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Apr

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O que mais vale: água ou fosfato?

Anitápolis, Santa Catarina. DVeras 2007. CCNo dia 20 de abril o Tribunal Regional Federal da 4a. Região manteve por unanimidade, mais uma vez, a decisão da Vara Federal Ambiental de Florianópolis contra o projeto da fosfateira de Anitápolis. Esta é a 12a. decisão judicial contrária ao empreendimento, que ameaça uma extensa área de mata atlântica e mananciais em Santa Catarina. Fiz quatro perguntas ao advogado Eduardo Bastos, que representa a ong Associação Montanha Viva na causa.

O que significa mais esta decisão do Judiciário contra o projeto da fosfateira?

Em termos ambientais e sociais, a manutenção da liminar concedida pela doutora Marjorie Ribeiro da Silva, juíza da Vara Federal Ambiental de Florianópolis, se reveste de grande importância. Demonstra a sensibilidade do Poder Judiciário Federal com os problemas e riscos potenciais apontados na ação. Apesar de toda complexidade da causa e dos interesses governamentais em jogo, as irregularidades constantes no EIA/RIMA [Estudo Prévio de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental] foram percebidas pelos julgadores, que, embasados nos princípios da prevenção e da precaução, decidiram em prol da sociedade e do meio ambiente.

Por que o projeto da fosfateira é danoso ao meio ambiente?

Diria que o projeto é danoso não apenas ao meio ambiente, mas à sociedade de modo geral. Ao meio ambiente pela perda de biodiversidade, por envolver a supressão de mais de 300 hectares de Mata Atlantica em estágio primário que abriga espécies em risco de extinção, pela possibilidade da contaminação das águas superficais e subterrâneas. Isso sem contar com a poluição e aniquilação do Rio dos Pinheiros, que abastece moradores de Anitápolis e de Braço do Norte. E social, pois o empreendimento coloca em xeque toda uma região que tem por vocação o turismo rural, a agricultura orgânica, inclusive recebendo recursos do governo federal para essas atividades. Em resumo, a luta que se trava é pela preservação de toda Encosta da Serra Geral.

Como tem sido a mobilização social quanto a esta causa?

A sociedade está pressionando os gestores a tomar posição. Houve três audiências públicas promovidas pela Assembleia Legislativa – a primeira em junho de 2009 em Florianópolis, a segunda em setembro, em Braço do Norte, e a terceira no dia 15 de abril, em Laguna. Nesta última, a Comissão Pastoral da Terra entregou ao prefeito 3.800 assinaturas de moradores de Laguna e Tubarão que são contra o empreendimento. O prefeito também se manifestou contrário. As prefeituras de Rancho Queimado e Braço do Norte se somaram ao protesto, ingressando na ação judicial. Mais de 20 organizações empresariais da região também são contrários. O Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Tubarão e Complexo Lagunar finalizou em dezembro de 2009 um parecer técnico que aponta todas as irregularidades do EIA/RIMA e diz que o empreendimento é inviável do ponto de vista ambiental, social e econômico. Há duas semanas a procuradora da República Analúcia Hartmann, do Ministério Público Federal, também requereu a entrada como co-autora no processo.

Qual será o trâmite desta ação daqui para a frente? O projeto está suspenso em definitivo?

Mantida a liminar, e após a análise do mérito nos agravos [agravo é um dos tipos de recurso existentes no processo civil brasileiro], o próximo passo a ser executado pelo governo do estado, prefeitura de Anitápolis, Fatma [Fundação do Meio Ambiente, órgão ambiental do governo de SC], União, Bunge, Yara e IFC [Indústria de Fosfatados Catarinense] pode ser a interposição de recurso no Superior Tribunal de Justiça. Ainda que o façam e em sendo mantida a decisão, o processo na Vara Federal tem seu trâmite normal, ou seja, passará a ser efetivamente julgado. Audiências e produção de provas, até a prolação da sentença. E a partir dessa, de novo o ciclo de recursos se inicia. O risco de a atividade ser viabilizada existe. Contudo, pelo que consta no processo, nos laudos e pareceres elaborados por instituições idôneas, creio que há uma sinalização pela inviabilidade do Projeto Anitápolis. Afinal, o que mais vale: água ou fosfato? Respondida essa equação simples, a decisão é mais fácil de ser tomada.

Esta entrevista está sob licença Creative Commons. Sua reprodução é permitida e incentivada.

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9 Responses:

  1. Em 08/05/10, 08:55, Kirchner disse:

    A BUNGUE parece que já está fora deste negócio …

  2. Em 28/04/10, 19:44, Marcello "Tarta" Tonelli disse:

    Caríssimo jornalista Dauro Veras,

    Só agora tive a oportunidade de ler o material. Muito bom!

    A referida decisum exprime o anseio social na preservação do meio ambiente, em especial da área em regeneração da Mata Atlântica.

    Penso ser difícil a mudança de norte nos tribunais superiores com relação ao mérito, ademais, o juiz não necessita se ater na EIA/RIMA ou aos pareceres técnicos, pode inclusive questionar sua integridade.

    Quanto a pergunta de Alícia esclareço (me metendo na conversa alheia), quem adquire leva ônus e bônus do imóvel, no caso, pegaria o processo no estado em que se encontra.

    Atenciosamente,

    Marcello Tonelli OAB/SC 26.064 fone 48.99611674

  3. Em 23/04/10, 02:38, Elaine Borges disse:

    ótimo. Bom saber que há um forte movimento contra este nefasto projeto.
    Com tua autorização, transcrevi a entrevista no meu blog.
    Grande abraço.

  4. Em 22/04/10, 11:33, Silvia Conceicao Blasi disse:

    Parabenizo por mais esta vitória. Agora estamos na luta contra o Estaleiro de Eike Batista, em que o Estado é o principal interessado.
    Um empreendimento que destruirá as Reservas do Arvoredo, carijos e Inhatomirim.
    Vamos nos unir!!

  5. Em 21/04/10, 23:43, Dauro Veras disse:

    Alícia, o advogado me explicou que, por enquanto, essas mudanças societárias não constam dos autos. Portanto, para efeitos judiciais, ainda não existem. Imagino que, se formalizada a compra dos ativos da Bunge, seja preciso passar pelo crivo da Justiça, para a inclusão da Vale como parte interessada.

  6. Em 21/04/10, 20:53, Flora Neves disse:

    Dauro e colegas,

    Fico bem feliz com as boas novas. Vamos torcer para que a justiça seja feita e que prevaleça essa decisão até o final do processo.
    E que VIVA A NATUREZA!

    Abraço. (*_*)

  7. Em 21/04/10, 14:39, Alícia Alão disse:

    Parabéns pela entrevista, Dauro. Fiquei com uma dúvida: a Bunge já manifestou interesse em vender a parte de produção de fertilizantes para a Vale e a fosfateira de Anitápolis estaria incluída nessa negociação. Uma vez que o projeto seja transferido para outra empresa, como fica o processo judicial?
    Grande abraço!

  8. Em 21/04/10, 10:28, Chico Faganello disse:

    Muito bom. São raros esses julgadores sensatos.


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