25

Feb

10

Um velho homem

Esta semana vi The man from Earth (2007), filme independente dirigido pelo nova-iorquino Richard Schenkman e escrito por Jerome Bixby – que, me diz agora o IMDb, tem no currículo quatro episódios de Star Trek e a série de TV Viagem Fantástica, dos anos 60. Em uma palavra: extraordinário! História inverossímil, contada com extrema economia de recursos. Não é filme pra agradar a todos. Se você não passa sem cenas de ação, perseguições de carro e câmera nervosa, pule este. Mas se gosta de boas narrativas e quer conhecer uma maneira inusitada de contar Sci Fi, recomendo.

O enredo é simples, o cenário, mais ainda, mas a história mergulha fundo na complexidade humana. John Oldman é um professor universitário em uma pequena cidade americana, com trinta e poucos anos, que pediu demissão e está prestes a se mudar. Um grupo de colegas chega na sua casa com uma garrafa de uísque e salgadinhos, pra se despedir. Curiosos, querem saber por que ele está indo embora. A princípio John reluta em falar, mas termina contando um segredo fantástico: ele é um homem pré-histórico – Cro-Magnon, pra ser mais preciso – com 14 mil anos de vida.

Os amigos acham graça, mas terminam entrando no que consideram uma brincadeira e vão lhe fazendo muitas perguntas sobre suas áreas de conhecimento: biologia, história, literatura cristã, psicologia… John vai respondendo uma a uma, e as coisas fazem sentido, por incrível que pareça a todos. Pelo caminho, referências a mitos, dogmas religiosos, conflitos existenciais, relações afetivas. O filme se desenrola durante uma tarde e o início da noite, quase todo dentro da casa e no pátio da frente, onde John arruma a bagagem na caminhoneta. Tudo se resume a uma elaborada dança da aceitação versus rejeição. Não há um único flashback pra cenas “do passado”, nenhum efeito especial – nem fariam sentido. E no entanto, o suspense vai ganhando corpo até o final emocionante.

The man on Earth lida de maneira genial com um conceito conhecido dos roteiristas, que é a suspensão temporária da descrença: o público (nós espectadores, mas também aqui, os personagens) se dispõe a aceitar a implausibilidade de uma situação, em troca da premissa de entretenimento. Tudo de resume a acreditar ou não na história contada por Oldman (“homem velho”, um dos trocadilhos que ele vem usando na sua jornada de “imortal”). Se não for verdade, então o homem é um louco, ou está troçando dos colegas. Se for… Essas possibilidades fazem com que cada um reaja de maneira diferente.

O filme, quanto à forma narrativa, lembra Rope (Festim Diabólico), clássico de Hitchcock que se passa todo dentro de um apartamento. Mas a tensão dramática é de outra natureza. Em vez de um cadáver escondido, uma verdade, ou a ausência dela. E a vontade que nos dá de acreditar, nem que seja por alguns momentos, numa boa história bem contada. 9/10.

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