Verticais de negócios, a cooperação que dá resultados
Dauro Veras, de Florianópolis
Em fevereiro de 2010, uma boa oportunidade de negócio ocorreu ao engenheiro Guilherme Bernard, diretor da empresa de energia Reason, de Florianópolis: criar um equipamento para organizar a infraestrutura de rede em subestações elétricas. O problema é que ele não conseguiria desenvolvê-lo sem ajuda. Procurou o colega Nestor Fernandes, da pequena empresa de telecomunicações Traceback, e lhe propôs parceria. Onze meses depois, nascia uma terceira empresa, a Link Precision, combinando as tecnologias das outras duas. O resultado da joint-venture é um produto inovador em fase final de desenvolvimento, já com cliente garantido. Quando a Link Precision passar a fabricá-lo, vai gerar novas vagas em diversos níveis, de executivo a trabalhador da linha de montagem.
Arranjos bem sucedidos como este têm contribuído para o boom do setor de tecnologia que ocorre na região de Florianópolis, cidade referida por publicações internacionais como um possível “Vale do Silício na praia”. São 550 empresas de software, hardware, equipamentos e serviços com 5.500 trabalhadores diretos e crescimento médio anual de 30%. O déficit de profissionais no setor em 2011 é estimado em 2 mil vagas, segundo pesquisa da Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate). Todo ano surgem 30 a 40 novas empresas. Suas características em comum costumam ser a origem no ambiente universitário, a passagem por incubadoras empresariais e o investimento no paradigma da cooperação.
As verticais de negócios, um modelo inovador de associativismo, têm contribuído para fortalecer o setor e abrir oportunidades de carreira. Ao se agruparem por afinidades, as empresas reduzem os custos, compartilham experiências e “pegam carona” na credibilidade do grupo para conquistar mercados. A primeira vertical nasceu em 2009, inspirada em um modelo de organização setorial do programa Softex – Associação para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro. Hoje são nove, com 101 participantes formais e 35 eventuais. As verticais se agrupam nos segmentos de agronegócio, games, segurança, educação, governo, telecom, energia, saúde e têxtil. Em outubro será criada a décima, de sustentabilidade, e está sendo formada a de mobilidade urbana. A parceria descrita no início da reportagem surgiu na Vertical de Energia, envolvendo uma empresa já consolidada no mercado, a Reason, e outra de pequeno porte, a Traceback, que está em uma incubadora.
“Aqui é um universo de estímulo ao empreendedorismo, com espaço para jovens que saibam identificar aplicações criativas para novas tecnologias”, diz o presidente da Acate, Rui Gonçalves. “É uma grande oportunidade para o aparecimento de executivos com um novo perfil – não mais o que ocupa uma ‘casinha’ já existente, e sim o que atua em unidades de negócios criadas no ambiente da inovação”. Áreas como sociologia, filosofia, psicologia e relações internacionais estão em alta. “Nossas empresas precisam de gente que entenda o comportamento das multidões, as redes sociais e para onde a sociedade está se movendo”. Há demanda por quem saiba fazer prospecção de mercados, gerentes de vendas e marketing, especialistas em compras públicas, desenvolvedores, programadores e gerentes de tecnologia.
Adriano Dias tem 47 anos e trabalha há dois e meio na Dígitro, empresa que atua com inteligência, tecnologia da informação e telecom. Graduado em engenharia e direito, há um ano e dois meses ele é executivo sênior para projetos especiais e inovação, assessorando a vice-presidência de tecnologia. Com 3.500 clientes e crescimento médio de 20% ao ano, a empresa faz, entre outros produtos, o Guardião, sistema utilizado pela Polícia Federal para gravar conversas telefônicas. Ele acompanha de perto as verticais em que a empresa participa: de governo, segurança e telecom.
Recentemente, Dias esteve na Alemanha para prospectar negócios e visitar centros de excelência em inovação. Ele observa que as verticais de Florianópolis são um primeiro passo para a construção de clusters, organizações que enfatizam a cadeia de valor inter-empresas. “Nesse novo contexto do trabalho em cadeias de valor, o executivo tem de ser um profissional mais autônomo, orientado a resultados”, ressalta. “É preciso estar preparado para trabalhar em uma linha de negócios, mais que em uma empresa; também tem de ser polivalente, possuir visão de conjunto, velocidade e capacidade de realização, isto é, tirar ideias do papel”.
A Vertical de Educação reúne 22 empresas que faturam juntas R$ 40 milhões por ano e atendem 20 mil clientes. “Temos um ecossistema bem diferenciado e complementar”, explica Sílvio Kotujanski, diretor da Complex. Um dos projetos em desenvolvimento conjunto é um modelo de Escola do Futuro: “Trabalhamos em conceitos de uso de tecnologia nas escolas e a ideia é alinhar nossas atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em prol desse modelo”. A Vertical de Games possibilitou que suas sete empresas participassem juntas com um estande na GamesCom, a maior feira de jogos eletrônicos do mundo, em Colônia, Alemanha. Outra iniciativa coletiva é o projeto de uma plataforma de jogos educativos para ensinar matemática, conta o diretor da Palmsoft, Dennis Kerr Coelho.
A dificuldade para contratar profissionais com perfil colaborativo deriva do sistema tradicional de ensino, no qual as pessoas se veem como concorrentes, reflete o gestor do projeto das Verticais na Acate, Gabriel Sant’Ana Palma Santos: “Aqui buscamos enxergar no outro uma oportunidade”. Em muitos casos, lembra ele, o executivo se transforma em empreendedor. Isso costuma ocorrer quando a empresa, por ser pequena, não consegue mais pagar o salário do colaborador e oferece participação na sociedade. A psicóloga Carolina Pizolati Farah, headhunter especializada em TI, resume as características valorizadas para a contratação de profissionais qualificados: “Criatividade, autonomia, comprometimento e capacidade de se relacionar”.
Uma versão condensada desta reportagem foi publicada na edição de novembro de 2011 da revista Você S/A, com o título “Floripa high-tech”.