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Dec

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Leituras de 2015: DVeras Awards

Compartilho com os viciados em livros a minha lista de leituras concluídas em 2015. A maioria é de ficção e está numerada mais ou menos na ordem cronológica em que me chegou às mãos. Ficam de fora as leituras de trabalho e as obras que venho degustando aos golinhos – como O som e a fúria, de Faukner, denso e multifacetado; Um prazer fugaz: cartas de Truman Capote, interessante, mas desigual; e Voces de Chernóbil, reportagem da Nobel de literatura Svetlana Alexievich, de uma humanidade devastadora, ainda sem tradução pro português. Incluí dois contos de García Márquez, um de Bolaño e um de Chandler pescados na internet, pequenas obras-primas que valem por livros inteiros. Os de Gabo têm títulos fantásticos de bons.

O resultado compõe uma boa variedade de estilos, temas e nacionalidades – são 29 representantes dos Estados Unidos, Brasil, Japão, Suécia, Chile, Peru, Colômbia, Escócia, Itália e Canadá.  Todos à sua maneira me fizeram companhia amiga ao longo deste ano bruto que já vai tarde. Com esses autores e autoras, viajei sem sair da minha rede no quintal. Tangi gado no lombo de um burrinho em Minas (26). Bebi feliz com amigos poetas em Lima (18). Toquei no colo de Evita na Casa Rosada (13). Conheci uma estranha sedutora em Istambul. Fui abduzida enquanto me prostituía (15). Testemunhei um duplo homicídio em Moçambique (7). Encarei a espera e a solidão num apartamento de Santiago (6). Tive uma lua-de-mel inesperada em Paris (8). E no Rio, amei uma mulher de aliança que não era o que parecia… (25)

Difícil apontar meus favoritos do ano. Mas listas servem pra isso mesmo: despertar curiosidade, motivar outras listas, criar polêmica. E também para dar uma ilusória sensação de ordem no meio do caos. Sigo a brincadeira do DVeras Awards de anos anteriores e aponto os top de 2015 em negrito – mas vamos combinar que Guimarães Rosa, Rubem Braga, Gabo e John Fante são hors-concours, tá? Ao final, faço um breve comentário sobre as escolhas e anuncio o campeão do ano. Boas leituras.

  1. Pacto Sinistro (Patricia Highsmith)
  2. Recado de Primavera (Rubem Braga)
  3. Tudo é eventual (Stephen King)
  4. 1933 foi um ano ruim (John Fante; releitura)
  5. Caçando carneiros (Haruki Murakami)
  6. A vida privada das árvores (Alejandro Zambra)
  7. O homem de Beijing (Hennig Mankell)
  8. El rastro de tu sangre en la nieve (Gabriel García Márquez)
  9. A zona do desconforto (Jonathan Franzen)
  10. Sensini (Roberto Bolaño)
  11. O homem que virou fumaça (Maj Sjowall e Per Wahloo)
  12. A quinta mulher (Hennig Mankell)
  13. A quiet flame (Philip Kerr)
  14. El tren (Raymond Chandler)
  15. Contos fantásticos: amor & sexo (Bráulio Tavares, org.)
  16. Noites do sertão (Guimarães Rosa)
  17. Meus desacontecimentos: a história da minha vida com as palavras (Eliane Brum)
  18. Contarlo todo (Jeremías Gamboa)
  19. Número Zero (Umberto Eco)
  20. A grande fome (John Fante)
  21. A garota na teia de aranha (David Lagercrantz)
  22. Punto de fuga (Jeremías Gamboa)
  23. F (Antonio Xerxenesky)
  24. Sobre a escrita: a arte em memórias (Stephen King)
  25. Histórias curtas (Rubem Fonseca)
  26. Sagarana (Guimarães Rosa; terceira releitura)
  27. En este pueblo no hay ladrones (Gabriel García Márquez)
  28. Sobre encontrarse a la chica 100% perfecta una bella mañana de abril (Haruki Murakami)
  29. Ódio, amizade, namoro, amor, casamento (Alice Munro)

Sobre a escrita é o relato da trajetória de Stephen King no universo da linguagem, desde a infância à consagração como um dos grandes talentos da literatura fantástica. O livro traz orientações preciosas para quem pretende escrever profissionalmente. Pode acreditar, o homem sabe do que fala. Um de seus conselhos: “Você pode abordar o ato de escrever com nervosismo, excitação, esperança ou desespero. Faça isso de qualquer forma, menos sem seriedade”. “A narrativa tem também uma parte confessional para quem busca entender os bastidores do processo criativo do autor e as dificuldades que ele enfrentou. Muito bom.

Contarlo todo, romance de estreia do peruano Jeremías Gamboa, me impressionou pela fluência com que relata a vida do jovem protagonista, morador da periferia de Lima que resolve seguir o jornalismo e depois troca a profissão pela de escritor. A sensação de não-pertencimento, a busca do sonho, a cumplicidade dos amigos, as armadilhas do amor e da solidão, ingredientes frequentes nos romances de formação, aparecem de maneira original e cativante. Devorei o livro pouco tempo depois de uma viagem ao Peru. Meu prazer com essa leitura também se deve às identificações pessoais que tive com a história – o cotidiano das redações e seus personagens me trouxeram vários flashbacks –  e ao reconhecimento de vários cenários urbanos, como os do bairro boêmio de Barranco. Em seguida, li o livro de contos dele Punto de fuga, escrito antes, que comprova sua maturidade narrativa. Recomendo ambos.

Meus desacontecimentos foi, pra mim, o grande acontecimento de 2015 em termos de leitura. A repórter e documentarista Eliane Brum narra a descoberta e fascinação precoce com as letras, que moldou toda a sua trajetória de vida. História tocante, contada com emoção, domínio do idioma e apuro estético – aliás, marcas presentes em seus textos jornalísticos e de opinião. Meus desacontecimentos é o ganhador do DVeras Awards 2015. É um livrinho bom de ler anotando. Gosto muito deste trecho, entre tantos outros: “Meu pai pouco falava comigo pela boca, mas dizia muito com os olhos. Nas andanças pelo Brasil que, muito mais tarde, eu faria como repórter, escutei de homens e mulheres das mais variadas geografias uma expressão que revela a finura da linguagem do povo brasileiro: ‘Sou cego das letras’. Era como expressavam, em voz sentida, sua condição de analfabeto. Luzia, com esse nome tão profético, arrancou meu pai da cegueira das letras. E, com ele, todas as gerações que vieram depois. E as que ainda virão. Era isso que, ano após ano, ele agradecia à beira do túmulo de Luzia. E eu escutava, com os olhos”.

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One Response:

  1. Em 29/12/15, 09:38, Fabricio disse:

    Que lista bonita, cara. Eu li algo em torno de 20 títulos esse ano, e meu destaque vai para o “Submundo”, do Don Delillo, lido parte no inverno do nosso hemisfério sul aqui e parte no verão do hemisfério norte (é um épico de umas 800 páginas e comecei-o às vésperas de viajar, não tendo planejado a princípio carregar seus dois quilos comigo na mochila, mas não consegui me separar dele). É um arraso esse livro, Dauro. Se um dia quiseres ler, tenho-o aqui.

    O “O som e a fúria” é incrível, não? Quando anunciaram o fim da Cosac, corri para comprar os quatro ou cinco outros títulos do Faulkner que eles lançaram, antes que eles se tornem raridades caríssimas na Estante Especulativa Virtual… Um dos meus projetos literários desse ano é ler muito Faulkner.

    O primeiro item da tua lista é da Patricia Highsmith. Ontem na Elemental (o melhor dos sebinhos da João Pinto) achei baratinho aquele enorme volume de contos dela, “Nada é o que parece ser”. Dica: tem lá uma edição do “O amigo americano” por 10,00 pilas… O filme do Wim Wenders é ótimo, tenho curiosidade de ler o livro!

    Vou terminar o ano lendo “Marcovaldo” do Calvino e acho que algo do Saramago, de quem estou com saudade.

    É, 2015 foi um ano difícil. Que 2016 seja melhor!


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