Computação em nuvem
Soluções abertas ainda são vistas com desconfiança nas empresas brasileiras
Por Dauro Veras | Para o Valor, de Florianópolis
O uso da computação em nuvem nos negócios é uma tendência em alta no Brasil, mas as soluções abertas ainda enfrentam resistência. Um estudo realizado pela IT Mídia entre os diretores de TI das 500 maiores empresas brasileiras indica que 48,7% delas pretendem investir em nuvem privada – aquela em que os servidores ficam instalados no próprio ambiente corporativo – e somente 25,6% vão adotar a nuvem pública – fornecida por grandes provedores de serviços, que utilizam equipamentos e aplicações compartilhadas pela internet com milhares de clientes.
“Ainda há desconfiança quanto a armazenar os dados junto a empresas desconhecidas, em um local que você não sabe onde fica”, afirma Sérgio Lozinsky, responsável pelo estudo. Uma alternativa que várias empresas têm preferido são os sistemas híbridos, nos quais os dados sigilosos ficam em servidores próprios e os demais, na nuvem pública. Para o consultor, os investimentos de grandes players globais no Brasil, como a Google, a Microsoft e a Amazon Web Services (AWS), contribuem para elevar o nível de comparação de qualidade.
Outro estudo, realizado pela consultoria Frost&Sullivan com 121 líderes brasileiros de TI, confirma que a computação em nuvem entrou na agenda corporativa: 23,1% das empresas consultadas já adotam ou pretendem adotá-la e 15,7% têm projetos-piloto. Entretanto, metade dos entrevistados acredita que a nuvem pública não é confiável. “A preferência pela solução pública tem sido das empresas de pequeno e médio porte, que não possuem infraestrutura robusta”, diz o coordenador do estudo, Bruno Tasco.
Ao adotar a nuvem pública, deve-se considerar alguns aspectos importantes, diz Ryan Gurney, vice-presidente de segurança da Zendesk, empresa californiana de software em nuvem: conhecer os seus dados e os requisitos de segurança, que devem estar alinhados com os requisitos do seu provedor; utilizar os recursos de segurança oferecidos; solicitar o compartilhamento regular dos resultados de auditorias realizadas por terceiros; verificar se o provedor tem equipe dedicada à segurança, e se investe em inovação.

Yoshimiti Matsusaki, diretor da Finnet: “Vamos conseguir extrair vantagem das nuvens públicas por meio de projetos colaborativos bem conduzidos?
Yoshimiti Matsusaki, diretor da Finnet, empresa brasileira de TI, propõe algumas questões-chave: “Vamos conseguir extrair vantagem das nuvens públicas por meio de projetos colaborativos bem conduzidos? As aplicações foram testadas em condições de estresse e carga? O fornecedor consegue atender a nossa demanda? Possui expertise para lidar com segurança e proteção da informação? Se o projeto decolar, o fornecedor tem capacidade de expansão imediata?” Ele acrescenta que a utilização de criptografia é a principal estratégia para proteger as informações na nuvem e sempre que possível deve ser utilizada.
Redução de custos e agilidade são dois fortes argumentos em favor da nuvem pública. Também conta muito a autoescalabilidade, isto é, a capacidade de um sistema de aumentar automaticamente o desempenho conforme a demanda. No varejo, por exemplo, isso permite triplicar a capacidade de vendas no Natal, dispensando a compra de equipamentos que ficariam ociosos no restante do ano. Uma vantagem adicional é que, no modelo de Software como Serviço, o usuário paga só pelos recursos que utiliza. A nuvem pública também tem possibilitado a criação de negócios baseados em aplicações de voz, como o 0800 e o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) oferecidos pela Prestus, com hospedagem na Alog. “Temos diversos clientes que fizeram o custo do call-center cair a zero com esta tecnologia e reaproveitamento da própria mão de obra”, diz o CEO, Alexandre Borin Cardoso
“A empresa não precisa saber necessariamente onde estão os dados”, diz César Bertini, CEO da MC1, que oferece soluções para aplicativos móveis focados em vendas. “É como uma conta bancária: você tem mil reais depositados e não sabe onde estão, mas saca o dinheiro onde e quando quiser”. O empresário informa que a disponibilidade dos data centers da AWS até o momento é de 99,99% – a operação ficou indisponível apenas meia hora em dois anos.

Luis Samra, diretor da Evernote para a América Latina: “Excluindo a China, o Brasil é o nosso mercado que mais cresce”
O crescimento da nuvem pública no Brasil é comemorado pela Evernote, startup americana que oferece aplicativos de produtividade e organização. Criada em 2008, a empresa já tem 80 milhões de usuários – 2,1 milhões de brasileiros. “Excluindo a China, o Brasil é o nosso mercado que mais cresce”, diz o gerente geral para a América Latina, Luis Samra. A estratégia da Evernote é focar em empresas com até 300 empregados e facilitar os processos locais de pagamento. Ele destaca que, embora seja impossível para qualquer provedor oferecer 100% de garantia de segurança, a empresa leva o assunto muito a sério e armazena os dados em servidores próprios.
“Existe uma percepção de risco quanto à nuvem pública, mas não é um risco real”, opina Alexandre Marques, sócio-diretor do Grupo Inove, que fornece serviços da plataforma Microsoft. “Toda empresa que possui infraestrutura de TI dentro de casa, além dos riscos físicos, tem um administrador com a ‘chave’ do sistema que ganha seus R$ 3 mil por mês; isso é bastante diferente do sistema de nuvem aberta, em que os responsáveis pela segurança não têm conexão direta com os negócios do cliente e, às vezes, nem com o idioma”. Para ele, não existe razão para temer, pois os grandes provedores adotam regras rígidas de governança.
Planejamento adequado é fundamental, orienta César Schmitzhaus, coordenador de tecnologia da Teltec Solutions, empresa integradora de soluções de TIC. “É possível até mesmo tornar o ambiente em nuvem pública mais seguro que um servidor dedicado, se forem adotados recursos como autenticação dupla, via token mais serviço de usuário e senha”, afirma.
Funções exigem múltiplas competências
Os recursos humanos continuam sendo um grande desafio para as empresas brasileiras que lidam com tecnologias de computação em nuvem. À medida que mais organizações passam a operar remotamente e aumenta o número de fornecedores de serviços, cresce a demanda por profissionais qualificados. Quem tem múltiplas competências ganha pontos nos processos seletivos, em especial para os cargos de alta gerência. As empresas também precisam lidar no cotidiano com a necessidade de reter talentos. Para suprir a carência por mão de obra, muitas têm investido na formação interna de seus quadros.
“O perfil ideal de profissional para atuar com computação em nuvem é o que tem capacidade técnica, sabe desenhar a solução e consegue apresentá-la de forma palatável”, diz Rodrigo Byrro, vice-presidente e sócio da Fesa, que faz recrutamento de executivos. Conhecimento de gestão e negócios é um requisito importante, assim como experiência internacional e capacidade de entender as necessidades dos clientes. Em 2013, a Fesa recrutou 30% mais executivos que no ano anterior para atuar com computação em nuvem. As quatro áreas que mais contrataram foram telecom, serviços em geral, mercado financeiro e governo.
“Temos uma dificuldade muito grande para contratar funcionários e estamos procurando inclusive entre recém-formados e estudantes”, conta o gerente de projetos da fábrica de softwares Oohm, Bruno Stuchi. “Buscamos quem tem as habilidades e competências básicas, como matemática e conhecimentos gerais, e formamos essas pessoas dentro dos times de desenvolvimento”. A empresa, que desenvolve sistemas para clientes do Brasil, Estados Unidos e Inglaterra, tem atualmente nove vagas abertas – seis delas, há mais de dois meses. “De cada cem candidatos, selecionamos um”, diz.
Conhecimentos sobre segurança são, claro, um diferencial importante. Segundo Stuchi, há cinco meses ninguém perguntava sobre a localização do data center para aplicações na nuvem, mas o quadro mudou depois da divulgação das notícias sobre espionagem internacional. “Hoje essa é uma das preocupações dos clientes”. Em 2013, a Oohm teve um crescimento de 60% no faturamento em relação ao ano anterior, em grande parte graças a projetos desenvolvidos para cloud computing. Em 2014, a estimativa é crescer 50%.
O professor Altair Santin, do programa de mestrado e doutorado em informática da PUC do Paraná, tem convicção de que a computação em nuvem está se tornando um paradigma irreversível e que oferece boas oportunidades de ascensão profissional. Uma das principais razões para essa disseminação, avalia, é a economia de recursos na compra e atualização de equipamentos, que se tornam obsoletos em pouco tempo. “Investir em hardware próprio é um custo operacional que praticamente não se justifica para muitas empresas”, diz. “Usando uma comparação tosca, seria como ter um gerador elétrico em casa”.
Para quem deseja atuar na área, o professor sugere dois caminhos não necessariamente excludentes: a certificação, que abre oportunidade para uma inserção rápida no mercado; e a pós-graduação, que costuma durar 360 horas é sempre bem-vinda, pois traz a vantagem de abrir os horizontes. “Essa escolha vai depender muito dos objetivos que o profissional busca”, diz. Candidatos à certificação precisam tomar um cuidado básico: verificar a reputação da certificadora. Santin lembra que a computação em nuvem ainda é tratada de forma pontual nos cursos de graduação, embora faça parte de uma área já consolidada, a de sistemas distribuídos. Portanto, a inclusão do estudo do tema pelas instituições de ensino superior não demanda a inserção de novas disciplinas, e sim mudanças de conteúdo no currículo já existente.
Um nicho de possibilidades profissionais associado à computação em nuvem é o da mobilidade. A área é apontada por 78,2% das empresas consultadas em estudo do IT Mídia como a que causará maior impacto em seus negócios nos próximos anos. “O melhor ou pior uso da mobilidade afetará o grau de competitividade em diversos setores”, assinala o consultor Sérgio Lozinsky. “Isso vai exigir dos responsáveis pela TI um avanço em termos técnicos, gerenciais, de segurança e desempenho.”
Soluções desenvolvidas para empresas já consolidadas na nuvem pública são boas oportunidades de empreendedorismo. “Há um grande movimento de desenvolvedores independentes que estão criando aplicações para integração com o Evernote”, diz Bia Kunze, consultora em tecnologia móvel e embaixadora dessa ferramenta de produtividade no Brasil. Várias aplicações são voltadas para atividades colaborativas. Ela conta que o retorno dos usuários tem sido excelente.
Salários alcançam até R$ 15 mil
O catarinense Rodrigo Franzoni, 29 anos, graduado em redes de computadores, tem 15 anos de experiência profissional, parte deles como proprietário de um provedor de internet em Florianópolis. Em 2008, percebeu que a computação em nuvem era uma área promissora e começou a buscar conhecimentos na área. Logo viu que seria preciso se dedicar ao aprendizado de forma autodidata: “Como na época não havia cursos específicos, pesquisei informações, fui aprendendo com tutoriais e com exemplos de pessoas que trabalhavam nisso”, conta.
Há dois anos, Franzoni trabalhava em São Paulo quando foi convidado a voltar a Santa Catarina para participar de um projeto inovador. Assim, tornou-se diretor de tecnologia e sócio minoritário da Axado, startup dedicada à logística de transportes cujo principal produto é um comparador de fretes para uso gratuito na web. Atualmente a empresa atende 193 estabelecimentos virtuais, entre eles a PagSeguro/UOL e a Nova Pontocom, braço de comércio eletrônico do Grupo Pão de Açúcar e das Casas Bahia. Em 2013, o sistema de cotação de fretes da Axado teve 5 milhões de consultas e a meta é triplicar esse número em 2014, bem como o número de clientes.
“O foco do nosso negócio é um serviço B2B (business-to-business) baseado em nuvem privada e pública”, explica. “Esse modelo seria inviável para os nossos clientes se os dados fossem hospedados dentro da empresa, porque teríamos que aumentar constantemente o número de nossos servidores”. Escalabilidade e flexibilidade são conceitos-chave para a Axado. A empresa usa os serviços de armazenamento de dados da Amazon. Franzoni considera a computação em nuvem uma importante evolução tecnológica e se diz muito satisfeito em atuar na área.
A faixa salarial dos profissionais que trabalham com a nuvem varia de R$ 5 mil a R$ 15 mil em São Paulo, dependendo da área de atuação, informa o empreendedor. Em Santa Catarina os salários são menores, mas como a capital do Estado possui um forte polo de tecnologia, tem se tornado referência em aplicações voltadas para a nuvem e um atrativo para quem busca associar qualidade de vida a inovação. “Tem muita gente vindo de fora, inclusive de outros países”, conta. “Aqui na empresa estamos sempre com vaga aberta – quem é desenvolvedor de serviços para internet tem serviço garantido”.
Publicado no Valor Econômico, suplemento especial Computação em Nuvem, em 27 de fevereiro de 2014.
Fotos fornecidas pelos entrevistados.