Fábrica da BMW estimula inovação em SC
Empresas de pequeno e médio porte investem em tecnologia, gestão e qualificação de pessoal para se beneficiar com a chegada da montadora alemã ao Brasil.
Por Dauro Veras | Para o Valor, de Florianópolis
No início de maio, tratores e escavadeiras começaram a terraplenagem em um terreno de 492 mil m² no quilômetro 66 da BR-101, principal rodovia de ligação entre o litoral de Santa Catarina e o Paraná. Para os 27 mil habitantes de Araquari, as obras anunciaram uma radical ampliação de status: além de “capital catarinense do maracujá”, o município será sede da primeira fábrica da montadora de veículos Bayerische Motoren Werke (BMW) na América Latina. Os números do empreendimento, que começa a operar em 2015, dão ideia de seu impacto. A BMW investiu 200 milhões de euros (R$ 525,4 milhões), mais R$ 240 milhões financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e planeja fabricar 32 mil veículos por ano. Nos próximos cinco anos, a receita deve chegar a R$ 20 bilhões. Estima-se a criação de mil empregos diretos e 5 mil a 10 mil indiretos. Indústrias de autopeças, componentes e serviços vão se integrar ao negócio, abrindo oportunidades para pequenas e médias empresas.
“Identificamos alguns fornecedores dos mais diversos segmentos aqui na região e no momento correto pretendemos fazer uma chamada”, diz a diretora de relações governamentais da BMW Brasil, Gleide Souza. “No setor de serviços, temos focado muito em Santa Catarina”. Para a executiva, os reflexos diretos e indiretos da instalação de uma indústria automobilística como a BMW sobre as PMEs têm, às vezes, dimensões não imaginadas: “Eu diria que o impacto é positivo não só para a região, é para o Brasil”. Alguns profissionais de nível gerencial já sendo treinados aqui e na Alemanha. Em julho começam as contratações de nível operacional. Gleide confirma que a T-Systems, empresa de TI do grupo Deutsche Telekom, já está prestando serviços para a montadora em Santa Catarina.
Com 11 escritórios e mais de 2 mil empregados no Brasil, a T-Systems mantém uma equipe de 300 pessoas em Blumenau, das quais cem falam alemão. “Fomos selecionados para adaptar o SAP (software de gestão de negócios) ao Brasil”, diz o vice-presidente para a indústria automotiva, Camilo Rubim. “Procuramos trabalhar com mão de obra e tecnologia próprias, mas, se houver novas necessidades, vamos avaliar a subcontratação de outras – por exemplo, fornecedoras de equipamentos para tecnologia RFID (sigla em inglês para identificação por radiofrequência)”. A T-Systems já contribuiu com a implantação de quatro montadoras no país: Mercedes em Juiz de Fora (MG), Volkswagen em São José dos Pinhais (PR), Man Caminhões em Resende (RJ) e GM em Joinville. Em todas, subcontratou empresas menores.
Qualificação é o principal desafio para quem quiser se beneficiar com a chegada da BMW. “O fornecimento de peças para montadoras requer uma boa estrutura de tecnologia da informação e conhecimento de programas, mas o estado ainda carece de massa crítica adequada”, pondera o diretor regional do Sindicato da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), Hugo Ferreira. Ele avalia que as PMEs mais preparadas terão a oportunidade de fornecer componentes às 12 empresas “sistemistas” que devem se instalar no entorno da montadora para fabricar freios, painéis, motor, direção e suspensão.
Com a confirmação da chegada da BMW, a necessidade de elevar a competitividade ganhou força. O programa Nova Economia@SC, parceria entre a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico Sustentável (SDS) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), prevê investimento de R$ 74,8 milhões em projetos de desenvolvimento até julho de 2014. Um deles, o de Polos Industriais, visa elevar os padrões de gestão de 2.400 MPEs em 47 polos setoriais, que abrangem 12 setores da indústria. “Nosso foco é em inovação, eficiência e resultados”, diz o secretário de Desenvolvimento Sustentável Paulo Bornhausen. “Já temos indicadores de que acertamos o caminho: uma pesquisa com 1.500 participantes mostrou que elas se tornaram 10% mais competitivas que as que não aderiram ao programa”.
Santa Catarina e a BMW faziam contatos desde 1997, mas o diálogo era prejudicado pelas turbulências da economia mundial e brasileira. Bornhausen coordenou a negociação com a empresa durante dois anos e cinco meses até se concretizar o “casamento”. A decisão da vinda se baseou em quatro fatores-chave, enumera o secretário: os portos; a qualificação da mão de obra; a receptividade do estado quanto a uma parceria de compromissos; e o projeto Nova Economia, de longo prazo. “A BMW tem uma política de gestão territorial integrada, o que, ao longo do tempo, irá favorecer os fornecedores locais”, afirma. Ele enfatiza o aspecto ‘ganha-ganha’, pois a indústria irá devolver todo o incentivo tributário em até oito anos. O “efeito BMW” já é perceptível em outras áreas. Uma empresa do setor aeronáutico iniciou sondagens para se instalar no estado, revela o secretário de Assuntos Internacionais, Filipe Mello.
“A BMW é uma loja-âncora para Santa Catarina”, resume o presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau, Jorge Gerdau Johannpeter: “Qualidade se junta com qualidade”. O empresário presta consultoria ao governo catarinense no projeto Gestão Municipal da Nova Economia, lançado no dia 21 com a presença da representante da BMW. Oito municípios se associaram para aplicar os princípios da administração privada na busca de eficiência da máquina pública, por meio do aumento da capacidade de investimentos e da melhoria da gestão. Um dos participantes do consórcio é Araquari, que pretende investir forte em educação. Aprender inglês virou uma das prioridades locais. “A ideia é formar 400 pessoas na comunidade e isso já está acontecendo nas empresas”, diz o vice-prefeito Clenilton Pereira.
A nova fábrica ficará a apenas 25 quilômetros da maior cidade do estado, Joinville, que concentra em seu entorno mais de mil empresas do setor metal-mecânico e é referência nacional em indústrias de ferramentaria e usinagem. O parque plástico catarinense, segundo maior do Brasil, também deve ter benefícios, opina o presidente do Sindicato da Indústria de Material Plástico de SC (Simpesc), Albano Schmidt, mas ele ressalva: “As empresas vão ter de buscar tecnologia, porque são voltadas principalmente para a construção civil”.
Nos últimos meses, o valor do metro quadrado dos terrenos nas imediações da futura fábrica subiu 20% e a tendência é aumentar, informa José Carlos Trossini, do grupo de investimentos imobiliários Taroii. Também há forte procura por imóveis urbanos. Enquanto comemoram as transformações, os moradores da pacata Araquari tentam conciliar tradição e modernidade. Os cartazes promocionais da 11ª. Festa do Maracujá, realizada em abril, convidavam o público com este slogan: “Araquari cresceu, mas o sabor continua o mesmo”.
Empresas investem em qualificação e infraestrutura
Diversas indústrias catarinenses fornecem produtos para montadoras de veículos. Em São Bento do Sul, a Tuper, uma das maiores processadoras de aço do país, fabrica sistemas de exaustão para Daimler Chrysler, Fiat, Ford, Honda e Volkswagen, entre outras. Em Navegantes, a americana Lear faz chicotes elétricos e bancos automotivos para a GM. A multinacional já fornece à BMW equipamentos eletrônicos a partir de sua unidade de Rabat, no Marrocos. Em Timbó, a Rudolph Usinados vende peças para GM, Mercedes e Renault. A possibilidade de conquistar mais um grande cliente motiva o empresariado a investir em inovação tecnológica, qualificação de pessoal e infraestrutura. Este ano, a Rudolph pretende alocar 7% da receita líquida, projetada em R$ 55 milhões, em novas máquinas e ferramentas para agilizar a produção e aumentar a qualidade.
A Jofund S/A, que fornece discos de freio da marca Freemax para a Suzuki e a Mitsubishi, está investindo R$ 15 milhões na construção de uma nova divisão de usinagem. Assim pretende evitar gargalos produtivos, ampliar a capacidade de armazenamento e modernizar a produção, que deve chegar a 4,2 milhões de discos em 2013, 11% a mais que no ano passado. Entre as credenciais que a empresa joinvilense apresenta, incluem-se 27 anos experiência no ramo, tempo em que fabricou 45 milhões de discos de freio; filiais na Alemanha e Argentina, e clientes em 15 países. “Ainda não fomos consultados, mas queremos estar prontos”, diz o gerente comercial Eder Borin. “Estamos participando de outras cotações com a Renault e a Hyundai e pretendemos iniciar um processo de qualificação para ver se precisaremos de novas melhorias”. O tempo médio para certificar um fornecedor é de um ano, entre a negociação, testes e visitas.
Quando o assunto é inovação, tamanho é um detalhe pouco relevante. A Photonita, instalada há dez anos no polo tecnológico de Florianópolis, fabrica máquinas especiais de medição baseada em óptica. Sua lista de clientes inclui GM, Fiat, Ford e Mercedes. A empresa tem uma equipe de apenas 12 pessoas – metade delas, doutores. Cresce 25% ao ano e fatura R$ 1,5 milhão com negócios que abrangem petróleo e gás, segurança pública e indústria automotiva. Sua principal contribuição para as montadoras é o Brunitest, equipamento utilizado para controle da qualidade dos ângulos de cruzamento nas áreas internas de cilindros para combustão, bombas, compressores e componentes hidráulicos. Os ângulos estão relacionados à correta lubrificação do motor, que assegura a redução do consumo de óleo, do ruído e da poluição. A máquina tem aplicações tanto na linha de produção como na engenharia experimental.
“Espero que a BMW compre da Photonita, pelo mesmo motivo que as outras empresas compram: porque nosso equipamento é melhor”, diz o diretor de negócios Carlos Aurélio Pezzotta, engenheiro mecatrônico formado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A Photonita está vinculada ao Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), incubadora empresarial da Fundação Certi, uma instituição de tecnologia aplicada à inovação, com mais de mil clientes. Entre os serviços prestados pela Certi ao setor automotivo, incluem-se medição e calibração de instrumentos, ensaios de robôs, inspeção estrutural por tomografia computadorizada industrial, treinamentos de métodos estatísticos para garantia da qualidade e consultoria para análise de sistemas.
Empresas do oeste do estado também pretendem se credenciar como fornecedoras da BMW. “Vamos investir em tecnologia avançada para garantir a alta qualidade dos produtos, e na implantação de processos de melhoria contínua como 5S e as ISOs”, diz Belino Dal Magro, diretor da IDM Escapamentos, empresa com 70 empregados localizada em Xanxerê. “Também há a possibilidade de investimento na expansão no nosso parque fabril”.
SC terá instituto de referência em tecnologia laser
A partir de 2014, Florianópolis vai ganhar duas novas instituições de formação tecnológica avançada para promover o aumento da competitividade da indústria. Com investimentos previstos de R$ 53,6 milhões, o Instituto Senai de Inovação em Tecnologia Laser e o Instituto Senai de Sistemas Embarcados têm como meta transformar o estado em referência nacional nessas áreas. Ambos vão operar em cooperação com a Sociedade Fraunhofer, da Alemanha, e com o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos. Eles atenderão oito áreas de conhecimento: produção, materiais e componentes, engenharia de superfícies e fotônica, microeletrônica, tecnologia da comunicação e da informação, tecnologias construtivas, energia e defesa.
A iniciativa faz parte do Programa Senai de Apoio à Competitividade Industrial, lançado em 2011 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que prevê a construção de 23 Institutos Senai de Inovação (ISI) no país. Cada instituto será especializado em uma área de conhecimento. O atendimento às indústrias do país se baseia no conceito de redes de inovação, que abrangem os 63 institutos Senai de tecnologia e parcerias com empresas. Em Santa Catarina, as instituições integram um programa do Sistema Federação das Indústrias (Fiesc) que prevê investimentos de R$ 330 milhões até 2014 para atender as áreas de pesquisa e desenvolvimento, educação profissional e educação básica. As aplicações do laser incluem não só a indústria automotiva, como também a exploração petrolífera no pré-sal, as indústrias hospitalar, aeronáutica e de defesa. Formar profissionais e desenvolver conhecimento na área tem caráter estratégico, pois hoje, 95% da tecnologia a laser utilizada no Brasil é importada.
A Welle Laser, uma S/A de capital fechado com 32 colaboradores e sede em Florianópolis, pretende se credenciar como fornecedora da BMW. Líder nacional rastreabilidade industrial por meio de marcação de autopeças com laser, foi uma das 50 empresas brasileiras que mais cresceram em 2012, segundo a consultoria Deloitte: 400% em relação ao ano anterior. Em 2013, a meta é crescer 165% e faturar R$ 10,5 milhões. Sua expansão acelerada veio com o despertar das indústrias sobre a importância da rastreabilidade para controlar a origem nacional das autopeças – uma das contrapartidas das montadoras para se credenciar ao desconto de até 30 pontos percentuais no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis fabricados no Brasil, conforme o novo regime automotivo Inovar-Auto.
Atualmente, 70% da carteira de clientes da empresa são do segmento de autopeças, entre eles a Mahle, que faz pistões e braços de direção; a TRW, fabricante de freios, válvulas, mecanismos de direção e cintos de segurança; a IKS (cabos) e a Borgwarner (turbos e termoventiladores). Estas, por sua vez, fornecem para as grandes montadoras. “Todos os braços de direção de carros da Fiat, por exemplo, são marcados a laser de forma permanente com o nosso equipamento com um número serial, e não por lote, o que facilita o controle”, diz o presidente Rafael Bottós. Ele criou a empresa junto com o irmão Gabriel após morarem dois anos e meio na Alemanha. Lá eles trabalharam na Fraunhofer, maior organização de pesquisa aplicada da Europa, a mesma instituição que está dando assessoria ao Brasil para estruturação do centro de referência.
A Welle Laser vai oferecer à BMW uma tecnologia inovadora de soldagem, que agrega velocidade, economia de eletricidade e qualidade ao processo industrial. “Estamos até estudando a possibilidade de mudar nossa sede de Florianópolis para a região de Joinville, para melhor atender as empresas instaladas e que vão se instalar por lá”, conta Bottós. Ele também preside, na Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate), a recém-criada Vertical de Manufatura, um grupo que de 15 empresas que atuam nas áreas de software, sistemas embarcados e rastreabilidade. A proposta da Vertical é oferecer à indústria automotiva um “pacote completo” com soluções integradas. (DV)
Uma versão condensada desta reportagem foi publicada pelo jornal Valor Econômico em 31 de maio de 2013.
O crédito da foto de Gleide Souza é de Michelle Nunes. As outras duas são de divulgação, com crédito não informado.