08
Mar10
Cortázar e o esquecimento de Éden
Uma anotação de leitura que reencontrei num e-mail enviado em 2007.
Nos cafés recordo-me dos sonhos, um no man´s land suscita o outro; agora mesmo estou recordando mais um, mas não, recordo apenas que devo ter sonhado algo de maravilhoso e que no final sentia-me como que expulso (ou fugindo, mas à força) do sonho que irremediavelmente ficava atrás de mim. Não sei, inclusive, se uma porta se fechava atrás de mim, creio que sim; na realidade, estabelecia-se uma separação entre o já sonhado (perfeito, esférico, concluído) e o agora. Mas eu continuava dormindo, também sonhei com essa expulsão e a porta se fechando. Uma única e terrível certeza dominava esse instante de trânsito, dentro do sonho: saber que irremissivelmente essa expulsão continha o esquecimento total da maravilha prévia.
(…)
Tudo terá, imagino, uma raiz edênica. Talvez o Éden, como dizem por aí, seja a projeção mitopoética dos bons momentos fetais que pervivem no inconsciente. De repente, compreendo melhor o gesto de Adão de Masaccio. Cobre o rosto para proteger sua visão, o que foi seu; guarda nessa pequena noite manual a última paisagem do seu paraíso. E chora (porque o gesto é também o que acompanha o pranto) quando entende que tudo é inútil, que a verdadeira condenação é aquilo que já está começando: o esquecimento do Éden, ou seja, a conformidade bovina, a alegria barata e suja do trabalho e o suor na testa e as férias pagas.
Julio Cortázar, o Jogo da Amarelinha, cap. 132








Não rabisquei o meu porque era emprestado, mas esse é um livro pra ter por perto, né? E de tempos em tempos, abrir aleatoriamente.
Uma das melhores decisões que tomei foi adquirir uma edição em capa dura de “O Jogo da Amarelinha”, vendida pelo Círculo do Livro. Meu exemplar ainda está em ótimo estado. E todo rabiscado, já que o enchi de anotações em lápis nas margens de várias páginas.
Cortázar genial, foi uma descoberta na minha adolescência, abriu um enorme horizonte de liberdade de escrita, logicamente liberando o pensamento…