Inovações reduzem retrabalho no canteiro

Escritório com ecoesgoto instalado pela Ecotelhado

Escritório com ecoesgoto instalado pela Ecotelhado. Foto: Divulgação

Novas tecnologias adotadas na construção civil estão chegando aos canteiros de obras, com benefícios para construtoras, trabalhadores e consumidores. As inovações abrangem de técnicas construtivas a sistemas de gestão de projetos; de máquinas que aumentam a segurança dos operários ao reaproveitamento de materiais reciclados. Para as empresas, as vantagens incluem a redução nos custos e prazos de entrega, a valorização dos empreendimentos e o aumento da competitividade em licitações públicas.

“Acredito que a construção civil é a atividade que mais vai se beneficiar dos aplicativos de computação na nuvem, dada a sua característica de operação distribuída”, afirma o engenheiro Carlos Augusto de Matos, diretor da empresa de TI Softplan. “Das 2 mil construtoras que utilizam nossos aplicativos, mais de mil já operam na nuvem, com os dados hospedados em um data center da IBM.”

Serviços como solicitação de materiais para obras, medições e consulta de disponibilidade de apartamentos podem ser realizados em tablets e smartphones, que sincronizam os dados das obras com o escritório pela internet.

Nesse nicho de mercado, outra desenvolvedora de software para dispositivos móveis é a Teclógica. Seu sistema pode reduzir em até 50% as horas de retrabalho na construção, diz o diretor comercial Luiz Carlos Scheid. A empresa também oferece a tecnologia RFID, de identificação por radiofrequência: “Nas obras de personalização de unidades habitacionais, o RFID garante, por exemplo, que o azulejo escolhido para determinado banheiro tenha a correta destinação”.

Luiz Carlos Mesquita Scheid, da Teclógica: redução de até 50% nas horas de retrabalho

Luiz Carlos Mesquita Scheid, da Teclógica: redução de até 50% nas horas de retrabalho

Clientes que estão usando softwares de apoio à mobilidade têm comprovado os bons resultados. A construtora e incorporadora Sulbrasil, especializada em grandes empreendimentos, adotou em 2012 um modelo de gestão que utiliza a transmissão de informações via tablets para subsidiar a tomada de decisões. “Antes esse trabalho era feito com prancheta no canteiro de obras e só depois ia para processamento”, conta a gerente geral de engenharia, Auriciane Fachini. Na construção de paredes de concreto, a produtividade aumentou 20%.

Nem sempre os equipamentos mais adequados se encontram disponíveis no mercado nacional. Uma plataforma elevatória importada da Espanha pela Mills está sendo apresentada como opção para substituir os tradicionais andaimes. Segundo a empresa, ela oferece mais segurança aos trabalhadores e velocidade à obra, possibilitando uma redução de 35% no tempo de montagem. O equipamento de aço galvanizado atinge até 120 metros, suporta carga de quatro toneladas e atende a NR-18 – norma regulamentadora que dispõe sobre condições de meio ambiente e trabalho na indústria da construção -, diz a diretora comercial Maria Alice Moreira.

Outra tendência são os prédios ambientalmente corretos. A Reis Office, empresa de terceirização de impressão e materiais de escritório, investiu mais de R$ 10 milhões em seu novo prédio em São Paulo, com custo adicional de 20% em tecnologias de sustentabilidade. Telhado ecológico, sistemas de aquecimento solar, captação de água da chuva e tratamento do esgoto fazem parte das características “verdes” do prédio. “Um exemplo de benefício é a captação de água da chuva”, diz o presidente Martinho Reis: “Prevíamos a recuperação do investimento em 60 a 72 meses e percebemos que iremos recuperar o custo adicional em 44 a 50 meses”.

A compatibilização de projetos tem sido um dos caminhos para elevar a qualidade dos processos e reduzir o improviso. “Fazemos a sobreposição de todas as interfaces, para evitar desperdício de material e minimizar o retrabalho”, explica a arquiteta Patrizia Chippari, especializada nessa técnica. Para isso, é utilizada uma nova geração de ferramentas tecnológicas que está substituindo o CAD (Design Assistido por Computador): o BIM (Modelo de Informação da Construção), que possibilita conceber o prédio em três dimensões, agregando diferentes projetos. A compatibilização pode representar entre 5% e 8% de economia em uma construção.

Prédio utiliza energia da terra

Diversas empresas e profissionais estão trabalhando com projetos de construções sustentáveis – aquelas que conservam energia elétrica, das águas e física-humana, na definição do arquiteto Edo Rocha: “Os lugares precisam ter qualidade para a energia humana, pois sem isso a arquitetura não serve para nada”. Com mais de 970 projetos no portfólio, seu escritório tem introduzido tecnologias inovadoras no país. Um dos clientes, o grupo educacional Uniesp, terá o primeiro prédio do Brasil a usar energia geotérmica (obtida pelo calor da terra) para a climatização, em Ribeirão Preto (SP).

Rocha lamenta que o conceito de “prédio verde” ainda seja utilizado como estratégia de marketing para vender produtos, mas observa que existe hoje uma consciência bem maior sobre a crise do modelo energético convencional. O arquiteto criou no Brasil o primeiro consórcio licenciado pela Universidade Carnegie Mellon fora dos Estados Unidos, o ABSIC – Consórcio para Integração de Sistemas em Prédios Avançados. A parceria entre universidade, indústria e governo realiza pesquisas sobre a melhoria da qualidade e do desempenho de prédios comerciais. Um dos produtos em teste é um robô que analisa qualidade do ar, temperatura, umidade e iluminação dos ambientes.

DanielSecches (esq) e LucasSonnewend: casa "verde"

DanielSecches (esq) e LucasSonnewend: casa “verde”

Em São José dos Campos (SP), o engenheiro Daniel Secches uniu suas ideias às do sócio, o arquiteto Lucas Sonnewend, para projetar uma casa sustentável que é hoje a residência do primeiro. “A obra durou seis meses e o custo empatou com o de uma construção convencional – R$ 1.800 o m²-, mas neste valor estão incluídos um sistema de geração de energia, um telhado verde e um sistema de aproveitamento da água da chuva”, conta Secches. A estrutura da construção, por utilizar menos concreto, é um terço mais leve que as convencionais. Um conjunto de células fotovoltáicas gera 200 quilowatts/hora mensais, que tornam a casa autossuficiente em eletricidade. “Nossa ideia é replicar o modelo para outros clientes”, diz.

“Muitas pessoas não sabem que as tecnologias às vezes são simples e acessíveis – mas o ideal é que sejam previstas no projeto”, lembra a arquiteta Mayra Rosa, sócia-fundadora do portal Ciclo Vivo, voltado para a difusão da sustentabilidade. Ela cita dois exemplos de empresas que atuam com água. A Acqua Brasilis instala um sistema biológico que trata a chuva e reaproveita a “água cinza” – proveniente do chuveiro, pias e lavagem de roupas. “Dá para economizar entre 30% e 50% na conta”, diz a diretora Sibylle Müller.

A Ecotelhado, especializada em pavimentos permeáveis e jardins verticais, fornece soluções que protegem a fachada dos prédios dos raios solares, reduzindo o uso de eletricidade na climatização. Seu Sistema Integrado de Ecoesgoto foi um dos projetos recomendados pela Organização das Nações Unidas para enfrentamento das mudanças climáticas. “Adotamos o modelo de matriz circular, que reutiliza a água e os resíduos sólidos orgânicos para fertilização das plantas”, explica o diretor João Feijó: “Esse paradigma substitui o de matriz linear presente nas construções convencionais, em que a água vem de longe, vai para longe e causa danos ambientais”.

“Somos a primeira incorporadora brasileira a controlar as emissões de gás carbônico em nossas obras”, conta Sandra Germanos, gerente de marketing da Stan, uma empresa familiar fundada há 70 anos. O procedimento começou a ser adotado em 2008 a partir de um inventário do processo produtivo das construtoras contratadas, que serve como base para a compra de créditos de carbono. Conforme o tipo de empreendimento e do material utilizado, a geração é de 180 a 280 kg por metro quadrado. Junto com outras empresas do ramo, a Stan lançou no fim de 2013 um guia mercadológico para compensação de gás carbônico na construção civil.

São Paulo lidera certificações de construções sustentáveis

A certificação de construções sustentáveis é uma tendência mundial que se consolida no Brasil, não apenas por causa da busca voluntária das construtoras, como também pela adoção de normas e padrões mais exigentes. Prédios comerciais, onde o uso da energia representa em torno de 30% dos custos operacionais, estão entre os principais candidatos aos chamados “selos verdes”. Também cresce a procura pela certificação em indústrias, supermercados, data-centers e empreendimentos residenciais. Um estudo divulgado no ano passado pela consultoria EY aponta que, entre 2010 e 2012, os prédios que reivindicam o rótulo de sustentáveis passaram de 3% para 8,3% do total do PIB brasileiro de edificações, atingindo R$ 13,6 bilhões.

Os principais selos verdes para a construção civil nacional são o LEED (sigla em inglês para Liderança em Energia e Design Ambiental), de origem americana, criado pela organização não-governamental GBC (Green Building Council); o Aqua, da Fundação Vanzolini, inspirado em um modelo francês; o Breeam, de origem britânica; o Casa Azul, da Caixa Econômica Federal, e o Procel Edifica, da Elebrobras. Presente em 150 países, o LEED é pioneiro no Brasil, que ocupa o quarto lugar entre os países com maior número de projetos: são 844 registrados e 149 certificados. Os estádios-sedes de jogos da Copa do Mundo de futebol estão em processo de certificação – já a obtiveram o Castelão em Fortaleza e a arena Fonte Nova em Salvador.

“Se excluirmos o território americano, o estado de São Paulo foi o que teve o maior número de projetos registrados com o LEED no mundo em 2013: foram 110”, informa o coordenador do GBC Brasil, Felipe Faria. “Um dos nossos grandes desafios é ampliar a certificação no setor residencial e, para isso, temos um comitê com 200 profissionais que elaboraram um referencial técnico”. Dez projetos-piloto de casas estão sendo acompanhados e uma certificação específica deve ser lançada em agosto. Faria destaca entre os avanços na legislação o decreto presidencial 7.746 de 2012, que dá diretrizes de sustentabilidade para obras licitadas pela administração pública federal: “O decreto deixa claro que a melhor opção não é o menor custo de construção, e sim o menor custo de operação”, diz.

A velocidade da venda de imóveis comerciais cresce em até 20% quando eles possuem selo verde, e em alguns casos também aumenta o valor de venda, afirma o diretor da consultoria de sustentabilidade Sustentech, João Marcello Gomes Pinto. “Hoje, em São Paulo e no Rio de Janeiro, um prédio que não seja certificado já nasceu velho, pois a certificação acaba sendo um verificador da qualidade do projeto”. Clientes como fundos de pensão já exigem por contrato que os edifícios comerciais sejam construídos com padrões ambientalmente corretos, pois isso facilita a locação das salas. Dos mais de 300 projetos certificados ou em processo de certificação pela empresa, 40% correspondem ao LEED, 40% ao Aqua e 20%, ao Procel Edifica.

Uma tendência recente é a certificação de grandes projetos residenciais. É o caso de dois condomínios construídos pela incorporadora Damha, um em São Carlos (SP) – primeiro do gênero no Brasil a receber a certificação Aqua – e outro em Campos dos Goytacazes (RJ). “Criamos uma entidade para administrar os assuntos relativos a esses empreendimentos, a Associação Bairro Sustentável”, conta a gerente de relacionamento com clientes Fernanda Toledo. Um dos diferenciais desses projetos é a capacitação social das pessoas que vivem no entorno do condomínio, para que possam trabalhar durante a obra e depois do seu término, acrescenta.

“É importante que os consumidores façam uma análise crítica dos produtos identificados com selos ambientais”, orienta o pesquisador João Paulo Amaral, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). “Por exemplo, o estádio Itaquerão, em processo de certificação LEED , tem 3.100 vagas para carros, mas não foi incorporado ao projeto um bicicletário”. O coordenador do GBC Brasil, Felipe Faria, esclarece que o item relacionado a estimular o transporte alternativo e de baixa emissão não é um requisito obrigatório para obter a certificação.

Íntegra da reportagem publicada de forma condensada no jornal Valor Econômico em 28 de março de 2014.