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Jul11
Solidariedade à Noruega
A ausência de um comentário meu aqui antes sobre o massacre na Noruega não é indiferença, pelo contrário. É choque diante do horror além da compreensão. Tenho fortes e antigos laços de amizade com o povo norueguês. Hospitalidade, solidariedade, abertura pras diferenças, só consigo pensar em coisas boas quando lembro dos meus amigos vikings, dos amigos dos meus amigos e das pessoas com quem tive contato casual ao viajar pelo país e em outros cantos do mundo. Gente bonita, amante da paz, da natureza, das viagens e descobertas.
A riqueza que a Noruega conseguiu conquistar no século 20 graças à indústria petrolífera reverteu de fato pra redução das diferenças materiais entre os ricos e pobres (é o primeiro país no ranking mundial do IDH). Esse estado do bem-estar social, privilegiado por paisagens lindíssimas, poderia ter sido construído de maneira egoísta. Mas os noruegueses, cientes de suas responsabilidades, aplicaram parte da riqueza na melhoria da vida dos outros. Aberta à imigração, a Noruega tem sido um importante abrigo para refugiados políticos e econômicos, principalmente de países muçulmanos.
Não é um paraíso na terra, é certo. A inexistência de grandes dificuldades materiais termina levando as pessoas a se voltar para dilemas existenciais. Depressão e suicídio são recorrentes, em especial nos longos meses de inverno, em que a luz do sol vira artigo de luxo. O rígido controle do consumo de bebidas alcoólicas deriva de um histórico problema social com o alcoolismo – reforçado pela moral puritana da época em que as leis restritivas foram adotadas. Mesmo assim, a Noruega sempre foi considerada um oásis de segurança e placidez. É um dos lugares mais improváveis do mundo pra se levar um tiro.
O crime horrendo praticado pelo fundamentalista cristão de extrema direita – até o momento, tudo indica que agiu sozinho – quebrou a ilusão de que existem lugares intocados pela violência. No momento em que escrevo, as notícias que os jornais vão acrescentando para montar o quebra-cabeças do massacre são nauseantes, pela frieza como o crime foi planejado. Tenho lido diversos artigos que tentam “explicar” essa chacina, mas boa parte dos analistas tira conclusões rasas e contraditórias, como observa Christopher Hitchens em texto publicado pelo NY Times e traduzido pelo UOL (com dois erros de concordância no título).
A tragédia norueguesa é um alerta para a perigosa ascensão da extrema direita na Europa, que não pode mais ser ignorada. Recomendo a leitura deste artigo na New Yorker sobre as investigações feitas nos anos 90 pelo falecido jornalista sueco Stieg Larsson, autor da trilogia Millenium, que também aborda o assunto na ficção. Merece aplauso a declaração do primeiro-ministro norueguês de que a resposta ao atentado terrorista será uma intensificação da abertura e da democracia. Essa postura, digna de estadista, é uma das melhores homenagens que as 76 vítimas do maníaco poderiam receber.
p.s.: A personificação do mal na figura desse terrorista me fez recordar um romance marcante que li no ano passado: As Benevolentes, de Jonathan Littell, narrativa em primeira pessoa das experiências de um oficial nazista na frente russa e na administração de campos de concentração.
Eu nunca tive muita ilusão sobre utópicos paraísos terrestres, locais onde a gentileza e a tolerância imperariam. Fanatismo, intolerância e violência são características humanas. Claro que se manifestam mais cá ou menos acolá, é uma paranóia diária ali ou uma raridade lá… suas manifestações variam de acordo com circunstâncias sociais, história e cultura local, política, enfim, mas continuam sendo traços inerentemente humanos. Evoluímos muito, mas continuamos sendo animais, animais no mais das vezes influenciados por fatores diversos que não o amor e o respeito ao diferente. Ou seja, onde há humanos, poderá haver violência. Basta uma infeliz conjunção de circunstâncias (e não raro, entre essas circunstâncias, está aquela “boa” dose de religião). Nos EUA, na Espanha, na Inglaterra, no Brasil (Realengo, uns meses atrás, todo mundo lembra), e até na Noruega.