02
Apr11
Recordações de Ramsés
O nome dele é Ramsés Antunes da Luz. Atualmente, psicólogo e professor universitário. Foi meu contemporâneo durante o tempo que passei no jornal O Estado no fim da década de 80 – ele como diagramador, eu como revisor e, depois, repórter de polícia e de geral. Acabo de ler a bela crônica que ele publicou no Facebook, no grupo Reencontro O Estado, e republico abaixo. Me identifiquei demais com o que ele retrata nessas linhas. Também vivi a deliciosa sensação com que ele apreciava a fauna humana do jornal. E me sentia gratificado com o aprendizado diário daquele convívio. Com a palavra, Ramsés.
Olá membros desta nostálgica comunidade. Se tiverem a pachorra de ler, apresento-lhes abaixo uma vívida crônica daqueles tempos.
No primeiro dia de setembro de 1985 fui apresentado a um mundo novo. Era quartanista de psicologia com parcos 21 anos de vida, um moleque em busca de um sentido para tudo. Burraldo, tímido, pobre e sem noção de medida. Justamente conseguira um emprego no Jornal “O Estado” (indicação do Ronaldo Paiva) para custear a vida de estudante, visto estar sozinho na ilha (apenas mais um irmão paupérrimo), recém desencilhado da família no Paraná. Virara, na marra, às custas de muito treino sobre paicas (e esporros do Heron adjuntos), um diagramador.
Primeiro emprego com carteira assinada. Salário indigno até mesmo para um estudante. Porém, para um imaturo (porém fascinado) observador do comportamento humano não era apenas qualquer Jornal, mas um espaço que trazia o deleite de reunir o maior número possível de profissionais cultos, eruditos, lidos e repletos de ideais, como eu jamais vira em minha interiorana vida. E olha que eu estudava na UFSC. Mas na Universidade Federal os intelectuais estavam dispersos e quase não dialogavam comigo. Meus doutos professores da UFSC ministravam suas teóricas aulas e iam embora. Porém, na redação não! Lá meus contagiantes “tutores” brigavam e xingavam-se mutuamente. Ajudavam-se e emocionavam-se. Juntos labutavam e, neste obrigatório espaço de convívio, discordavam e mantinham posições ideológicas. Viviam o que faziam. Idéias fresquinhas produzidas descortinavam-se perante mim. Eu não cabia em meu deslumbramento. Orgulhava-me em auxiliar, mesmo que modestamente, no meu canto, calculadora e régua em punho, aqueles “contistas” a registrar o acontecido em SC, Brasil e no mundo, cada um do seu jeito. Alguns apenas um pouco mais velhos que eu, mas todos para mim “senhores da palavra”. Era extremamente incitante às letras.
Dissonante da maioria não me importava em trabalhar nos finais de semana. Liturgia aliciante do cargo. Leitor voraz, aproveitava e lia e relia textos gostosos que diagramava… e aprendia. Mas uma aprendizagem do lado de dentro, perto de quem fabricava a narrativa. Vivendo com eles a sua vida. Aprendendo sobre a construção da informação vindo da realidade e a forma de contá-la. Comparava estilos, aprimorava meu gosto. Não poucas foram às vezes em que, curioso, indagava-os sobre assuntos que beiravam as entrelinhas da reportagem. Também foram diversos os momentos em que faltou-me a audácia necessária para ir ter com um colunista sobre uma opinião publicada da qual discordava, seja no segundo caderno, seja em economia, política ou esporte. What a fucking chicken!!! Tão rico o teria sido.
Verdinho, cultivei paixonites secretas inúmeras vezes vidrado por figuras femininas, repórteres e editoras, as quais desfilavam ante minha mesa. Para mim, representavam um ideal de mulher: um mix de intelectualidade, independência, maturidade, e feminilidade. Eu estava adolescendo tardiamente, porém da melhor maneira possível. Só na maturidade o soube.
E permaneci por lá diagramando até o dia 29 de dezembro de 1987 quando, fascínio encerrado, formei-me no curso de psicologia. E em 1989 comecei carreira docente (primeiro na UFSC e depois em outras instituições). No “O Estado” foram dois anos e pouco de contato com um ambiente intelectual fervilhante, energético, desafiador, cru, saudável, algumas vezes doído, extenuante e recompensador, o qual modelou-me de forma indelével (o período consta em meu Currículo Lattes). Estive ali por apenas dois anos, entretanto neste curto espaço de tempo fui cúmplice de histórias inenarráveis, a maioria como espectador ou mero ouvinte.
Mas saí de lá. Vida que segue. Formei-me psicólogo, mestrado na Federal e doutorado inconcluso na Califórnia. Baú trancado e jamais aberto. Talvez porque depois disto nunca mais tenha professado o jornalismo. Primeira e última vez. Tanto é que, vivendo no bairro João Paulo, obrigo-me a passar quase todos os dias pela SC 401 e confesso que não comovia-me em ver os escombros do que foi um dia foi o mais lido. Segui carreira como professor e consultor em psicologia organizacional. Uma vez apenas, de passagem pelo local, contei para minha filha de 18 anos que outrora eu trabalhara em um jornal que existia ali. “Sério, pai? Mas o que um professor de pós-graduação tem a ver com isto?”
Entretanto, eis que semana passada Paulinho Scarduelli, em um encontro casual em um avião, conta-me sobre esta seleta comunidade e da avidez de seus membros por um reencontro, mesmo que virtual. E assim, tragado pela curiosidade, tenho lido no feicebuque histórias aqui e visto fotos ali (uma minha inclusive todo de branco). Senti-me como se adentrasse num sótão empoeirado e este pequeno pedaço de vida totalmente esquecido por 25 longos anos aflorou, como se uma grande rolha de pedra tivesse sido removida. Penso que reminiscências ajudam a resgatar a nós mesmos, o que fomos e o que somos e o jeito como fomos construídos. Por esta razão exponho agora neste sábado de sol, nestas mal traçadas linhas, a minha perspectiva sobre “o mais lido”. E confesso que venho remoendo sobre aquele período esta semana toda tentando lembrar-me de faces, nomes e pequenos causos. Entretanto, lamento informar que minha memória do período abarca tão somente uns 15 ou 20 nomes. Talvez o tempo e o inconsciente trabalhem juntos. É isto! Perdoem se estendi-me em demasia.