A volta ao mundo em um ano: um balanço

Um ano depois, o ciclo se completa. Primos Ricardo Gomes e Renilza Violante deram uma volta ao mundo. Fui encarregado por eles de manter contato permanente e, se necessário, “buscar os presuntos”. Felizmente não precisei: no final de fevereiro, eles desembarcaram inteiros em Belo Horizonte pra curtir uma feijoada de boas-vindas. Ao longo da jornada fiz três entrevistas com o casal, que vocês podem ler aqui no blog [1, 2, 3]. Agora, eles fazem um balanço geral e dão dicas práticas pra quem pretende fazer a aventura.

Quais são os principais números dessa viagem?

38 países. Decidimos contar Escócia e Hong Kong como países, separados do Reino Unido e China, respectivamente. O primeiro, porque o povo de lá acha que é assim que tem que ser. Hong Kong porque, além de terem um regime de visto de entrada separado da China, têm uma grande independência dos chineses, embora não em termos militares. É mais ou menos um país que pertence ao outro.

130.000km (3,25 voltas na terra).

15.353 fotos. Mas como tivemos nosso computador roubado na Guatemala, 4042 delas se perderam. Felizmente as menos importantes.

Dormimos em 131 lugares diferentes, incluindo hotéis, albergues, cabanas, barracas, carro, caminhão, casas de amigos, aeroportos, aviões, ônibus e trens. Isso deu uma média de 2,93 noites por “cama”. Fizemos e desfizemos as bolsas 101 vezes.

95 litros foi a nossa bagagem durante a maior parte do percurso. Duas mochilas de 38 e uma de 19. E concluímos que poderíamos ter viajado com uma carga ainda menor.

R$112.375,21 foi o custo total da viagem, incluindo todas as passagens, hospedagens, alimentação, seguros de vida, equipamentos, despesas com a cadela que ficou aos cuidados de nossa sobrinha e da mãe de Ricardo, cursos de mergulho e hipismo, guias de viagem, enfim, este valor pagou tudo que julgávamos que foi comprado para viabilizar a viagem. Cerca de 80% deste valor esteve atrelado ao dólar, que variou de R$1,71 a R$ 2,17.

Três dicas práticas pra planejar uma volta ao mundo.

Renilza – Estudar as opções de bilhete aéreo de volta ao mundo, para quem pretende visitar muitos países. Fiz muitas simulações e, apesar da dificuldade inicial para esclarecer as dúvidas, valeu muito a pena.

Não tente conhecer o mundo todo de uma vez. A maioria dos países tem muito mais atrações do que a gente imagina e ficar mais tempo em cada país reduz muito o custo e aumenta as chances de vivenciar experiências mais autênticas e interessantes. Por mais que isso doa, corte países de sua lista e não planeje ficar menos que 15 dias em um país se quiser conhecer algo mais que atrações turísticas cheias de turistas.

Dê preferência para detalhar seus estudos prévios sobre os países mais caros da sua lista. Quando um país é barato, o custo do improviso não atrapalha tanto o orçamento total.

Ricardo – Se viajar em grupo, leve um computador por pessoa, ou celular que sirva como tal.

Armazene fotos, planilhas, textos, etc. em algum dispositivo disponível na rede para isto. Tivemos nosso PC roubado e perdemos bastante coisa. Felizmente as fotos estavam nos cartões de memória.

Além de ler tudo que for possível sobre os países que pretende conhecer, dentro do possível, procure filmes que falam sobre eles. Histórias romanceadas podem dar boas indicações sobre o povo de um lugar.

Três dicas de sobrevivência e economia.

Renilza – A primeira é carregar pouca bagagem, isso é uma dica de sobrevivência e de economia. Mesmo que for solteiro, não leve roupas e calçados só porque são bonitos ou porque você gosta. As pessoas interessantes irão se aproximar de você pelo seu comportamento, não pelas suas roupas. Escolha estrategicamente peças versáteis e leves. E não se prepare para qualquer situação. A economia que você fará carregando uma bagagem leve pagará os custos que possam ocorrer durante a viagem com aquela peça que faltou. Com uma bagagem leve, você pode se locomover mais fácil, barato e rápido, evitando assim golpes e assaltos.

Leve um bom kit de medicamentos. Neste caso, também vale escolher alguns remédios versáteis, por exemplo, um que serve pra vários tipos de dor. Nisso um médico pode ajudar muito. Vale a pena fazer uma consulta antes com um especialista em medicina do viajante ou um infectologista. Eu tive que comprar medicamentos em alguns países porque não calculei bem meu estoque, mas quase sempre precisei da ajuda de alguém. Se na sua lista tiver algum medicamento que não é muito simples, o melhor é levar quantidade suficiente para a viagem toda.

Se possível, evite começar a viagem por países caros. Você vai aprender muito sobre como economizar ao longo da viagem e um rombo logo no início pode ser fatal para seu orçamento.

Ricardo – Beba bastante água. Além disso, tenha sempre à mão comprimidos de compostos de cloro para purificação de água em situações adversas e em locais suspeitos. Já que a alimentação vai variar muito, é imprescindível que se mantenha sempre hidratado para se evitar problemas de saúde.

Se alugar carro, dê preferência a um dois volumes (como um Pálio). Esses carros dão a possibilidade de se dobrar o banco traseiro e em caso de necessidade, dormir na parte de trás do carro, que é bem melhor do que nas poltronas.

Um lugar pra onde você não faz questão de voltar e três que adoraria rever.

Renilza - Não faço questão de voltar ao Egito. Apesar de termos conhecido algumas pessoas agradáveis, foi lá que encontramos o maior número de pilantras por metro quadrado. A tentativa constante de fugir de golpes durante nossa estadia no país me cansou muito. Adoraria rever Nova Zelândia, Vietnam e Rússia. Nestes três países me senti muito bem. A Nova Zelândia é um cartão postal. Apesar de muito caro, o país é lindo, cheio de atrações diversificadas, muito bem organizado e me parece que resolveu de uma forma melhor seus problemas sociais em relação às demais ex-colônias. O Vietnam me encantou também por sua beleza, mas especialmente por sua história e seu povo. A Rússia porque tem um povo solidário, duas das cidades mais bonitas que já conheci, Moscou e São Petersburgo, e porque eu gostaria muito de fazer a transiberiana novamente, porém no inverno. Penso que deve ser lindíssimo.

Ricardo – Bulgária: pessoas pouco simpáticas e atrações não muito interessantes. Lugares para voltar:

Índia: experiências fortes. Nos pareceu um país diferente de qualquer outro. Mas reservaria mais tempo do que o disponibilizado nesta viagem. Saí de lá impressionado com quase tudo e sem entender muitas coisas. Inglaterra. Especificamente Londres. A fartura de museus de altíssima qualidade e de acesso gratuito pode manter quem gosta disso por várias semanas entretido. Palestina: apesar de estar dominada pelos israelenses, sentimos que aquele povo nunca desistirá de ser livre. Fomos muito bem tratados pelos árabes dali e espero poder voltar lá e ver que eles conquistaram sua independência, que conseguiram derrubar o muro com o qual Israel os mantém isolados e que estejam desfrutando da liberdade pela qual lutam com tanta convicção.

O que mudou de essencial na vida de vocês depois da viagem e como está sendo o retorno?

Renilza - Eu adquiri uma aversão ao consumo. Não me imagino comprando mais nada que não seja realmente necessário. A ideia de acumular coisas chega a me dar arrepios. Durante um ano, tudo o que eu tinha cabia numa mochila de 38 litros. Eu me sentia como um caramujo que pode levar sua casa para onde quiser e essa sensação era muito boa. Rever a família e amigos está sendo muito bom, mas ainda estou um pouco perdida. Ao mesmo tempo que em casa me sinto como se nunca tivesse saído, na rua ainda estranho ouvir todo mundo falando minha língua.

Ricardo – Aprendi demais sobre a história dos países e o impacto disto na formação das relações entre as pessoas. De tabela, passei a ver o brasileiro como um povo muito diferente de antes da viagem. Diria que somos nacionalistas, trabalhadores, individualistas, desonestos, violentos, alegres, provincianos. O brasileiro não tem a menor ideia da importância do nosso país no mundo e principalmente do papel que podemos ocupar no cenário mundial

O que você diria a quem sonha com essa ideia?

Renilza - Não deixe pra depois. Se não tem dinheiro, comece a juntar agora e procure adequar sua viagem às suas condições financeiras. Enquanto isso, aproveite para estudar as possíveis rotas, os países que quer visitar e outros que sobre os quais você não tem informação. Há opções para todos os bolsos. Não se preocupe tanto com o que vai ser deixado pra trás, praticamente tudo e todos estarão no mesmo lugar quando você voltar. Quem sofrerá mais mudanças será você mesmo.