Novas oportunidades para os oceanógrafos

Dauro Veras, para o Valor, de Itajaí, Penha e Florianópolis

Diretor do CTTMar/Univali, João Luiz de Carvalho. Foto: Eugênio Andreola/Coletivo Catarina

João Luiz de Carvalho, Diretor do CTTMar/Univali: "Oceanografia é um negócio de altíssima tecnologia". Foto: Eugênio Andreola/Coletivo Catarina

O curso universitário de oceanografia acaba de completar quatro décadas de existência no Brasil em um contexto bastante favorável a quem pretende seguir esta carreira. A indústria do petróleo deve gerar grande demanda por oceanógrafos nos próximos dez anos por causa da exploração do pré-sal, prevêem os especialistas. Com a ascensão do paradigma da sustentabilidade nos negócios, outro campo promissor tem sido o de licenciamento e gestão ambiental de atividades costeiras – de portos a estaleiros, de marinas à criação de mexilhões. Há oportunidades em empresas privadas, em órgãos de governo e também para o empreendedorismo.

“Os 13 cursos existentes no país formam em torno de 250 oceanógrafos por ano e praticamente todos estão sendo absorvidos pelo mercado”, informa o presidente da Associação Brasileira de Oceanografia (Aoceano), Roberto Wahrlich. “Se, durante o curso, o estudante se preocupar em fazer contatos e estágios, não fica mais que um mês desempregado depois de se formar”. Ele explica que a profissão ainda está se consolidando no Brasil: foi regulamentada há dois anos e a categoria conta hoje com 2.500 profissionais. “É pouco se pensarmos na nossa extensão costeira [9,2 mil km, incluídas as saliências e reentrâncias do litoral] e na Zona Econômica Exclusiva”.

Zona Econômica Exclusiva (ZEE) é a área de até 200 milhas náuticas ao longo de países costeiros, estabelecida em 1982 pela Convenção das Nações Unidas (ONU) sobre o Direito do Mar. Esses países têm direitos de soberania para fins de exploração, aproveitamento, conservação e gestão de recursos naturais nas águas do mar, no leito oceânico e no subsolo. A “Amazônia azul” brasileira tem 3,6 milhões de km2, área comparável à soma dos estados do Amazonas, Pará, Minas Gerais e São Paulo. Desde 2004 o país também reivindica uma área de 238 mil km2 – do tamanho do Ceará – em trechos da plataforma continental que vão além das 200 milhas. O pedido foi parcialmente aceito pela ONU e continua em negociação.

A gestão da pesca extrativa é um grande desafio para os oceanógrafos. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), 80% dos bancos de pesca mundiais estão completamente explorados e em declínio. É necessário incorporar mais conhecimento e tecnologia à atividade, para torná-la sustentável e evitar a extinção de espécies. Já na aquicultura – o cultivo de animais aquáticos em cativeiro – há grande potencial de crescimento, em especial no Brasil, pela abundância de solo, água e espaço. Em 2009 a aquicultura cresceu 43,8% no país em relação ao ano anterior, contra 5,4% da pesca extrativa – incluindo mar, rios e lagos -, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura.

Wahrlich, que também é professor de oceanografia na Universidade do Vale do Itajaí (Univali), em Itajaí (SC), destaca outro fator que favorece a profissão: “Durante muito tempo, não sobravam recursos federais para pesquisa e infraestrutura, mas de 2005 para cá houve certa evolução”, diz. Ele cita como exemplos de oportunidades o empreendedorismo na consultoria ambiental em projetos próximos a reservatórios e mananciais, emissários submarinos, recuperação de praias atingidas pela erosão e outros. Esse quadro é bem distinto do que ocorria no passado recente, quando a falta de perspectivas profissionais provocava uma fuga de cérebros. “Até a década de oitenta, a alternativa era o aeroporto”, recorda.

“O perfil do oceanógrafo hoje não é mais o daquele cabeludo que faz o dedo em V”, diz o diretor do Centro de Ciências Tecnológicas de Terra e Mar (CTTMar) da Univali, João Luiz de Carvalho. “Oceanografia é um negócio de altíssima tecnologia, que usa equipamentos de ponta e, obviamente, muitos recursos”. Para Carvalho, o desastre ambiental ocorrido em abril com o poço de petróleo da BP no Golfo do México levará a avanços científicos, pois ficou provado que a tecnologia de segurança não funcionou: “Vai haver desenvolvimento na área de gerenciamento de crise, oceanografia física e química, impactos sobre a biota e conhecimento sobre águas profundas”.

Rômulo Monteiro, estudante de Oceanografia da Univali. Foto: Eugênio Andreoli/Coletivo Catarina

Rômulo Monteiro, estudante de Oceanografia da Univali: um mês de estágio no Golfo do México. Foto: Eugênio Andreola/Coletivo Catarina

Rômulo Monteiro, 25 anos, estudante do último período de Oceanografia da Univali, vivenciou na prática o adágio chinês de que crise e oportunidade andam juntas. Logo depois do acidente da BP, ele foi indicado por seu orientador para fazer um estágio remunerado na empresa americana Coastal Planning Engineering, que participava do esforço de contenção do vazamento de óleo. O estudante passou um mês no Golfo do México – a maior parte do tempo, embarcado – ajudando geólogos e engenheiros a localizar jazidas de sedimentos para construir barreiras perto das plataformas de petróleo. “Eu queria que todos os colegas tivessem a oportunidade que tive”, comenta. “A experiência vai me abrir portas, pois fiz contato com uma empresa que pode recomendar a qualidade do meu trabalho”.

Uma das características marcantes da oceanografia é a formação interdisciplinar. O primeiro semestre do curso, mais complexo que um ciclo básico de engenharia, tem disciplinas como cálculo, física, geologia e botânica. “Oceanografia não se resume a baleias e golfinhos”, diz o professor do Centro Experimental de Maricultura da Univali, Gilberto Manzoni, contradizendo a visão romântica que muitos têm da profissão: “O estudante vai ter que mergulhar é nos livros”. O Centro Experimental transfere tecnologia de cultivo para a comunidade pesqueira de Armação do Itapocorói, no município de Penha (SC), que se organizou em uma cooperativa para explorar a atividade.

Gilberto Manzoni, professor da Univali: "O estudante vai ter que mergulhar é nos livros". Foto: Eugênio Andreola/Coletivo Catarina

Maricultura é uma das áreas promissoras para quem deseja empreender. É o caso de Bruno Righetti, 28 anos, graduado em 2006. No ano passado, ele iniciou o cultivo de 30 mil ostras e 10 mil vieiras em Penha e espera dobrar a produção este ano. Righetti complementa a renda trabalhando para a Fugro Brasil, multinacional de origem holandesa que presta serviços para a Petrobras. “Eu atuo em turnos de 14 dias no mar, em um navio de suporte a um robô que monitora atividades petrolíferas”, conta. A faixa salarial na empresa para um oceanógrafo iniciante e de cerca de R$ 3,5 mil e chega a R$ 15 mil para quem tem oito a dez anos no ramo, informa.

Criado em 27 de agosto de 1970, o curso de Oceanologia da Universidade Federal de Rio Grande (FURG), no Rio Grande do Sul, foi a primeira graduação do país nessa área de conhecimento. “Na ocasião tomou-se como referência o termo -logia da escola francesa, mas o curso segue as mesmas diretrizes curriculares dos demais”, explica o seu coordenador, Luiz Carlos Krug. O curso formou uma geração pioneira de ambientalistas, responsáveis por iniciativas bem sucedidas como o Projeto Tamar, de preservação das tartarugas marinhas. Outra referência acadêmica importante é o curso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), criado em 1977. Oferece 40 vagas anuais, com procura de 12 a 13 candidatos por vaga. “Os formandos encontram trabalho principalmente nas áreas de apoio à atividade petrolífera e ambiental”, diz o professor Hélio Vilhena.

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De estagiário a sócio

Ocenógrafo Lindino Benedet, de Florianópolis: sócio de empresa líder em simulação de processos costeiros. Foto: Divulgação

A carreira do catarinense Lindino Benedet, 33 anos, é um bom exemplo de como a oceanografia abre possibilidades a quem se especializa e quer empreender. Graduado em 2000 pela Univali, em 2001 ele foi trabalhar como estagiário na empresa americana Coastal Planning Engineering (CPE), com sede em Boca Ratón, na Flórida. Nos anos seguintes, obteve mestrado em geologia marinha, iniciou doutorado em engenharia hidráulica na Holanda e galgou posições na empresa. No final de 2007, já como assessor da presidência, concebeu um plano de negócios para abrir filial no Brasil e pediu sociedade. Sua proposta foi aceita.

“Felizmente apresentei o plano antes do ‘fim do mundo’”, brinca Benedet, referindo-se à crise financeira internacional de 2008. Hoje ele comanda os negócios da CPE no Brasil, alternando o tempo entre seu escritório em Florianópolis e as viagens para outros estados litorâneos e os Estados Unidos. Os principais clientes da CPE são corporações do setor de óleo, gás e mineração como Petrobras, Vale e EBX. A empresa é líder brasileira em simulação de processos costeiros, atividade que dá suporte à construção de portos e marinas, dragagem, licenciamento para construções e recuperação de praias, entre outras obras.

“É preciso ter músculo para concorrer nesse mercado altamente especializado, em que o risco é muito alto”, conta o empresário-oceanógrafo. “O capital de giro para tocar um negócio como o nosso tem que ser da ordem de R$ 500 mil”. Ele conta que a CPE investiu 350 mil dólares para abrir a operação no Brasil e que, com a expansão das atividades, o valor foi triplicado depois de um ano. As perspectivas são muito boas, na avaliação dele: “Se em 2008 o mundo ‘acabou’, 2010 está sendo o reinício”. Este ano a empresa esperar faturar mais de R$ 2,5 milhões com a filial brasileira. (DV)

Publicado no jornal Valor Econômico em 17/9/2010.

Fotos de Eugênio Andreola, do Coletivo Catarina de Imagem.