma música-chiclete chamada Maria Isabel, com o refrão assim: “Pegue a esteira e o seu chapéu/ vamos para a praia que o sol já vem”. Um belo dia – taí um clichê totalmente adequado àquele dia – meu irmão e eu ganhamos dos pais uma eletrola portátil. Junto com ela, dois discos compactos: Os Três Porquinhos, vinil vermelho vivo; e Sua Estupidez, em que Roberto Carlos tem a manha de declarar seu amor ferido e ainda chamar a amada de burra. Fiquei encantado com a letra e a voz dele. Esse compacto abriu portas pra muitos alumbramentos que a música me trouxe, apesar de eu continuar não entendendo quase nada do assunto. Mas pra gostar de música não precisa “entende”r, né?

Revivi essas lembranças ao esbarrar com dois ótimos posts: Top 5 músicas de Roberto Carlos, escrito pelo Alexandre Inagaki, e 10 músicas para começar a ouvir o Rei, pelo Doni. Sua Estupidez aparece em segundo lugar no ranking do Inagaki e em primeiro na lista do Doni – que revela ter perdido uma paquera por causa disso :) Meus talentosos ciberamigos fizeram guias de primeira qualidade pra iniciar quem ainda não teve a chance de descobrir a genialidade de Roberto. É certo que seu repertório “embregueceu” com o passar do tempo, mas as obras-primas que ele gravou o colocam num patamar superior. Prefiro não fazer um ranking, mas, da seleção deles, gosto especialmente de Canzone per Te – canção de Sergio Endrigo que ganhou o festival de San Remo de 1969 -, O Divã, O Portão e Detalhes. E você?

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2 Responses:

  1. Em 16/03/10, 21:36, Dauro Freitas disse:

    Olá xará, encontrei seu blog através do Alexandre Inagaki, vou te dizer, não sou um dos fãs do Roberto.
    Mas após ler o Top 5 do Alexandre e dar uma olhada no seu post, vou rever meus conceitos.

    Um abraço e obrigado pela contribuição.


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