Estudante brasileiro cria filtro para despoluir poços no Camboja
Universidades e ONGs brasileiras desenvolvem tecnologias para enfrentar a escassez de água e a poluição de mananciais.
Por Dauro Veras
Para o Valor, de Florianópolis
O universitário catarinense Pedro Rolan Teixeira, 24 anos, participante do programa de intercâmbio Ciência sem Fronteiras, do governo federal, desenvolveu na Coreia do Sul um projeto inovador relacionado à água. Em fevereiro de 2013 o estudante, que cursa graduação em Química na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), começou um estágio no Instituto de Interfaces Biológicas da Universidade de Sogang, em Seul. Lá passou um ano aperfeiçoando um purificador portátil que vai ajudar no enfrentamento de um grave problema de poluição de água no Camboja: a contaminação natural de poços por arsênio. O protótipo do filtro foi criado com uma impressora 3D. Teixeira ganhou destaque na mídia local e elogios do governo coreano.
Há dez anos foi descoberta a contaminação por arsênio em poços tubulares de zonas rurais do Camboja, construídos para evitar a poluição das águas superficiais. Em torno de 2,25 milhões de cambojanos vivem nas áreas de risco, principalmente no Delta do Mekong. Em alguns locais, a quantidade de arsênio encontrada nos poços supera em cem vezes o padrão permitido pela Organização Mundial de Saúde. A linha de pesquisa do catarinense está centrada no uso de materiais baratos, acessíveis por comunidades pobres. Ele aceitou o convite da universidade asiática para aprofundar os estudos por mais seis anos, no mestrado e no doutorado. “A ideia é ampliar a pesquisa no Nepal, onde as águas de poço também têm esse problema”, conta. “Tirei muito proveito do programa, que com certeza vai definir a minha carreira profissional”.
Outra tecnologia em desenvolvimento na UFSC busca a redução de toxidade dos efluentes da indústria têxtil por meio do reaproveitamento de resíduos sólidos. “Estamos trabalhando para transformar lodo industrial, rico em carbono, em um adsolvente, isto é, uma substância capaz de reter e fixar os poluentes em sua superfície”, explica o coordenador do projeto Eco-Remove, professor Antônio Augusto de Souza. Financiado com R$ 2,5 milhões do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o projeto conta com a parceria da Coteminas de Blumenau e deve ser concluído no final do ano. A UFSC também estuda o uso de algas marinhas (sargaços) como adsorventes, em uma pesquisa conjunta com a Universidade do Porto, de Portugal.
O enfrentamento do processo de desertificação, que ameaça 1,3 milhão de km² em 1.488 municípios de nove estados, é uma das frentes de atuação da ASA (Articulação do Semiárido Brasileiro), rede formada por mais de mil organizações sociais. Em parceria com o Insa – Instituto Nacional do Semiárido, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – e com várias universidades, a ASA desenvolve uma pesquisa para tentar compreender quais inovações as famílias da região utilizaram para sobreviver à seca de quatro anos que terminou em 2013 – a maior das últimas três décadas.
“Entre 1979 e 1983, mais de um milhão de pessoas morreram em consequência da seca no Semiárido, mas nesta última o número foi bem menor”, diz o sociólogo Antônio Barbosa, coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) – o número 2 do título corresponde a dois tipos de água, a potável e a destinada à produção de alimentos. Uma das principais constatações da pesquisa: as pessoas que tinham estocadas água, comida para os animais e sementes adaptadas à região enfrentaram muito melhor a seca. Barbosa destaca a capacidade inventiva dos agricultores, que usam tecnologias simples, baratas e eficientes. “Já se gastou muito dinheiro com soluções de fora”, afirma. “O Semiárido criou suas próprias estratégias de sobrevivência; nossa tarefa é sistematizá-las e transformá-las em políticas públicas”.
Diversas tecnologias sociais de captação de água têm sido disseminadas pelo P1+2. Entre elas, as barragens subterrâneas, construídas em baixios com lonas que seguram a chuva; as barraginhas, em formato de concha ou semicírculo, que deságuam umas nas outras quando sangram; os tanques de pedra, que aproveitam as fendas de granito em áreas de serra; e as cisternas-calçadão, que captam água da chuva em um calçadão de cimento, também usado para secagem de grãos. O Programa Um Milhão de Cisternas, lançado pela ASA em 1999 e depois incluído no Orçamento Geral da União, deve chegar a 900 mil unidades construídas até o fim de 2014, diz o sociólogo. “Está-se chegando à perspectiva da universalização”.
Para o consultor empresarial Valter Pieracciani, as boas iniciativas de inovação tecnológica não podem se dissociar da inovação de significado – a que ocorre quando muda a relação entre as pessoas e um produto qualquer. Ele constata que a água não tem sido vista como um bem valioso e sustenta que essa atitude precisa mudar: “Todos os anos, 3,6 milhões de pessoas morrem por problemas relacionados à água; há mais gente no mundo com celulares que com acesso a banheiros decentes; talvez a água seja um dos produtos que mais precisam de ressignificação”.
Uma versão condensada foi publicada no Valor Econômico em 21 de março de 2014.