“Libras em filmes infantis é inclusão de fato”

Entrevista com Tom Min Alves, intérprete da Língua Brasileira de Sinais

Descendente de mãe taiwanesa e pai capixaba, Tom Min Alves está habituado desde criança a lidar com diferentes idiomas. Esse paulista nascido em 1984 em Campinas, bacharel em Turismo, decidiu cursar uma segunda faculdade e atualmente faz Letras-Libras na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nesta entrevista ele conta como se tornou intérprete da Língua Brasileira de Sinais, desfaz alguns mitos do senso comum sobre os surdos e destaca a iniciativa de Filmesquevoam de oferecer gratuitamente filmes interpretados para crianças pela internet no Canal Muito Especial.

Há quanto tempo você estuda a Língua Brasileira de Sinais e como surgiu o seu interesse nela?

Tom Min Alves - Desde 2004 tenho contato com a comunidade surda devido a um trabalho voluntário de evangelização, Além disso, participei de cursos de Libras da UNISUL e da ULBRA.

A Libras possibilita a expressão de ideias com a mesma riqueza e variedade que o idioma falado?

Acredito que a capacidade de se expressar com maior clareza não está no caráter oral ou corporal, visual ou auditivo. Deve-se lembrar que o idioma português é objeto de pesquisa há muitos séculos, e Libras tem origem na Língua de Sinais Francesa, que vem se desenvolvendo há apenas três séculos. Portanto, há mais dificuldades na comunicação por meio da língua de sinais por vários motivos, como, por exemplo, vocabulário curto. Futuramente teremos uma língua de sinais madura, com bacharéis em Letras-Libras, mestres e doutores na área trabalhando nisso.

Em quanto tempo é possível dominar os princípios básicos da Língua?

O período necessário para dominar, esse, e qualquer idioma depende de vários fatores. A idade de quem se propõe a aprender, quanto pratica por dia, a habilidade do professor, possuir contato com amigos usuários do idioma e uma criação multicultural – que foi o meu caso, aprendendo um pouco de um idioma completamente diferente do português, o chinês. Mas, em média, para se ter uma comunicação básica são necessários seis meses.

Quais são os principais mitos e ideias equivocadas que as pessoas têm sobre a Libras?

Os mais comuns são: “A língua de sinais é universal”; “Para falar com um surdo precisa falar mais alto”; e estereótipos – “na escola todo surdo sabe português e Libras”. Existem várias línguas de sinais que são independentes do idioma oral falado no país. Por exemplo, na Inglaterra se fala inglês e língua de sinais britânica. Por outro lado, no Canadá se fala francês e ASL (língua de sinais americana). Para falar com um surdo deve-se estar de frente para ele e falar normalmente, articulando a boca numa velocidade média, sem gritar. Se ele for oralizado, irá compreender. Os surdos não são todos iguais: uns são letrados, outros não, alguns sabem bem a língua de sinais, outros se utilizam muito de mímica. Mas algo importante que tenho a colocar é que a comunidade prefere ser chamada de surda e não deficiente, especial e etc., especialmente muda.

Conte um pouco sobre a profissão. Tem crescido a demanda por seus serviços?

A grande maioria dos intérpretes trabalha na área da educação, inclusive eu, que dou aulas na Escola de Educação Básica Lauro Müller com alunos de ensino fundamental. Porém, o mercado cinematográfico tem se aberto. Minha professora da disciplina de Fundamentos da Tradução e Interpretação ficou feliz ao saber que eu iria participar dessa produção da Filmes que Voam, por ver atualmente as portas se abrindo para a Língua de Sinais.

Qual é a sua avaliação sobre a inclusão social dos surdos hoje no Brasil?

Houve avanços, como, por exemplo, o reconhecimento da Libras como idioma oficial brasileiro e a exigência de uma disciplina em todos os cursos de licenciatura. Entretanto, a inclusão nas escolas acaba se tornando uma exclusão, devido à metodologia de ensino empregada, inadequada às necessidades dos alunos surdos. Uma estratégia interessante para se incluir os surdos na sociedade seria incluir uma disciplina de língua de sinais no currículo escolar.

A seu ver, qual é a importância de colocar filmes com Libras à disposição do público infantil?

Isso é de fato inclusão. Em geral os pais não sabem Língua de Sinais e não teriam habilidade para passar aos filhos tudo o que se passa no filme. Assistir a esses filmes é uma forma lúdica de aprender o português. Com a legenda a criança pode entender as falas gráficas pelo contexto, juntamente com a janela da língua de sinais. Além de os filmes serem fontes de cultura geral.

O que você está achando desse trabalho com a Filmesquevoam?

Esse tipo de texto me agrada. É uma contação de história, cheia de expressões faciais e interpretação de personagens, é muito diferente de um discurso ou uma aula. A Libras é uma língua visual e, portanto, aloca-se personagens no campo visual. Por exemplo, se o avô está no canto direto e o neto no canto esquerdo, não se pode mudar isso e deve estar de acordo com o que aparece no filme. Esse foi o meu maior desafio. Estou gostando muito da experiência e inclusive me matriculei em um curso de teatro para melhorar a qualidade da minha interpretação.

(por Dauro Veras para filmesquevoam)