Copa e Olimpíada agitam negócios com segurança

Dauro Veras, para o Valor, de Florianópolis

26/02/2010

Os preparativos para a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e a Olimpíada 2016 vão movimentar quantias milionárias em segurança eletrônica, o que tem despertado o interesse de companhias transnacionais e brasileiras. No Brasil, o setor espera triplicar o faturamento anual de US$ 1,4 bilhão até 2016, estima a Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese), que tem 500 associadas – três quartos delas, nas regiões Sudeste e Sul. A formação de alianças estratégicas é um dos caminhos que estão sendo buscados para o aumento da competitividade.

“Eventos de porte internacional como a Copa e os Jogos Olímpicos, em que o risco é bastante elevado, exigem equipamentos e serviços de segurança de alto nível e abrem oportunidades em todos os aspectos”, diz o diretor de Comunicação da Abese, Marcos Menezes. Ele ressalta que, embora 90% dos equipamentos de segurança eletrônica utilizados hoje no Brasil sejam importados, há empresas nacionais com capacidade técnica para produzir localmente com qualidade e adaptar os equipamentos às necessidades específicas desses eventos – por exemplo, prevenção de atos terroristas.

“As arenas esportivas são um mundo com altíssima complexidade técnica de aplicação, em que o controle de acesso e o monitoramento por vídeo representam apenas a ponta do iceberg”, diz o diretor da Abese. “Há necessidade de sistemas de detecção de intrusão, detecção de incêndio, evacuação do público, sonorização das mensagens de áudio, acesso restrito a algumas áreas e muitas outras.” Do lado de fora também existem diversas demandas por segurança eletrônica, como controle de estacionamento, monitoramento das áreas próximas e da infraestrutura de transporte.

No Brasil, segundo a Abese, mais de 10 mil empresas atuam no segmento de sistemas eletrônicos de segurança, gerando 113 mil empregos diretos e mais de 1,3 milhão de indiretos. Existem 500 mil imóveis protegidos por sistemas eletrônicos de alarmes e 1,3 milhão de câmeras de monitoramento – quase 80%, em São Paulo. O setor cresceu em média 13% ao ano entre 1999 e 2008, ano em que movimentou US$ 1,4 bilhão. Em 2009, houve estagnação, reflexo da crise, mas os ventos devem voltar a soprar a favor. “Projetamos um crescimento gradativo, chegando a 40% ao ano em 2016″, diz o empresário.

Grandes corporações se movimentam para obter contratos de segurança eletrônica. É o caso da Sony, que tem interesse em fornecer tecnologia de vigilância, controle de entrada e telões, e da Philips, que quer vender tecnologia para iluminação, telões e placas de sinalização. Para concorrer nesse nicho de mercado, know-how e parcerias são fundamentais. Três grandes eventos simultâneos devem movimentar o setor este ano, entre 25 e 27 de maio em São Paulo: o 6º Congresso Internacional de Sistemas Eletrônicos de Segurança; uma rodada internacional de negócios entre alguns países e empresas, focada nas oportunidades geradas pela Copa e a Olimpíada 2016; e a Feira Internacional de Segurança Eletrônica (Exposec).

Em novembro de 2009, a Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) criou a Vertical de Segurança Eletrônica, um polo de empresas com características semelhantes. De início, houve sete adesões. “Estamos criando um portfólio de soluções afins, em que os sistemas de diferentes fabricantes trabalham juntos, para acessar os mercados em bloco”, diz o presidente da Acate, Rui Luiz Gonçalves. A Vertical de Energia foi criada em dezembro. Em breve devem também ser formadas verticais de telecomunicações, infraestrutura e engenharia, gestão pública, games, têxteis e agronegócio.

Organizar-se em verticais apresenta vantagens estratégicas para empresas de pequeno e médio portes. Ao criar um ambiente favorável de comunicação, elas compartilham experiências, reduzem custos de desenvolvimento e ganham visibilidade. A Acate quer sensibilizar os gestores públicos, políticos e profissionais envolvidos nos eventos esportivos sobre os benefícios de investir em produtos nacionais. Entre os planos da entidade está a apresentação de soluções da Vertical de Segurança Eletrônica aos arquitetos que irão construir os estádios e a promoção de feiras setoriais.

O México é um dos países promissores para o setor, por ter quase o tamanho da economia brasileira, sérios problemas de segurança, língua latina e acesso ao mercado dos Estados Unidos. Também são boas possibilidades os demais BRICs – Brasil, Rússia, Índia e China – e a África do Sul. “Precisamos ter foco e atitude de governo”, enfatiza o presidente da Acate: “Para vender tecnologia lá fora, as empresas necessitam de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a exemplo do que é oferecido para a Embraer vender aviões.”

Uma parceria entre o Centro de Referência em Tecnologias Inovadoras (Fundação Certi), de Florianópolis, e a Pontifícia Universidade Católica (PUC), do Rio de Janeiro, vai colocar a capital catarinense na agenda de preparação da Copa do Mundo de 2014. Trata-se do programa Copa 2014-Bis – o nome homenageia o avião inventado por Santos Dumont -, que vai desenvolver sete projetos tecnológicos envolvendo temas como convergência digital, energias renováveis, interatividade e internet. Um dos campos de experimentação será o Sapiens Parque, centro de inovação tecnológica com inauguração prevista para março, e terá apoio de diversas instituições científicas do país.

No dia 8 de janeiro, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), entidade ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, repassou R$ 3,2 milhões para a Certi dar início ao planejamento das ações que vão integrar a agenda de preparação aos jogos. “Será uma excelente oportunidade para demonstrar a capacidade dos pesquisadores e empreendedores brasileiros em áreas e setores desafiadores, com grande visibilidade e potencial de negócios no âmbito mundial”, diz o diretor executivo do Sapiens Parque, José Eduardo Fiates.

Integração de sistemas é meta do polo de Santa Catarina

A capital de Santa Catarina tem 550 empresas de tecnologia da informação, software e hardware — cem delas, criadas em 2009. No ano passado, somente as de software faturaram juntas R$ 992 milhões, 28% a mais que em 2008, segundo a Prefeitura de Florianópolis. Nesse ambiente favorável à tecnologia, empresas complementares tendem a se aproximar. Foi o que ocorreu na área de segurança eletrônica, com a parceria firmada em novembro entre Contronics, CS, CSP, Intelbras, Segware do Brasi,Seventh e Spherical.

“Já nos encontrávamos informalmente em eventos para trocar informações”, diz Luiz Henrique Bonatti, diretor da Segware e coordenador da Vertical de Segurança Eletrônica da Acate, associação que congrega 250 filiadas. A ideia é ampliar o grupo e conseguir representatividade para fornecer soluções conjuntas de segurança à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016. O polo catarinense de segurança eletrônica pretende mostrar que os produtos nacionais concorrem de igual para igual com os importados e, às vezes, com características superiores.

Um diferencial enfatizado pelo coordenador da Vertical é a integração entre produtos de diferentes empresas. “Nossos sistemas de alarmes, monitoramento de imagem e automação conversam entre si e isso não existe no mercado externo”, diz Bonatti. “Essa compatibilidade evita a redundância, aumenta a precisão das informações, dá mais eficiência ao monitoramento e diminui custos.” Outra vantagem apontada pelo empresário é a disponibilidade de assistência técnica nacional.

Exportar em conjunto é uma das metas da Vertical. Das sete participantes, duas vendem para o mercado externo: Intelbras, líder no mercado brasileiro de centrais telefônicas (60% de participação), telefones (32%) e centrais condominiais (62%); eContronics, especializada em controles eletrônicos para rondas de vigilância, chaves e cofres. “Podemos aprender com os parceiros que já exportam, sem precisar reinventar a roda”, afirma. No primeiro trimestre deste ano, a Vertical vai definir os países prioritários para exportações e fazer pesquisas de campo. Em seguida irá empreender um esforço conjunto para abrir espaço nesses mercados.

“A visita a feiras especializadas no tema, assim como os contatos com fornecedores e associações estrangeiras, contribuem para minimizar o risco”, lembra Bonatti. Também faz parte da estratégia da Vertical a promoção de seminários como o Security Show, realizado em novembro, que reuniu em Florianópolis mais de 200 empresários da área de segurança eletrônica. Este ano, um evento simultâneo será aberto ao público.

O desempenho das empresas catarinenses do segmento tem sido animador, mesmo em tempos de crise financeira internacional. Em 2009, a Segware do Brasil faturou 50% a mais que no ano anterior. Seu carro-chefe é o Sigma, software de monitoramento de alarmes utilizado por 70% das empresas brasileiras do ramo. Paulo Schwochow, sócio da Seventh, especializada em inteligência e gerenciamento de vídeo, está otimista: “Queremos crescer 50% em 2010 e no mínimo 40% ao ano nos próximos três anos”, diz. “Estamos tendo reuniões com representantes dos ministérios de Esportes e Ciência e Tecnologia para verificar quais são as necessidades e para mostrar o que é possível fazer”, destaca o empresário”.

Até junho a Seventh irá lançar no mercado uma solução tecnológica que possibilita evitar tumulto em locais onde há grandes aglomerações. “Câmeras instaladas em estádios e nos arredores podem indicar, por exemplo, quando o número de pessoas em determinado lugar supera o máximo recomendável”, explica. “O sistema identifica automaticamente quando há perigo em catracas e filas, dando sinal de alerta para direcionar policiais ao local. Também avisa quando há pessoas caminhando em um sentido diferente do permitido e quando há falta de objetos ou de pessoas em locais onde deveriam estar”. (D.V.)

Controle vai aumentar nos eventos

A partir deste ano, o Ministério dos Esportes irá promover o cadastramento prévio de torcedores de futebol, somente permitindo o acesso aos estádios mediante a apresentação de um cartão de identificação do torcedor. A medida faz parte da estratégia de preparação do Brasil para a Copa de 2014, que envolve poder Executivo, Congresso, Conselho Nacional da Justiça, Ministério Público e Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Catracas e sistemas eletrônicos deverão ser instalados para viabilizar a mudança. Editais para modernização dos estádios também começam a movimentar o mercado.

Embora o controle da identidade dos torcedores seja uma medida polêmica, a preocupação faz sentido quando se pensa na complexidade da Copa 2014 e Olimpíada 2016 de porte internacional. O atentado de janeiro ao ônibus da seleção de Togo que seguia para Copa Africana de Nações em Angola, com duas vítimas fatais, foi um trágico lembrete aos organizadores de eventos esportivos sobre a necessidade de reforçar a segurança.

A projeção de um boom nos negócios em segurança eletrônica no Brasil leva em conta não só as demandas dos estádios e complexos olímpicos, como também a ampliação da infraestrutura de aeroportos, estações de trens, terminais rodoviários, indústria hoteleira e vias públicas dos grandes centros urbanos. Serão sistemas de monitoramento de imagem e, principalmente, de controle de acesso, com foco na prevenção.

“O monitoramento de imagens normalmente é utilizado de modo reativo, ou seja, após determinada ocorrência, recorre-se às imagens para a identificação das pessoas”, diz Arnaldo Timmermann, diretor da Spherical Networks, uma das sete empresas que fazem parte da Vertical de Segurança Eletrônica. “As empresas de Santa Catarina detêm tecnologias inovadoras e avançadas em relação à segurança eletrônica para a ação preventiva”. O empresário reconhece que a concorrência com produtos estrangeiros deverá ser acirrada, mas está confiante na capacidade técnica dos fabricantes nacionais em ocupar parte desse mercado. A Spherical, empresa do grupo Specto, é especializada em comunicação digital, controle de acesso físico a instalações, monitoramento de imagens, automação predial e medição de radiação ultravioleta.

A CSP, que também faz parte da Vertical de Segurança Eletrônica, tem como carro-chefe o AutoCap, um sistema de transmissão de imagens para vigilância remota. “É o primeiro rastreador do mercado a transmitir imagens e dados em tempo real”, diz o diretor da empresa, Dhelyo Rodrigues, engenheiro mecânico formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O equipamento utiliza o GPS para rastrear o veículo e tem um módulo com tecnologia GPRS/GSM para transmitir dados e imagens pela internet. Pode ser equipado com sensores para travamento de portas, bloqueia o veículo por mensagem SMS e envia mensagens para até quatro celulares no caso de acionamento do botão de pânico.

Outro equipamento da CSP que pode dar grande contribuição para a segurança no trânsito é o etilômetro – popularmente conhecido como “bafômetro”, lançado pela empresa há duas décadas no Brasil. Ela já vendeu mais de 10 mil unidades do equipamento e detém 80% do mercado nacional. A CSP é também uma das grandes fabricantes de radares no país, com cerca de 10% do mercado. Seus equipamentos registram um terço das multas de trânsito emitidas em São Paulo.

A Automatiza, que também integra a Vertical, desenvolve fechaduras eletromagnéticas, equipamentos fundamentais para evacuação imediata em caso de emergência nas arenas esportivas. A empresa também fabrica catracas, sistemas de controle de acesso e de bilhetagem, plataformas de elevação para cadeirantes, guarda-volumes eletrônico e software que dá suporte ao monitoramento desses equipamentos. (D.V.)

Publicado no jornal Valor Econômico em 26/02/2010.