Ciência contra a tuberculose
Pesquisa da UFSC busca identificar como o organismo se protege do bacilo de Koch, o que pode contribuir para a criação de vacinas mais eficazes.
Por Dauro Veras
Um terço da população mundial está infectada pelo bacilo de Koch (Mycobacterium tuberculosis), causador da tuberculose. Destes, 10% desenvolvem a doença. Uma pesquisa inovadora do Laboratório de Imunobiologia (LidI) da UFSC tenta identificar como se dá o mecanismo de defesa imunológica à bactéria. A expectativa é aumentar a eficiência da vacina, que não apresenta bons resultados em adultos. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil está entre os 22 países que têm 80% dos novos casos anuais de tuberculose no mundo – foram de 70 mil a 100 mil em 2010. “Nosso objetivo a longo prazo é elucidar os mecanismos pelos quais proteínas secretadas de M. tuberculosis regulam as respostas imunológicas em humanos”, diz o professor André Báfica, coordenador do projeto.
Para compreender melhor a relevância da pesquisa, é preciso voltar a um avanço científico ocorrido em 1989. Naquele ano, o conceito de padrões moleculares associados a patógenos (PAMPs, na sigla em inglês) foi proposto pelo cientista Charles Janeway e seus colegas. Os PAMPs são detectados no hospedeiro por receptores de reconhecimento de padrões (PRRs em inglês). “A interação entre PAMPs e PRRs leva à produção de uma resposta imune adaptativa potente e duradoura”, explica o professor. É como se o corpo humano tivesse um “sensor” que identifica o “código de barras” da tuberculose e providencia o combate imediato com as substâncias produzidas pelo próprio corpo. Na última década, pesquisadores da área em diversos países têm se dedicado a compreender como ocorre essa defesa, e os cientistas da UFSC estão na vanguarda desse estudo.
André Báfica é graduado em medicina pela Universidade Federal da Bahia, tem doutorado em Patologia Humana pela Fundação Oswaldo Cruz e pós-doutorado em imunologia pelo National Institutes of Health, nos Estados Unidos. Em seu currículo consta a contribuição com uma pesquisa que identificou um truque de sobrevivência do parasita causador da leishmaniose, uma doença tropical. Também participou de pesquisas que estudaram a interação entre o vírus HIV, causador da AIDS, e o bacilo da tuberculose. Em reconhecimento por seu trabalho, numa competição envolvendo 800 cientistas de início de carreira em todo o mundo, Báfica foi agraciado em janeiro com um prêmio concedido pelo Howard Hughes Medical Institute (HHMI) – ele é o único brasileiro entre os 28 selecionados. Cada premiado receberá financiamento por cinco anos, com possibilidade de renovação por mais cinco, para desenvolvimento de sua pesquisa na área básica. O HHMI é uma das maiores instituições filantrópicas dos Estados Unidos, reconhecida internacionalmente por abrigar inúmeros cientistas agraciados com o prêmio Nobel e por conceder financiamento a pesquisas de risco. A seguir, o cientista fala sobre seu trabalho.
O objetivo do Laboratório de Imunobiologia da UFSC, em termos simples, é avançar no conhecimento sobre vacinas contra tuberculose?
André Báfica – Correto. Avançar no conhecimento sobre vacinas, compreendendo melhor a patogênese da doença, ou seja, obter informações básicas sobre a interação entre o nosso corpo e o bacilo de Koch.
Por que a pesquisa é inovadora em termos mundiais?
André Báfica – Dado o alto grau de infecciosidade do bacilo, um terço da população mundial – cerca de 2 bilhões de pessoas – está infectada com o mesmo. Destes, 10% desenvolvem doença ativa durante a sua vida. Além disso, apesar de existir tratamento para controlar a doença, a resistência aos antibióticos deixam a bactéria mais difícil de controlar e é um grave problema de saúde pública. O conhecimento básico e sólido da interação bactéria-hospedeiro pode nos deixar mais próximos do encontro de uma vacina eficaz no futuro.
Ela viabilizaria a produção de vacinas melhores a um custo menor?
André Báfica - Qualquer vacina apresenta um custo muito menor que gastos com tratamento, efeitos colaterais, mortes, hospitalização, distúrbios psíquicos, ausência ao trabalho, etc.
Atualmente as vacinas para tuberculose são fabricadas no Brasil? Por que não são tão boas quanto o desejável?
André Báfica – A vacina disponível contra tuberculose – BCG – é utilizada no Brasil desde 1925 e é produzida principalmente pelo Instituto Butantan. Foi demonstrado que a BCG protege principalmente crianças contra formas graves da tuberculose e não apresenta alta eficácia em adultos, não sabemos por quê. Para obtenção de tal resposta, necessitamos de uma abordagem complexa que envolve o acompanhamento de um grande número de indivíduos expostos à vacina e seguimento por inúmeras décadas de vida. Além disso, precisamos encontrar melhores correlatos de proteção, ou seja, encontrar as substâncias produzidas pelo nosso corpo que atuam na ativação do sistema imune durante a resposta eficaz de uma dada vacina.
Em quanto tempo, aproximadamente, se espera que surjam resultados do trabalho?
André Báfica – Como em qualquer projeto de ciência básica, não podemos dar uma resposta precisa – muito menos especulativa – para não trazer uma esperança enganadora aos pacientes. Seria como avaliar, em 1905, quando uma equação do tipo E = mc2 chegaria ao uso prático das pessoas. Hoje sabemos que o impacto foi muito alto. Entretanto, há estimativas de que alguns antígenos vacinais que funcionam demoram cerca de dez anos até chegar em fase de testes em humanos. Tenta-se encurtar este tempo para cinco anos.
Qual é a situação do Brasil quanto à doença?
André Báfica – Em 2010, segundo a Organização Mundial de Saúde [OMS], o Brasil estava entre os 22 países que apresentaram 80% dos novos casos de tuberculose no mundo. Nosso país teve entre 70 mil e 100 mil casos novos e uma taxa de sucesso terapêutico variável entre 50% e 75%. Estima-se que 1% desses casos foram provocados por bactérias multi-resistentes a fármacos. De acordo com a OMS, em 2011 o Brasil investiu 80 milhões de dólares e em 2012 serão investidos 74 milhões de dólares com políticas públicas contra a tuberculose. Entretanto, os dados sobre o financiamento público de pesquisa básica direta em tuberculose não estão disponíveis de maneira fácil. Atualmente, no mundo, há cerca de dez vacinas sendo testadas em pesquisas clínicas.
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Texto publicado originalmente na Revista da Fapeu 2012.