Sucessão é crítica quando o sobrenome é o mesmo
Bons modelos de governança corporativa são importantes na profissionalização das empresas.
Por Dauro Veras | Para o Valor, de Florianópolis
A necessidade de equilibrar interesses familiares e empresariais tem levado cada vez mais empresas a buscar consultorias especializadas. Disputas entre os herdeiros e a dificuldade para aceitar uma administração profissional são ameaças que podem comprometer a viabilidade do negócio. Um levantamento realizado pela consultoria Dextron com mais de 300 membros de famílias empresárias na América Latina mostrou que os três principais desafios, na avaliação dos entrevistados, são o planejamento estratégico – 30% apontaram como prioridade -, a sucessão da direção (23%) e o estabelecimento de uma estrutura organizacional formal (13%).
Um dos momentos mais críticos é o da sucessão, afirma o sócio-diretor da Dextron, Celso Hiroo Ienaga: “Muitos dos herdeiros se sentem na obrigação de continuar no comando, mas não foram preparados para isso”. Ele trabalha para que os empresários familiares se conscientizem de que o negócio se tornou complexo demais e precisa se transformar para continuar crescendo. “Nas empresas que dependem de tecnologia, isso fica mais evidente”, diz. “Por exemplo, em indústrias farmacêuticas familiares que trouxeram executivos de fora para a posição de CEO, os proprietários entenderam que a velocidade da transformação tecnológica era tão forte que a família não conseguia mais dar conta”. A orientação do consultor é montar um bom plano de sucessão e criar um modelo de governança corporativa que faça sentido tanto para a família como para a companhia.
É o que ocorreu na Farben Tintas, empresa familiar que fornece produtos para os ramos moveleiro, automotivo e imobiliário, criada em 1993 em Içara, Santa Catarina. O fundador, Jayme Antônio Zanatta, 79, deu início há cinco anos a um bem sucedido planejamento sucessório. “Ele, a esposa Dilza e os quatro filhos – Edmilson, Jayminho, Edilson e Elton – chegaram com serenidade a um consenso sobre os rumos a tomar”, conta o presidente do Conselho de Administração, Edson Cichella. Três herdeiros permanecem como executivos da Farben e o quarto, Elton, cuida de outros negócios da família. As questões de propriedade e gestão foram encaminhadas com a criação de dois órgãos de governança corporativa: o Conselho de Família e o de Administração. O primeiro é integrado pelo casal e os quatro filhos, além de Cichella como conselheiro externo. O Conselho de Administração acompanha o desempenho do negócio em reuniões mensais, auxiliado por três instrumentos: o planejamento estratégico, o orçamento anual e o relatório de informações gerenciais.
“Já passamos por um período de vacas magras e, embora nem sempre compartilhemos as mesmas ideias, cultivamos um grande respeito pela opinião dos outros”, afirma Edilson Zanatta, 47. “Estamos buscando desenvolver produtos inovadores, com maior valor agregado, e nossa ideia é que, aos poucos, os acionistas migrem para um nível mais estratégico, não tanto operacional”. Cichella, com a experiência de quem participa de dez conselhos de administração em outras empresas, enfatiza que as mudanças estão ainda em fase preliminar: a Farben busca agora uma nova estrutura organizacional e uma arquitetura estratégica com horizonte de dez anos. Faz parte dessa visão de longo prazo a preparação da terceira geração de herdeiros, os nove netos de Jayme Zanatta. “Todos os sucessores têm consciência de que esse assunto vai ser tratado de forma estritamente profissional”, acrescenta. A empresa tem tido crescimento anual de 15% a 20% nos últimos cinco anos.
A Teltec, empresa de Florianópolis fundada em 1991 com foco em telecomunicações, precisou se reinventar duas vezes por causa de transformações no mercado. Nesse processo, também foi preciso lidar com sucessão familiar. Depois da privatização do setor de telefonia no país, seu fundador, Glauco Brites Ramos, resolveu mudar o modelo de negócios e em 2001 convidou três jovens engenheiros eletricistas para se associarem – um deles é seu filho Diego Ramos. A empresa passou a atuar com Tecnologia da Informação (TI). Em março deste ano, aos 64 anos, Glauco decidiu se aposentar. “Como o mercado de TI está passando por uma profunda modificação e indo para a nuvem, isso nos motivou a mudar outra vez e atuar na venda de serviços”, conta Diego, que faz questão de separar o papel de sócio da função de presidente executivo.
A Teltec Networks foi rebatizada Teltec Solutions e seu fundador passou a presidir o Conselho Administrativo, afastando-se do dia a dia. Durante um ano, os sócios contatam com o apoio de um executivo do mercado no departamento comercial. Outro avanço foi a construção de um planejamento estratégico, com a definição de metas para os próximos três anos. “Jamais chamo o Glauco de pai aqui na empresa, e ele sempre me tratou sem qualquer diferenciação em relação aos outros sócios por ser filho dele”, diz Diego. “Deixo sempre claro aos nossos 60 colaboradores que hoje estou aqui, mas amanhã, pode ser que não esteja – a Teltec tem que ser profissional, até mesmo para poder receber novos investimentos”.
Uma longa preparação para assumir a liderança
Natália Pascoali Boeira, de 29 anos, preparou-se desde criança para assumir a liderança da Hybel, indústria de bombas e motores óleo-hidráulicos localizada em Criciúma, no sul de Santa Catarina. A empresa familiar foi fundada em 1981 por seu pai, Jorge Boeira, que costumava levá-la para visitar o chão de fábrica quando havia apenas seis empregados. Aos 15 anos ela se matriculou em um curso técnico de mecânica, depois se graduou em administração e fez mestrado em estratégias empresariais. Gradativamente, passou a conhecer todos os departamentos e funções do negócio. Desde 2009, Natália é CEO, comandando uma equipe de 151 funcionários, dos quais só cinco são mulheres.
“Ser filho não é cargo”, afirma a empresária, para quem o talento é algo que se aprende. Natália conta que, ao tomar a frente do negócio, utilizou os conhecimentos adquiridos para fazer várias transformações na gestão, tornando-a mais transparente, clara e objetiva: “Antes, tudo estava na cabeça do meu pai; hoje temos mais controles: cada setor tem metas, indicadores de desempenho, e estamos implantando um sistema que vai nos dar em tempo real a eficiência de cada máquina”. As mudanças também envolveram decisões difíceis, como demissões e admissões.
Para ela, a transição foi tranquila e contou com o apoio da equipe, apesar de uma pequena resistência inicial, por ser uma atividade predominantemente masculina. Seu pai, com 58 anos, continua trabalhando na empresa duas vezes por semana, no setor de pesquisa e desenvolvimento. “Estamos nos preparando para o momento em que ele vai ser substituído como engenheiro mecânico”, diz. A empresária preferiu não criar um Conselho Administrativo, por entender que não é adequado no momento. Em vez disso, aposta no acompanhamento permanente das atividades produtivas e no diálogo aberto: “Nas nossas reuniões, a gente às vezes tem uns ‘arranca-rabos’, mas as discordâncias são bem-vindas, desde que venham com argumentos”.
Sob a gestão de Natália, a Hybel cresceu 45%. “Quando entrei, tínhamos maior demanda que oferta”, recorda. “Compramos máquinas alemãs, investimos em robôs e no treinamento de funcionários para a verticalização de processos”. Verticalizar se mostrou uma decisão acertada, pois contribuiu para diminuir o tempo entre a chegada do pedido e a entrega dos produtos, ampliando a carteira de clientes. A empresa investiu R$ 11 milhões na instalação de uma fundição de ferro e aço e R$ 2,7 milhões para trazer o processo de tratamento térmico para dentro do parque fabril. “Antes as peças eram usinadas e iam para empresas terceirizadas em Joinville ou Porto Alegre, o que representava sete dias de espera”, explica. “Com a logística facilitada, hoje é possível entregar algumas linhas em até três dias úteis”.
Em 2012 o faturamento da Hybel foi de R$ 42 milhões e a meta é elevar esse valor em 20% este ano. A empresa exporta para os setores de construção civil, rodoviário e agrícola de 15 países. Tem também uma filial em Chicago, EUA, onde atua no mercado de reposição. Natália se sente realizada com o trabalho para o qual se preparou desde menina: “Entrei pela competência e tive liberdade de escolha”.
Uma versão condensada desta reportagem foi publicada pelo jornal Valor Econômico em 28 de junho de 2013.
Fotos: Divulgação. O crédito da foto de Diego Ramos é de Michelle Monteiro. Os demais não foram informados.