“Não utilizar a energia do sol é burrice”

Físico critica a falta de visão dos gestores do sistema elétrico brasileiro

O especialista em energias renováveis Heitor Scalambrini Costa, físico e professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Pernambuco, é entusiasta do uso da energia solar para geração de eletricidade – a tecnologia fotovoltaica. É também um ásHeitor Scalambrini Costapero crítico do que qualifica de “cegueira” do governo brasileiro pela falta de uma política consistente de aproveitamento dessa riqueza. Hoje a participação da energia do sol na matriz energética nacional é quase nula. Ele defende que o assunto não fique restrito a decisões técnicas e seja discutido democraticamente pela sociedade, na busca de uma matriz elétrica sustentável. “A diversidade e a complementaridade são as palavras chaves”, diz. Autor de dezenas de artigos, publicou em 2002 o livro de coletâneas “Equívocos de uma política energética” e, 2008, “Insatisfação além da conta”. Entrevistei o professor Scalambrini para uma reportagem sobre energia fotovoltaica que publiquei no jornal Valor Econômico. Ele reconhece que há avanços, mas ainda são insuficientes e que não utilizar melhor a radiação solar no Brasil é “burrice”. Segue a íntegra de nossa conversa, que, por motivo de espaço, foi bastante condensada no texto do jornal.

Quais são os dados mais atuais sobre utilização da energia fotovoltaica na matriz energética brasileira?

Heitor Scalambrini Costa - A contribuição da energia solar fotovoltaica e heliotérmica é praticamente nula na matriz elétrica brasileira. Destacam-se algumas instalações de médio porte conectadas na rede elétrica e outras planejadas para entrar em operação nos próximos anos. Todavia a contribuição em termos de potência instalada não chega a 50 MW (de um total hoje instalado no País de 123.000 MW). Já em termos de instalações descentralizadas para atender a bombeamento de água, iluminação de escolas e domicílios em áreas rurais, a potência instalada não chega a 5 MW, e não sabemos o estado de funcionamento destas instalações. Sistemas instalados em áreas urbanas conectadas a rede elétrica também são poucos, com uma potência instalada irrisória, em torno de 50 MW. Ou seja, não podemos falar em contribuição da eletricidade solar para a matriz elétrica no Brasil. Em termos de potência instalada, representa menos de 0,02%, e em termos de energia, menos de 0,01%. Ou seja, valor desprezível.

Qual é a sua avaliação sobre a viabilidade do uso da energia fotovoltaica no Brasil para fins residenciais, comerciais e industriais, agora que uma portaria da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) favorece a geração distribuída? Que medidas o governo deveria tomar incentivar a adoção dessa tecnologia?

Heitor Scalambrini Costa – Minha avaliação sobre a viabilidade da tecnologia solar é a mais positiva possível, visto o Brasil ter um dos maiores índices de incidência da radiação solar do mundo, pelo fato que grande parte do território nacional estar nos trópicos. Por uma fenomenal “cegueira” dos gestores do setor elétrico a energia solar é tão pouco utilizada. Na verdade esta fonte de energia abundante em praticamente todo o país, em particular no Nordeste, é completamente menosprezada nas políticas públicas do setor energético. Para isto basta ler os Planos Decenais e o Plano Nacional de Energia 2030, elaborados pela Empresa de Planejamento Energético – EPE.

Não vejo com tanto otimismo que a portaria Resolutiva 482 de abril de 2012, vai mudar substancialmente este quadro. Apesar de ser um avanço, pois não havia nenhuma política publica nesta área antes desta resolução, ela ainda é insuficiente para disseminar a microgeração. E um dos fatores principais é a falta de divulgação para que o brasileiro conheça não somente a tecnologia, mas também como fazer para instalar um sistema fotovoltaico em seu domicílio, em seu pequeno negócio. Também há falta de incentivo financeiro. Enquanto se destina, através de subsídios, bilhões de reais para a indústria de petróleo e gás, para as novas fontes renováveis de energia (solar e eólica) os valores são várias casas de zero menores. Daí a Campanha Nacional pela Produção e Uso da Energia Solar Descentralizada, que hoje conta com o apoio de diversas entidades. Esta Campanha exige que o governo federal, reforçado pelos estaduais e municipais, crie um programa de incentivo e financie, até a fundo perdido, se necessário, a compra de componentes e a instalação da microgeração de energia solar em todo o país. E que financie também a pesquisa e a indústria nacional de componentes, evitando dar lucro a empresas estrangeiras e aumentar a dependência nacional. Exige-se também que as distribuidoras paguem, periodicamente, a energia que não foi usada pelo micro e miniprodutor.

Quanto ao uso da energia solar fotovoltaica na indústria, a discussão é outra. Hoje, 40% da energia elétrica são consumidos no setor industrial, e mais da metade deste consumo é realizado por cinco setores industriais denominados eletro-intensivos. Devemos hoje discutir: energia elétrica para quê? E para quem?

A Alemanha é referência mundial no uso de energia fotovoltaica. O modelo adotado no país europeu é aplicável à realidade brasileira?

Heitor Scalambrini Costa – Existem vários modelos de mercado propostos para inserção da tecnologia solar fotovoltaica nas matrizes elétricas dos países. Pela abundância desta fonte primária de energia disponível, devemos utilizá-la de maneira disseminada e que atenda o interesse da população e da soberania do país. Para que isto aconteça, temos que democratizar a discussão sobre as políticas energéticas s mais apropriadas para a realidade brasileira. Não ouso aqui dizer que o modelo alemão adotado nos Programas Tetos Solares é melhor ou pior para o Brasil. O que é claro é que devemos acompanhar o caminho adotado pela Alemanha no que concerne ao apoio às fontes solar e eólica, para que representem uma parcela importante na matriz elétrica. Algo em torno de 20% destas fontes gerando energia elétrica, completando a energia das hidroelétricas, das térmicas e biomassa, e da energia do oceano, seria o caminho para uma matriz elétrica sustentável. A diversidade e a complementaridade são as palavras chaves.

Que vantagens competitivas o Brasil tem para adotar a energia fotovoltaica? Em que atividades econômicas ela pode ser mais interessante?

Heitor Scalambrini Costa – Como disse antes, esta fonte primária, o Sol, é abundante em todo o território nacional. A radiação solar incidente no Nordeste Brasileiro é uma das maiores do mundo. Não utilizar é “burrice”. Assim classifico as decisões monocráticas dos gestores do setor elétrico. Minha afirmativa está baseada no Plano Decenal de Energia Elétrica 2012/2021, que prevê os rumos energéticos do Brasil para os próximos dez anos. Aí está escrito que os investimentos em fontes fósseis de energia (petróleo, gás, carvão mineral) serão prioritários, e a energia solar é completamente desprezada. A ela são dedicados três parágrafos de um documento de mais de 300 páginas. Tirem suas próprias conclusões sobre o que pensam os gestores do setor elétrico com relação à energia solar.

Fonte da imagem: blog Combate ao Racismo Ambiental