Posts com a tag ‘opinião’

21

Sep

12

Nuclear em desuso

Artigo de Heitor Scalambrini Costa, professor da Universidade Federal de Pernambuco.

Setembro de 2012 ficará marcado na história pelos anúncios feitos pelos governos japonês e francês, a respeito da decisão de se afastarem da energia nuclear, responsável pelos piores pesadelos da humanidade. Esta tomada de posição tem um significado especial, visto que estes países, até então defensores desta fonte energética, têm em suas matrizes a maior participação mundial da nucleoeletricidade. Depois da histórica decisão do governo alemão em abandonar em definitivo a energia nuclear, agora são os governos do Japão e da França que vão rever os planos relativos ao uso do nuclear.

O Japão anunciou que irá abrir mão da energia nuclear ao longo das próximas três décadas. Esta decisão, tomada após um encontro ministerial (14/09), indica o abandono de tal fonte energética na “década de 2030″. Esta posição governamental foi tomada após o desastre de Fukushima que abalou a confiança da população na segurança dos reatores nucleares. O plano japonês apresentado é semelhante ao da Alemanha, primeira nação industrializada que comprometeu desligar todos os seus 17 reatores até 2022. Sem dúvida para o Japão, a tarefa é complexa visto que 1/3 da eletricidade gerada no país é proveniente dos 50 reatores instalados em seu território.

Ainda sobre a decisão do governo japonês existem criticas por não ter sido especificado, quando exatamente a meta seria alcançada, já que a decisão agora tomada não seria obrigatória para governos futuros. O que significa em principio, que uma nova administração poderia reverter os planos. Todavia, analistas afirmam que dificilmente esta mudança de rumo ocorreria pelo alto engajamento e conscientização dos japonese(a)s, demonstrada em recente pesquisa de opinião, onde mais da metade da população se diz favorável ao fim do uso do nuclear no país. Também houve criticas sobre o porque deste calendário ser tão dilatado, já que o país chegou a desligar 48 dos reatores depois do desastre de Fukushima, e poderia, com o aumento da participação das fontes renováveis e com um ambicioso programa de eficientização energética, atingir a meta num prazo menor. Todavia, mesmo com estas ressalvas, a decisão anunciada aponta para um novo rumo na questão energética japonesa e mundial.

Já na França, em recente conferencia realizada (14 e 15/9) sobre questões ambientais, em Paris, o presidente, François Hollande, cumprindo promessa de campanha, declarou que está engajado na transição energética, baseada em dois princípios: eficiência e fontes renováveis; e que planeja reduzir a dependência do país da energia nuclear, hoje correspondendo a 75% da matriz energética, para 50% até 2025.

Sem ter metas conclusivas para o abandono definitivo da energia nuclear no seu território, sem duvida a decisão do governo francês é histórica e extremamente positiva, visto que até então, discutir a questão nuclear na França era tabu. Para aqueles defensores desta tecnologia que sempre mencionavam o estado francês como referencia de uma experiência exitosa na área nuclear, fica ai uma derrota de grandes proporções. Sem dúvida, a França rever sua posição, mesmo diante das dificuldades, da complexidade do problema e das contradições existentes, é indispensável para um mundo de amanhã sem nuclear.

Somados a Áustria, Bélgica, Suíça, Itália (decisão plebiscitária, onde mais de 90% da população votou contrário à instalação de novos reatores nucleares em seu território) que reviram os planos de instalação de novas usinas, e decidiram se distanciar da energia nuclear; agora a Alemanha, o Japão e a França tomaram decisões semelhantes.

Diante deste contexto internacional fica aqui uma pergunta que não quer calar: porque então o governo brasileiro insiste em planejar a construção de usinas nucleares? Com a palavra as “autoridades energéticas”.

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06

May

10

O que o Brasil não pode?

Com o consentimento do autor, compartilho na íntegra este texto sobre direitos humanos.

O que o Brasil não pode?

Celso Vicenzi – jornalista, assessor de imprensa do Sintrafesc e colunista do portal www.acontecendoaqui.com.br

Florianópolis-SC

Há algo de errado com um país que não consegue olhar para o seu passado.

Há algo muito errado com um país quando a sua mais alta Corte de Justiça decide não condenar aqueles que cometeram o mais hediondo de todos os crimes: a tortura de seres humanos.

Deve haver alguma coisa muito errada com um país quando é o último, no planeta, a extinguir a escravidão, um país que queimou documentos sobre este período e nunca adotou políticas públicas que pudessem redimir a injustiça praticada contra a população negra.

Há algo de feroz num país que, embora viva o mais longo período democrático ininterrupto da sua história, mostra suas garras cada vez que aqueles que sofreram e foram espezinhados clamam por algum tipo de justiça.

Há algo que não se explica num país que, teoricamente livre e democrático, considera que há assuntos que não podem ser investigados.

Há algo de profundamente desconfortável em nossa crença de cidadãos civilizados, com bons modos à mesa, quando sabemos que todos os dias, em muitas delegacias do país, seres humanos são torturados impunemente sem que a sociedade, que se uniu e se insurgiu contra a tortura aos presos políticos, agora demonstre a mesma vontade de lutar contra a tortura de presos comuns, notadamente negros e pobres.

Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Uruguai investigaram e puniram, de alguma forma, aqueles que praticaram atrocidades durante períodos de ditadura. Trouxeram à tona acontecimentos que não devem ser esquecidos.

O Chile inaugurou no dia 11 de janeiro deste ano, o Museu da Memória e dos Direitos Humanos. “No local há fotografias das vítimas, depoimentos de homens e mulheres que foram torturados, cartas de crianças a seus pais desaparecidos e até a reprodução de uma sala de tortura com uma cama elétrica”, informa a Agência Brasil.

O que o Chile pode que o Brasil não pode?

Todos os anos, a Alemanha expia os pecados do nazismo, quase como um mantra de condenação perpétua. Ou como escreveu o New York Times, “a maioria dos países comemora os melhores momentos de sua história. A Alemanha, porém, não cansa de promover o que houve de pior na sua”.

O que pode a Alemanha, que o Brasil não pode?

Há milhões de documentos sobre as monstruosidades cometidas por Hitler e boa parte de seus seguidores, abertos a quem queira conhecer o passado. Há um gigantesco memorial do Holocausto no centro de Berlim. Campos de concentração onde judeus, ciganos, gays, crianças, mulheres e adultos foram exterminados, são preservados e mantidos abertos à visitação pública. A Alemanha trabalha agora na construção de um novo museu, onde foi a sede do partido nazista. O futuro Centro de Documentação da História do Nacional-Socialismo deve ser inaugurado em 2011, informa o jornal O Globo. Não há revanchismo nem sadismo em tudo isso. O objetivo declarado, de acordo com o site do museu, “é criar um local de aprendizagem que sirva para o futuro”.

Que lição o Brasil quer deixar para o futuro, sobre tantos episódios sangrentos e tão pouco edificantes da nossa história?

O que a Alemanha e o Chile podem, que o Brasil não pode?

Com a palavra, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que no dia 29 de abril de 2010, por 7 votos a 2, permitiram que fosse arquivada a ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que contestava a Lei de Anistia e reivindicava o direito de processar torturadores. O direito internacional condena a tortura como “crime inafiançável”. Não é o que pensa a Justiça brasileira. O direito internacional quer banir anistias que regimes ditatoriais se autoconcedem para fugir à responsabilidade de crimes bárbaros. Representantes da Anistia Internacional, da ONU, da OEA foram unânimes em lamentar a decisão.

A nossa mais alta Corte de Justiça – num país que é um dos mais injustos e campeão da impunidade – considera que estupros, torturas, assassinatos em interrogatórios e outras violências praticadas contra pessoas indefesas são delitos políticos ou “conexos”, ou seja, vinculados a eles. Em resumo, deram uma “dimensão política” à prática da tortura. Seus nomes serão lembrados, no futuro, muito mais do que desejariam, por produzirem decisão tão lamentável.

Tim Cahil, da Anistia Internacional, resumiu a gravidade do que aconteceu: “Em um país onde não são julgados assassinatos desencadeados pela força policial e onde muitos são torturados em delegacias e prisões, essa posição é um claro sinal de que no Brasil ninguém é responsabilizado quando o Estado mata seus próprios cidadãos”.

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