Indústrias de móveis voltam a crescer em 2010

Dauro Veras, para o Valor, de Florianópolis

As indústrias brasileiras de móveis comemoram a retomada das vendas em 2010, depois de vários anos de dificuldades. Esse bom desempenho é focado no mercado interno e se beneficia do crescimento da construção civil: 12,5% entre julho de 2009 e de julho deste ano, o maior entre os segmentos da economia, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Também pode ser atribuído aos investimentos empresariais em tecnologia e design. Um termômetro que evidencia a recuperação é a Mercomóveis 2010, feira de móveis encerrada sexta-feira, 27, em Chapecó, no oeste de Santa Catarina.

Realizada a cada dois anos desde 1998, a Mercomóveis é um dos três maiores eventos nacionais do setor. Nesta edição, reuniu 150 expositores e teve público de 15 mil pessoas. Os participantes fecharam em torno de R$ 150 milhões em negócios, estimam os organizadores. Mais de 18 mil pequenas, médias e grandes empresas compõem o setor de móveis do país. Santa Catarina é o estado que lidera a exportação, seguido por Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná.

“O setor vinha patinando desde 2006, principalmente por causa da valorização do real”, diz o presidente da Mercomóveis 2010, Adir Kist. Entre 2008 e 2009, durante a crise financeira internacional, 80 indústrias moveleiras fecharam e 14 mil postos de trabalho desapareceram em Santa Catarina. Kist conta que as empresas tivera de dar uma guinada e se voltar ao mercado interno: “No Brasil, ao contrário de outros países, os consumidores não aceitam muito os móveis de pínus, então foi preciso se adaptar para trabalhar mais com MDF ou aglomerado, mudar o estilo dos produtos e adquirir novas máquinas”.

A Enele, movelaria com 220 funcionários instalada em São Lourenço do Oeste (SC), investiu R$ 80 mil em logística e na construção de um estande de 300 metros quadrados na feira. “Nossa participação compensa, pois temos clientes em todos os estados”, diz o proprietário, Nivaldo Lazaron Júnior. Para ele, 2010 será um ano “dois em um”, o momento de faturar em dobro, já que em 2009 a empresa não cresceu. Sua expectativa é chegar em dezembro com aumento de 12% nas vendas, que foram de R$ 28 milhões no ano passado. Até maio o faturamento já superava em 20% o mesmo período do ano anterior. A partir de 2011 o empresário estima um crescimento anual mínimo de 6%.

Concorrência forte e clientes cada vez mais exigentes têm levado as indústrias do setor a uma mudança de perfil, observa Lazaron: “Hoje as empresas que fazem painéis revestidos trocam de coleção duas vezes por ano, no mínimo, e as indústrias moveleiras precisam fazer em média um novo lançamento por mês”. Ele conta que a Enele tem hoje um setor de design permanentemente trabalhando: “Há dez anos isso quase não existia e nossa empresa foi uma das pioneiras”.

Os consumidores prioritários para a indústria moveleira são os da emergente classe C, em torno de 40 milhões de brasileiros que tiveram aumento de renda. “As fabricantes produtos modulados e populares são as que estão com maior crescimento: 18% a 20%, em comparação com os 7% a 8% da média das indústrias em 2010″, informa Osni Verona, presidente da Associação dos Moveleiros do Oeste de Santa Catarina (Amoesc) e do Sindicato das Indústrias Madeireiras, Moveleiras e Similares do Vale do Uruguai (Simovale). Ele acrescenta que a crise ofereceu às empresas a oportunidade de rever o planejamento estratégico, melhorar os produtos e investir em tecnologia. “Minha empresa, a Verona Móveis, tinha 146 empregados e precisou cortar para 98, mas hoje temos a mesma produção de antes, pois reduzimos o custo unitário”.

Um dos eventos paralelos da Mercomóveis 2010 foi o Salão de Design, que colocou empresários em contato com universitários. “Esta aproximação foi um sucesso”, conta Verona: “Trabalhamos um pouco mais a ergonomia e realizamos uma exposição inédita”. A tendência é privilegiar produtos ecologicamente corretos e formas mais atrativas. Ele cita como exemplo de melhoria proporcionada pelo design a reformulação dos roupeiros. Como a maioria das fábricas está nas regiões Sul e Sudeste, os móveis com compartimentos para guardar edredons não vendiam bem no Nordeste. Então as empresas fizeram adequações para atender esses consumidores e superaram o problema.

A Rodada Internacional de Negócios foi outro evento paralelo bem sucedido. Durante três dias, representantes de empresas de dez países fizeram reuniões com mais de 50 empresários moveleiros de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. A Rodada faz parte do Projeto Comprador, realizado pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) com apoio do Sebrae/SC, Amoesc, Simovale e co-financiamento da União Europeia. Segundo a Fiesc, têm crescido as importações realizadas por Dinamarca, Polônia e Portugal. Outros dois eventos simultâneos durante a feira foram a 1ª Mostra de Máquinas Moveleiras, que reuniu cerca de 20 fabricantes, e os Encontros Empresariais, para a atualização de informações sobre gestão dos negócios.

Empresa investe em tecnologia com recursos próprios

A Clarice Eletrodomésticos, empresa moveleira localizada no município catarinense de São Carlos, completa 50 anos de existência em setembro. Seus diretores elegeram 2010 como o ano em que farão investimentos pesados em novas tecnologias e automação. Para isso, pretendem aplicar R$ 5 milhões de recursos próprios, economizados nos últimos nove anos. Em dezembro, a empresa irá se mudar para uma nova fábrica com 6 mil metros quadrados e precisará ampliar em 20% o número de empregados, atualmente 180.

“Fabricamos 600 fogões por dia e queremos chegar a 2 mil até o final de 2011″, diz o empresário Sérgio Luiz Matte. Ele assegura que esse salto será possível, pois a empresa construiu uma boa estrutura para o crescimento sustentável: “É na época das vacas magras que se faz isso acontecer”. Atualmente, 15% da produção é exportada para Angola, Paraguai, Argentina, Uruguai e Bolívia. São principalmente fogões de quatro, cinco e seis bocas, bem como o tradicional fogão a lenha, bastante utilizado no Sul do Brasil. A Clarice investiu R$ 15 mil para participar da Mercomóveis 2010. “É um valor ínfimo em relação ao que representa estar presente em um evento deste porte em nossa região”, diz. Durante a feira a empresa vendeu 4 mil fogões.

Matte conta que a Clarice não sentiu muito o impacto da crise financeira, pois ampliou a presença no mercado brasileiro. A concorrência da China não representa problema no momento porque os fogões do país asiático ainda não foram aprovados pelas normas de segurança brasileiras, mas causa apreensão: “Hoje um fogão chinês de quatro bocas, sem o mesmo rendimento que os nossos e com alta emissão de gás carbônico, custa US$ 50, enquanto um similar brasileiro sai por US$ 75″, diz. Ele espera que a redução da carga tributária possa contribuir para a manutenção da competitividade do setor.

A isenção temporária do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), concedida pelo governo entre dezembro de 2009 e abril de 2010, ajudou na recuperação das empresas moveleiras, avaliam as entidades do setor. Mas o real continua bastante valorizado, o que dificulta as exportações. “O ideal é que o dólar estivesse em torno de R$ 2″, diz o presidente da Mercomóveis 2010, Adir Kist. Ele destaca que, em comércio internacional, é preciso levar em consideração o médio e o longo prazo. Exemplifica: “Dois importadores que participaram das rodadas de negócios nas duas últimas feiras permanecem comprando na região até hoje, e já fecharam negócios de US$ 40 milhões”. (DV)

Publicado no Valor Econômico em 30/8/2010