Cultura da inovação eleva a produtividade

Por Dauro Veras | Para o Valor, de Florianópolis

Priorizar o investimento em pesquisa e inovação é fundamental para que o Brasil eleve a produtividade, estagnada há três décadas. Essa guinada estratégica demanda a reinvenção dos atuais modelos de gestão pública e privada, assim como da estrutura educacional, do processo produtivo e das formas de engajamento dos trabalhadores. Economistas, empresários e pesquisadores ouvidos pelo Valor avaliaram vários aspectos relacionados ao problema e apontam caminhos para enfrentá-lo. A aposta no design, a redescoberta do significado do trabalho e os programas de qualificação profissional têm despontado como ferramentas importantes para as empresas superarem dificuldades.

Gustavo Fanaya, economista-chefe do IBQP

Gustavo Fanaya, economista-chefe do IBQP

“Inovação é uma cultura de abertura a processos criativos que levam a alguma vantagem em eficiência, nem sempre material”, resume o economista-chefe do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), Gustavo Fanaya. Para ele, o país precisa avançar muito na gestão privada e pública. O tradicional modelo matricial inspirado na hierarquia militar, em que a base é excluída decisões, tende a fazer com que as organizações declinem. Já o modelo de empresa “projetizada” organiza grupos de trabalho de alto desempenho, com autonomia para criar, prazos definidos e metas claras. Fanaya também defende um “choque tecnicista” que complemente o ensino formal: “Há muita gente com escolaridade alta, mas inapta às novas funções do mercado de trabalho”. Essa capacitação técnica, ressalva, não prescinde de um bom ensino fundamental, médio e superior, pois exige domínio de matemática básica, raciocínio lógico e conhecimento da língua.

José Pastore, professor da USP

José Pastore, professor da USP

“Nossas escolas, na melhor das hipóteses, preparam os alunos para passar nas provas; poucas preparam os alunos para pensar”, comenta sociólogo José Pastore, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP). Ele adverte que o descompasso entre o aumento do custo do trabalho e a estagnação da produtividade é uma armadilha que pode comprometer o futuro do país. Entre as medidas que o governo deveria adotar, a seu ver, estão o investimento forte em pesquisa e inovação, a exemplo do que tem feito a Coreia do Sul; a simplificação da legislação trabalhista e a eliminação da burocracia que dificulta a importação de talentos. “Além dos problemas crônicos, temos também desleixos recentes, como a lei de 2011 que criou o Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego)”, critica. “Na contramão da História, o governo passou a tributar as empresas que investem em educação”.

Inovar na gestão inclui o reconhecimento de que, num contrato de trabalho, o salário não é a única moeda de troca. “Significado gera engajamento”, afirma Thiago Gonçalves, diretor de operações no Brasil da GoIntegro, empresa de origem argentina que administra uma rede de convênios de benefícios para 250 clientes corporativos na América Latina. “Nosso foco é um conjunto de soluções para engajamento dos funcionários em um modelo de comunicação mais aberto, que permite ao gestor conhecer o colaborador e recompensá-lo de forma adequada”, explica. “O objetivo é fortalecer a identificação dos trabalhadores com a organização, o que se traduz em mais eficiência e melhores resultados”.

Glauco José Côrte, presidente da Fiesc. Foto de Fernando Willadino

Glauco José Côrte, presidente da Fiesc. Foto de Fernando Willadino

Infraestrutura deficiente é outra limitação que pode ser enfrentada com inovação. Em Santa Catarina, onde o escoamento da produção industrial conta basicamente com o modal rodoviário, as empresas têm um custo logístico duas vezes maior que as americanas de porte similar. Para compensar essa desvantagem, tecnologia, marketing e design têm ganhado importância. Em estudo realizado pela Federação das Indústrias de SC (Fiesc) com as associadas sobre os planos de investimentos até 2014, as duas principais respostas foram aquisição de máquinas e equipamentos (69%) e atualização tecnológica (63%). “Isso mostra uma nova visão que começou a surgir com mais intensidade na última década”, diz o presidente da entidade, Glauco José Côrte. “O empresário acredita no futuro porque faz investimentos cujo retorno não é imediato”.

Cesar Olsen, empresário do ramo odontológico

Cesar Olsen, empresário do ramo odontológico

A Olsen, fabricante de equipamentos odontológicos e médicos, é um exemplo de empresa que precisou se reinventar para sobreviver. Até 2008, exportava para 101 países, mas a concorrência chinesa, a defasagem cambial e o Custo Brasil afetaram a competitividade do negócio, cujas vendas externas caíram de 60% para 20% da produção. Em 2010, a empresa recorreu à consultoria do Programa Senai/SC de Logística e adotou a Lean Manufacturing (manufatura enxuta), filosofia de gestão focada na redução de desperdícios e no aumento da qualidade. As medidas de ajuste envolveram compra de máquinas a laser, corte de 100 dos 242 postos de trabalho, aumento de salários, investimento em design e em cursos de qualificação, conta o fundador, Cesar Olsen: “Foi um processo dolorido, mas tivemos um bom resultado e hoje trabalhamos com muito mais tecnologia e criatividade, voltados principalmente para o mercado interno”.

Em Florianópolis, a Fundação Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi) tem um departamento que presta consultoria a empresas sobre inovação na produção. “Temos trabalhado com o que chamamos de engenharia simultânea, que consiste em desenvolver ao mesmo tempo o produto e o processo produtivo”, explica o diretor executivo do Centro de Produção Cooperada (CPC), Carlos Alberto Fadul Alves: “A melhor maneira de produzir é fazer certo da primeira vez”. Entre as ferramentas utilizadas pelo CPC estão softwares que permitem antever os problemas na fabricação de produtos e agir antes que eles ocorram.

Uma versão condensada desta reportagem foi publicada no Valor Econômico de 19.03.2013 com o título Soluções colaboram para ganhos de produtividade.

Todas as fotos foram cedidas pelas assessorias dos entrevistados, mas sem informação de créditos, exceto na de Glauco José Côrte, de autoria de Fernando Willadino.