Iniciativa apoia 20 novatas catarinenses

Por Dauro Veras | Para o Valor, de Florianópolis

João Bernartt, fundador da Chaordic

João Bernartt, da Chaordic: sistema inovador de recomendação de produtos no comércio eletrônico já é adotado pela Saraiva, Walmart e NovaPontocom

Projetos originais de base tecnológica com potencial para gerar bons negócios vão ganhar um “empurrãozinho” em Santa Catarina. O programa de capacitação Startup SC, lançado em janeiro pelo escritório estadual do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) em parceria com o governo do estado, oferece apoio para ampliar as chances de sobrevivência desses empreendimentos. Fez parte da programação o seminário Startup Weekend, realizado no final de março em Florianópolis. Os participantes receberam consultoria sobre a viabilidade de suas ideias e tiveram a oportunidade de apresentá-las a investidores. Mais de 600 empresas já foram criadas em eventos semelhantes em 25 países, informam os organizadores. A iniciativa integra o programa Startup Brasil, que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) lançou no final de 2012.

Startups são empresas novas ou em fase de constituição, quase sempre de tecnologia, que buscam crescer rapidamente com um modelo de negócios escalável, baseado em investimentos limitados de capital e trabalho. “Vamos selecionar 20 startups e capacitá-las durante quatro meses”, diz o gestor do projeto, Alexandre Souza, do Sebrae-SC. Na pauta estão metodologias aplicadas à gestão da inovação, como Lean Startup, BM Canvas e Customer Development, e debates com empreendedores bem sucedidos. A capacitação, primeira do gênero financiada no país pelo Sebrae Nacional, é apoiada por empresas de coworking – espaços de trabalho compartilhados que enfatizam a convivência criativa.

Santa Catarina tem um ambiente promissor para o surgimento de startups, com tradição em cultura empreendedora, boas universidades e três incubadoras empresariais de primeira linha: Celta, Gene e Midi. Novos polos tecnológicos estão sendo fomentados por meio do programa InovaSC, consórcio público-privado que apoia políticas públicas de pesquisa e desenvolvimento. Na capital, 600 empresas de tecnologia faturam R$ 1 bilhão e crescem em média 20% por ano. Há postos de trabalho sobrando para profissionais qualificados. A Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) estima que, até 2015, haverá 11,8 mil vagas abertas no estado – 74% na área software.

Um dos principais obstáculos para a evolução de novos negócios de base tecnológica no Brasil é a resistência cultural à colaboração, diz Souza: “Aqui as empresas ainda se veem como concorrentes e não conversam muito. No Vale do Silício (polo de inovação nos Estados Unidos), todo dia há algum evento para troca de ideias”. Outras dificuldades são a defasagem dos currículos universitários quanto ao empreendedorismo e o pouco preparo para captar recursos. Também perde pontos quem não domina sua área ou não demonstra entusiasmo pelas próprias ideias. “Para os investidores é fundamental que o empreendedor conheça o mercado onde vai atuar e tenha aquele brilho nos olhos”, diz.

Um exemplo de startup de sucesso é a Chaordic, nascida em 2009 na incubadora Celta a partir do projeto de mestrado do engenheiro de controle e automação João Bernartt, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Em três anos, a empresa captou R$ 1 milhão em investimentos públicos e se transformou em sociedade anônima ao vender 20% de participação ao grupo DLM Invista. Seu sistema de recomendação de produtos para comércio eletrônico, baseado em inteligência artificial, teve como primeiro grande cliente a Livraria Saraiva. O resultado superou as expectativas: crescimento de 40% na taxa de conversão – razão entre os usuários que compram produtos e o total dos que acessam a loja virtual – e aumento na diversidade de produtos vendidos. Hoje a solução é utilizada por corporações como Walmart e Nova Pontocom, braço de internet do Grupo Pão de Açúcar.

O papel de incubadora também pode ser exercido pelo “investidor-anjo”, empresário que aplica recursos financeiros próprios e compartilha suas experiências em troca da participação no novo negócio. Guilherme Reitz e Leandro Baptista contaram com esse apoio nos primeiros passos de sua startup. Eles se conheceram na faculdade de administração e montaram uma empresa de máquinas e equipamentos, mas não encontravam transportadoras confiáveis com preços competitivos. Como não havia no mercado uma solução tecnológica para o problema, resolveram desenvolvê-la. Assim nasceu a Axado, cujo carro-chefe é um comparador de preços de fretes para uso gratuito na web. A diferença no valor entre os fretes pesquisados pode chegar a 100%.

“Nossa remuneração vem das transportadoras, que nos pagam uma porcentagem sobre o valor da encomenda”, diz Reitz. “Em 2011, recebemos um capital inicial de R$ 190 mil para garantir nossa sobrevivência ‘a pão e água’, como nos dizia o investidor-anjo Marcelo Amorim”. Pouco depois, os sócios conseguiram R$ 1,2 milhão do Fundo SC, gerido pela BZPlan. Hoje a Axado oferece 30 serviços e tem clientes como Gol Log, Avianca Cargo, DVA Express e Correios. A empresa se transformou em S/A e Amorim preside o conselho de administração.

Um ambiente criativo também pode fazer a diferença. Em Florianópolis, o Vilaj Coworking é uma das quatro alternativas disponíveis para quem deseja compartilhar custos com aluguel, luz, água, internet e segurança. “Basta trazer o computador, plugar na mesa e começar a trabalhar”, diz o responsável pelo espaço, Elton Miranda. O custo médio do aluguel é de R$ 450 e traz a vantagem da boa vizinhança: “Todo mundo troca experiências no dia a dia e nos eventos que promovemos”. Dentro do Vilaj nasceu a Whapp, aceleradora de negócios que apoia empreendimentos digitais. Esta, por sua vez, favoreceu a maturação da Moovia, uma rede social corporativa para gestão de projetos, criada em 2011 pelo empreendedor Rodrigo Griesi e sócios. A startup foi comparada pela Forbes ao LinkedIn por suas características inovadoras.

Investidores-anjos dão o estratégico apoio inicial

Hugo Fabiano Cordeiro, da HFPX Participações

Hugo Fabiano Cordeiro, da HFPX Participações: "Assumimos competências que os empreendedores não têm"

O investidor-anjo Marcelo Amorim, 50, traz no currículo a competência de ter fundado quatro empresas bem sucedidas de tecnologia e serviços – e vendido todas elas quando surgiram boas oportunidades. Depois da última venda, em 2009, ele passou quatro meses nos Estados Unidos fazendo cursos e investigando o fenômeno das startups. Na volta ao Brasil, começou a fazer mentoria – um processo informal de compartilhamento de conhecimento com novas empresas.

Junto com mais quatro sócios, criou a Jacard Investimentos, que atualmente participa na gestão de seis startups e está negociando o apoio a outras duas. O prazo entre o início das conversas e o último aporte de recursos costuma durar dois a três anos e tem foco na gestão do negócio, bem como na abertura de canais de relacionamento com clientes e fornecedores.

“Colocamos nossa experiência para ajudar a empresa a achar os caminhos para crescer”, diz Amorim. A Jacard leva em consideração seis pontos para definir se investe numa startup. Em primeiro lugar, se a empresa está se dedicando a resolver um problema real. Em seguida, qual é a solução desenvolvida, e por que ela é diferente. Um aspecto fundamental é o time: quem são os empreendedores – sua formação, a afinidade com a área em que pretendem atuar e as competências complementares. “Um bom time faz uma ideia média ficar boa e um mau time faz uma ideia boa fracassar”, resume. Outros aspectos determinantes são o mercado que a empresa pretende atender e a análise financeira de retorno do investimento.

Hugo Fabiano José Cordeiro tem trajetória semelhante como empreendedor até se tornar um investidor-anjo. Em 1998, criou um sistema de gestão de varejo que era inovador para a época, baseado em computação em nuvem – o armazenamento remoto de dados através da internet. No ano passado, sua empresa, já com 200 funcionários e uma sólida carteira de clientes, foi vendida a um grupo de São Paulo.

Ele então usou parte de seu patrimônio para criar, com dois sócios, a HFPX Participações. Mais que um fundo de investimentos, o negócio da companhia é a participação estratégica: “Quando vemos que uma startup é interessante e pode agregar valor, assumimos competências que os empreendedores não têm”, diz o investidor.

Com sede em Joinville, em Santa Catarina, a HFPX dispõe de pessoal especializado que faz toda a controladoria financeira, fiscal e contábil para as empresas iniciantes, de forma que estas possam reduzir custos e dedicar toda a atenção aos próprios negócios. Em alguns casos, a HFPX também assume o departamento de vendas da startup. O fundo já usou uma pequena parte dos cerca de R$ 20 milhões disponíveis para apoiar novas empresas. “Temos participação em seis startups, com cronogramas de investimentos muito pé no chão”, diz Cordeiro. “Há etapas que os empreendedores precisam cumprir para liberarmos os valores”. Assim o risco é minimizado, mas está sempre presente neste ramo de atividade, no qual o sucesso de produtos ou serviços inovadores às vezes depende de mudanças culturais. (DV)

Intercâmbio internacional aprimora empreendedores

Radamés Martini, da SocialBase

Radamés Martini, da SocialBase: "Há muita gente com ideias boas, faltam pessoas para discutir maneiras de crescer"

Gestão financeira ineficaz é uma das principais causas de mortalidade das micro e pequenas empresas. Em 2008, ao perceber as oportunidades existentes nesse mercado, Vinicius Roveda, hoje com 30 anos, criou a Conta Azul, companhia com sede em Joinville (SC). Seu principal produto é uma ferramenta de gestão online para negócios de pequeno porte. Três características diferenciam o sistema, afirma ele: simplicidade de uso, preço acessível – entre R$ 19,90 e R$ 195 – e atendimento de qualidade por meio de “encantadores de clientes”, consultores especializados que dão apoio ao usuário.

Em 2011, a Conta Azul foi uma das duas brasileiras selecionadas para participar do programa de aceleração americano da 500Startups, que oferece recursos e orientação a empreendedores de vários países do mundo em sua sede no Vale do Silício, na Califórnia.

“Aprendemos muito, fizemos diversos contatos e pudemos escolher os investidores que fariam diferença para a gente”, relata. No final de 2012, a Conta Azul conseguiu captar recursos das brasileiras Monashees Capital e Napkn Ventures e das americanas Ribbit Capital e 500Startups. Ele não revela o valor, mas diz que é suficiente para atingir a meta de 10 mil clientes pagantes até o final de 2013: “Estamos canalizando o dinheiro para reforçar o time, hoje com 15 pessoas, e trabalhar em cima da plataforma”. Entusiasta do paradigma da colaboração, o empresário informa que vai participar do programa Startup SC durante um ano, dando consultorias gratuitas: “Já sentimos na pele o que é administrar um negócio novo sem ter com quem conversar, e isso nos motiva a compartilhar o que estamos fazendo”.

Radamés Martini é outro empreendedor que teve a oportunidade de aprender em parcerias nacionais e internacionais. Em 2009, junto com os sócios André Ribas e Paulo Ross, investiu R$ 12 mil para desenvolver, com apoio de uma equipe indiana, o primeiro protótipo do SocialBase, uma intranet com funcionalidades de rede social corporativa. Lançado em maio de 2012, o produto já está sendo usado por mais de 2 mil empresas, a maioria com menos de 50 empregados. No ano passado, o SocialBase foi finalista nacional no Desafio Brasil, competição de startups de base tecnológica organizada pela Fundação Getúlio Vargas. Como prêmio, ganhou uma vaga para participar do programa de aceleração da Plug and Play Tech Center.

“Já tivemos palestras de investidores de capital de risco e advogados; agora estamos na fase de mentoria”, conta Martini, que chegou à Califórnia em janeiro e permanece até abril. Seus objetivos são buscar parceiros e validar a estratégia de marketing. O empreendedor optou por fazer investimento próprio: “Temos sido orientados a crescer organicamente e ‘casar’ o mais tarde possível com o capital de risco, pois o investidor é um sócio novo e, depois que entra, todas as decisões passam a ser tomadas pelo conselho”.

A meta da SocialBase é chegar ao final de 2013 com 15 mil empresas usuárias, entre assinantes e optantes pela versão gratuita. “Acho fantástica a iniciativa do Startup SC”, opina. “Há muita gente com ideias boas, faltam pessoas para discutir maneiras de crescer juntos”. (DV)

Publicada originalmente no jornal Valor Econômico em 28 de março de 2013. Fotos: Divulgação. As assessorias dos entrevistados não informaram os créditos de autoria.